PSICOLOGIA PARA HOJE

Música: sensibilidade ou alienação

Em 22 de novembro, comemora-se o Dia da Música, arte que acompanha nossa vida, qual trilha sonora, em todas as suas fases: infância, adolescência, vida adulta, velhice… Esta trilha é porta de saída de emoções e construção de significados. A música é idioma dos sentimentos e sensações que, mesmo sem palavras, traduz o conteúdo impresso na alma humana. Sua origem remonta aos primórdios da humanidade. É arte que traz indícios sobre a vida, história e costumes de um povo, mesmo daqueles já extintos. Principal arte do mundo, desde os índios até as cidades grandes, a música é forte presença artística na cultura de cada local. Segundo Darwin, a fala humana não antecedeu a música, mas derivou dela.
Sendo uma expressão natural, cultural, histórica e social, é também uma prova de que a exteriorização dos sentimentos acontece pela expressão emocional. Por ela exterioriza-se alegria, prazer, amor, dor, religiosidade e anseios da alma.
Para Vigotsky, psicólogo russo, a natureza da arte estaria contida no conflito entre emoções opostas, na contradição que se estabelece entre a forma e o conteúdo da obra propiciando transformação de sentimentos. Em outras palavras, ele fala de criatividade, pois quando não se pode mudar a realidade pela via racional, subjetivamente transforma-se o sentimento e o sentido da situação contraditória. Assim, na arte supera-se o que não encontra vazão na realidade do cotidiano.
A música é entendida pelo cérebro como forma de linguagem com representação neuropsicológica extensa, com acesso direto à afetividade, controle de impulsos, emoções e motivação. Estimula a memória não verbal, que tem sua sede no hemisfério cerebral direito. Este estímulo se dá por associações que incidem no sistema de percepções integradas ligadas às áreas associativas que unificam sensações gustativas, olfativas, visuais, proprioceptivas. Estas dependem da integração de várias impressões sensoriais num mesmo instante, como a lembrança de um cheiro ou de imagens após ouvir determinado som ou determinada música.
Estudos científicos mostram que no psiquismo dos músicos há maior capacidade de aprendizado, atenção, concentração, controle emocional e, não raro, seriam pessoas mais bem humoradas. Isto porque usam ao mesmo tempo os dois lados do cérebro, desenvolvendo habilidades em ambos os hemisférios implicando em mudanças positivamente mensuráveis em seu funcionamento mental e emocional.
Ao ouvir a palavra música, certamente, cada pessoa evoca sensações diferentes, pois vários são os estilos e múltiplos os sentimentos e estados emocionais, além das memórias a elas associadas. A música pode desencadear reações emocionais como raiva, tristeza, nostalgia, alegria… Esta influência no humor, diz Vigotsky, tem poder de transformação pessoal em termos de reorganização afetiva e emocional.
Quanto aos estilos, cada um tem efeitos característicos e específicos em nosso psiquismo. Há um estilo de música com andamentos lentos, harmonias simples e leves variações, com efeito sedativo, suavizando uma atividade física, aumentando nossa capacidade contemplativa, resultando em redução da frequência cardíaca, pressão arterial e ventilação. Outras tem efeito estimulante, com tempos mais rápidos, notas com curta duração, harmonias complexas e dissonantes, que aumentam o ritmo da respiração, da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. O resultado é aumento do estado de alerta e também predispõe à atividade motora, com maior ativação mental.
Há estilos que desarmonizam, desorganizam e causam excitação, influenciando negativamente o humor. São aquelas que acompanham o uso de drogas e comportamentos autodestrutivos. Dissonâncias e mensagens transmitidas por meio da música pesada diferem dos acordes da música clássica, que tem efeitos relaxantes e positivos sobre o humor, mesmo que não preferidas ou habitualmente ouvidas.
Quem ainda não notou que, com o uso de determinados tipos de música pretende-se influenciar nosso comportamento como consumidores? Ao entrarmos em lojas, supermercados, somos imediatamente atingidos auditivamente com músicas em som alto, repetitivo, com pretensões de animar e alegrar os compradores (mas pode gerar efeito contrário…). Importante é perceber que há ali uma intenção hipnotizante que remete à idéia de inclusão social. Vigotsky explica que esta prática pretende o contágio, fenômeno da transferência de sentimentos revelador do espírito do tempo que, neste contexto pode ser definido como moda. Sempre a mesma batida, com os mesmos acordes, que mobilizam reações padronizantes, carentes de reflexão.
O que queremos? Sensibilidade ou alienação? Um olhar atento se faz necessário aos poderes detentores do monopólio do que será veiculado. A indução à alienação e não reflexão representada pela tentativa de hipnose sonora tolhe a percepção e o crescimento psicológico. Tal estímulo leva ao declínio da educação, que traz ainda mais alienação.
Assim, fica uma pergunta: o que aconteceria com a sociedade se, em vez de compulsoriamente submetida ao som alto e repetitivo das lojas e restaurantes, fosse colocada em contato, nestes mesmos ambientes, com sons mais suaves e harmonizantes? Alguns diriam que sentiriam sono, pois as ondas cerebrais atingidas não seriam as mesmas das batidas surdas, justamente por não terem estimuladas estas áreas mais sutis. Estudos de Nedley indicam que, há redução nos níveis de estresse após quatro meses de sessões semanais de música clássica. Sem estresse, os sentimentos e pensamentos se modificam e se organizam levando a mais reflexividade e menos reatividade.
Arthur Nestrovski, diretor artístico da Orquestra do Estado de São Paulo, em 2017, resume sobre nosso desejo de um mundo maior e melhor: “Talvez não exista este mundo maior e melhor fora da própria música, mas talvez não haja função mais alta para ela do que se manter como é, uma reserva de humanidade e esperança, contra tudo que conspira para fazer do nosso um mundo menor” ou alienado.

26 de novembro de 2021 – Maris Stela

Clique para comentar
Sair da versão mobile