COISAS DA BOLA

A pega do porquinho ensebado

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

Consultando as efemérides do mês de maio, escritas na minha agenda, até porque, pela longa vivência, às vezes a minha mente me dá uma rasteira, viajei no tempo como se fosse um supersônico e lembrei de um amigo que hoje inumado em um sepulcro deixou muitas saudades. Mas, também lembrei do aniversário de fundação da agremiação de futebol mais velha de nossas cidades, o União E.C., em cuja festividade foi armado o maior rebuliço, mexendo em algumas estruturas da nossa “sociedade”.
Naquele 23 de maio de certo ano da década de 1950, entre as muitas atividades comemorativas ao aniversário de fundação do União E.C., a “pega do porquinho ensebado” foi a que maior sucesso teve, inclusive vários piás classificados, tiveram que ir para disputa final no domingo da semana subsequente. Jovens com idade menor de 14 anos poderiam se inscrever para ir em busca da premiação de Cr$ 50,00 ofertado pelo presidente do Clube. Com a inscrição paga no valor de Cr$ 1,00 por piá, surpreendeu o número de meninos, mais de 50 jovens, já no sábado se inscreveram para ir em busca da “mufunfa”, prêmio considerado alto para aquele tipo de competição.
A alegria da piazada começou no sábado à tarde, quando foram preparar o suíno para o espetáculo no domingo. Tendo o focinho e as quatro patas amarradas, o leitãozinho deitado, inerte, era virado de todos os lados para que pudesse ser, totalmente, empastado através de colheradas de banha retiradas de dentro de uma grande lata. Todo lustroso e mais liso que um “bagre ensaboado”, o pequeno porquinho foi solto no chiqueiro improvisado medindo 10m por 10m e, vários meninos, para fazer um teste antes da competição, de forma individual entravam dentro daquele cercadinho e tentavam capturá-lo. Numa alegre gritaria, total, todos tentavam. Sem nenhum intento por parte da piazada, o “duroquinho” passou ileso, ninguém conseguiu segurá-lo. Diante disso e vendo a alegria da gurizada, o presidente do União E.C. resolveu dobrar o prêmio pela captura do leitãozinho, desde que o número de inscritos superasse 100 meninos.
No domingo, às 6 horas, numa alvorada festiva onde pipocaram muitos foguetes, alertando os desportistas e população geral para a festa, surpreendeu no portão de entrada do Estádio da Baixada, Antiocho Pereira, a grande chusma de guris que já estava por ali, pois numa ligeireza surpreendente, de boca em boca, a notícia do grande valor da premiação correu a todo vapor e, naquela hora do alvorecer, quase cem meninos jovens já aguardavam para ir em busca dos Cr$ 100,00 da premiação.
Após o hasteamento da Bandeira Nacional pelo MM. Juiz de Direito de União da Vitória, também acompanhados pelo som da banda do 5° BEC foi realizado o desfile dos atletas dos esquadrões que disputariam um torneio de futebol e, após o término da primeira contenda, em torno das 10 horas e 30 minutos, a tão esperada “pega do porquinho ensebado” teve início.
Tendo como juízes os jogadores do União, e devido à grande quantidade de inscritos, de 5 em 5 minutos, um grupo de cinco piás, entravam no pequeno chiqueiro e tentavam a captura. Com todas as atividades já terminadas, varando o dia e já indo noite adentro daquele domingo, com pessoas se ajeitando e se empurrando por todo lado para ter uma visualização melhor, onde vários veículos foram dispostos com seus faróis para iluminar o chiqueirinho, os últimos cinco piás terminaram a etapa classificatória. Vinte e um meninos conseguiram naquela fase eliminatória agarrar o porquinho, que somente no final da tarde por estar com as patas bambas de cansado, deixou que o segurassem. Sem outra opção devido ao adiantado da hora e ao grande número de classificados, ficou ajustado que a fase final seria disputada somente no sábado seguinte.
Os comentários sobre a competição da “pega do porquinho ensebado” correram às cidades, principalmente, nos colégios, onde o papo principal dos alunos era quem seria o ganhador dos Cr$ 100,00, inclusive mais guris queriam se inscrever, o que não foi permitido. Já correndo dinheiro por fora, apostas das mais variadas eram feitas nos 21 piás classificados.
E no sábado seguinte, com a Baixada, totalmente, lotada, não só da petizada, mas também de marmanjos, pais, mães, nonos e vôs, parecendo que estavam ali para assistir um prélio do famoso Expresso da Vitória, Clube de Regatas Vasco da Gama, se aglomeravam por todos os cantos, proporcionando o maior fluxo de pessoas até aquela época.
Entre risadas e gritos, aquele porquinho mais embanhado que nunca, muito assustado, não dava chances, principalmente, porque naquela fase somente um menino por vez tentava a captura do leitãozinho e, conforme se previra, algum garoto só conseguiu o intento quando no final da tarde, o animalzinho já “esgualepado” e com a respiração ofegante, sem dar nenhum grunhido entregou os pontos e permitiu que um menino o apanhasse e o segurasse no colo, ocasionando, entre gritos, uma extensa salva de palmas.
Aproveitando aquela junção de pessoas, dificilmente vista, antes da entrega da premiação, todos, com a mão direita colocada no lado esquerdo do peito cantaram o hino mais lindo do mundo, o Hino Nacional brasileiro. Para entregar o dinheiro ao guri vencedor, foi escolhido um famoso professor. De forma inesperada armou-se o maior banzé na entrega do prêmio, porque o piá campeão se negava a receber o dinheiro das mãos daquele docente. Alguém inexperiente ou para jogar lenha na fogueira, fazendo uso do microfone daquele alto-falante, perguntou, sobre o porquê daquela atitude? Aquele piá, beirando aos quatorze anos de idade, com coragem criada, talvez por estar naquele “pódio” rodeado do povaréu, proferiu, que aquele pedagogo “quatro olho”, que escondia o seu campo de aviação dos mosquitos com uma feia peruca feita de crina de um muar, sempre lhe chamava de burro no colégio e, certo dia o chamou até a sua casa e o acusou por ter mexido com a menina mais bonita da escola, mas que na realidade, posteriormente, ficou esclarecido que era aquele professor careca de meia tigela que estava de olho na menina linda. Quando, na casa do professor, o menino falou que ia contar para seus pais sobre a acusação, ele então desconversou e pediu para que o garoto esquecesse tudo aquilo. Com a fuzarca armada pela revelação naquele microfone, a casa do “mestre” só não caiu, totalmente, devido ao corporativismo de seus colegas professores, mas com certeza o seu telhado de vidro ficara exposto às intempéries e, no seu lar, devido à forte repercussão negativa, deitado “dis costas”, bunda com bunda com a patroa, ou inaugurando um sofá em outro cômodo, aquele “mestre” tentou dormir.
Segundo aquele guri vencedor, ainda por estas bandas, o “calvo disfarçado” hoje deverá estar no quinto dos… junto com o cão tinhoso, e não pode se defender, como ele à época, que por ter tido uma educação severa demais, na qual tinha sido lhe ensinado que muitas vezes era melhor ficar quieto do que abrir a boca para falar de alguém poderoso, pois o chumbo vinha para o lado dos mais fracos, ele fora vítima de muitos desaforos e calúnias.
O tempo passou, mas a mácula ficou e, não adianta tentar fugir dos fatos reais, pois sendo do bem ou do mal, só não morrede todo quem é lembrado, portanto, por mais que o malfeito seja na surdina, um dia ele desponta, igual a mentira, que tem perna curta.
Antes de cortar a cabeça, agora, nesse tempo, faço gosto de fazer engolir o veneno. Se vender a alma para o “cujo”, é só chamar, “capiroto” vem.

11 de junho de 2021 – Jair da Silva

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