AGORA

Digital, pero no mucho?

Na semana passada, mediei uma conversa entre jovens que já nasceram na era digital, e um servidor público, chefe de gabinete do prefeito de uma cidade do Paraná.
O servidor, não tão jovem quanto os nativos digitais presentes, reclamou da pouca adesão dos cidadãos à consulta pública sobre o plano de mobilidade urbana. O governo gastou um bom dinheiro para divulgá-la na mídia e nas redes sociais. Ninguém deu bola.
Um rapaz reagiu pragmaticamente aos resmungos do servidor: o que eu ganharia participando dessa consulta? “Eu não sei o que será esse plano e nem bem direito o que é mobilidade. Então, por que eu devo desligar meu Netflix e ir para uma conversa dessas?”, disse ele.
Outra moça confessou não confiar no poder público, e por isso evita se engajar. “Eu sei lá o que vão fazer desse plano depois.Tá todo mundo preso” Efeito da corrupção, que naquela localidade resultou na prisão e cassação de 13 dos 15 vereadores eleitos na última legislatura.
Um terceiro jovem perguntou: “O governo vai compartilhar poder com a gente?”.
Nessas horas, não adianta apelar para o patriotismo, a cidadania ou para conceitos vagos. O servidor fez o que tinha que fazer: escutou. E a escuta é que os nativos da era digital querem participar da vida pública, não são apáticos. Mas vão participar do jeito deles: não querem só fingir influenciar decisões, tampouco perder tempo com discussões genéricas e sim decidir onde vai ser a ciclovia ou qual tarifa de ônibus será adotada. E vão querer participar de tudo, e não só de uns poucos temas que burocratas de governo acharem que vale a pena.
Tenho um amigo que costuma explicar estes tempos que vivemos assim: a sociedade é da era Google, capaz de organizar uma quantidade absurda de informação e ainda gerar muita riqueza através da conexão entre as pessoas e os computadores. Já as instituições, especialmente as estatais, ainda estão na era Ford, símbolo da industrialização do século passado, montando linhas de produtos obsoletos, que pouca gente quer comprar.
Eu concordo com ele. Nossa sociedade avançou, mas nossas instituições não avançaram a ponto de dar respostas às demandas do cidadão deste século. Estão ultrapassadas. Na maioria das vezes, correm o risco de parar de funcionar se não fizerem serviços digitais pensando nos cidadãos, e não em si próprias.

Somos 116 milhões de brasileiros conectados à internet, segundo o IBGE. O desejo de que mais tecnologia seja empregada por governos está traduzida em números: 58% dos brasileiros querem isso, segundo pesquisa realizada pelo Ideia Big Data a pedido do Movimento Agora!, com abrangência nacional.
Um exemplo real disso é da prefeitura de Teresina, no Piauí. Ela consulta os cidadãos até sobre que bandas de rock devem tocar no aniversário da cidade. Pode parecer bobagem mas, no fundo, é genial: gera-se relação de confiança entre setor público e cidadãos quando há esse tipo de abertura.
Nós já passamos por uma fase de digitalização dos serviços públicos, que resultou em governos com presença online e diversos serviços disponíveis na internet.
No mês passado, por exemplo, eu baixei os carnês de IPTU nas páginas das prefeituras de União da Vitória e Porto União, economizando duas viagens de carro desde Curitiba. Essa facilidade é boa. Mas ainda é pouco diante dos saltos enormes que tecnologias novas, como a blockchain, possibilitarão.

Um exemplo é que estamos perto de ver a tecnologia de “blockchain” reinventar o sistema cartorial brasileiro. Será possível que um cartório localizado na região nordeste do Brasil possa receber e emitir registros de títulos e documentos pela internet por meio da blockchain e emitir certificados a respeito deles usando para isso também a blockchain. Os cartórios que se moverem primeiro nesse sentido de se “desterritorializar” irão colher benefícios enormes, ofertando serviços para todo o Brasil.
Igualmente na política, estão surgindo iniciativas promissoras como o Mudamos, que permite colher assinaturas via blockchain, facilitando em muito a criação de Projetos de Lei pelos próprios cidadãos. Há também o Vote Legal, que rastreia os financiamentos feitos por pessoas físicas para campanhas eleitorais.
São exemplos concretos de como podemos atualizar a forma como se pensa e se faz a coisa pública e a política no país. O Congresso, as prefeituras e também os cartórios e demais instituições partícipes de nossa democracia, podem sim compartilhar poder e representar uma “ponte” entre gerações. Para tanto, é preciso demonstrar genuína abertura e parar para realmente escutar e atender aos “novos cidadãos”.
Natalie Unterstell, mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, é cofundadora do Agora!

4 de maio de 2018 – Natalie Unterstell

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