Já havia algum tempo que Letícia vinha achando que a comunicação com César, seu filho não andava muito bem.
César estava próximo dos 30 anos e Letícia achava que desde que ele terminara seu relacionamento com Maria Luiza, há pouco mais de um ano, ele havia mudado. Ficava mais em casa e conversava menos do que antes. Com Pedro, seu marido, ela achava que a relação estava ainda mais distante.
Naquela manhã ela, ao folhear uma revista qualquer, dessas voltadas, exclusivamente, para o público feminino e que parecem subestimar a capacidade das mulheres, interessara-se por dois assuntos, o feng shui e as ikebanas. Segundo o que lera o feng shui tinha origem na China e representa o conhecimento das forças necessárias para conservar as influências positivas que, supostamente, estariam presentes em um espaço, além de redirecionar as negativas de modo a beneficiar seus usuários. Quanto a ikebana, que também chamara sua atenção, a mesma revista dizia ser o termo originário da India e teria se popularizado no Japão, com os arranjos florais buscando o equilíbrio e a harmonia.
Letícia pensou no ato, talvez seja o que está faltando aqui em casa, equilíbrio o que se atingido, certamente, trará harmonia. Pegou seu i phone e rapidamente descobriu onde obter uma ikebana e também noções básicas do feng shui. Saiu então à procura daquilo que para ela poderia representar uma espécie de realinhamento cósmico de sua casa e a partir daí, de sua família.
Voltou para casa, rearrumou os móveis da sala de acordo com os preceitos do feng shui e instalou a ikebana em uma posição estratégica e foi trocar de roupa, pois já estava quase na hora de sua academia.
Na volta, ao chegar em casa perecebeu pelas vozes e pela música que Pedro e Cesar já estavam em casa. Entrou pela cozinha e perguntou para a empregada se fazia tempo que eles haviam chegado e ela disse que há mais ou menos uma hora.
Ela foi encontrá-los e tomou um susto ao ver que eles haviam desfeito as mudanças que ela havia feito e também que a ikebana não estava mais em seu lugar.
Perguntou a Pedro porque eles tinham mudado os móveis de lugar e ele respondeu que assim como ela modificara, a acústica havia ficado ruim. Perguntou também sobre o arranjo floral, nem o chamando de ikebana, porque sabia que pai e filho não acreditavam em nada daquilo.
Cesar caiu na gargalhada e falou para o pai:
– Eu não disse que ela daria por falta das florzinhas antes de perceber que nós dois havíamos cortado o cabelo.
– Voce acertou Cesar. E aí contou a Letícia que quando foram recolocar a mobilia no lugar, tinham derrubado o arranjo que se espatifara no chão e aí jogaram no lixo o que sobrou dele.
Letícia ficou intrigada, porque eles estavam muito felizes e não parecia haver nenhum clima de desarmonia ou coisa assim entre eles.
Foi então que Pedro lhe disse:
-Venha sentar conosco, estamos comendo um sushi que Cesar trouxe do Mercado Municipal. É aquele que você gosta e como você demorou comemos quase tudo.
Letícia pensou imediatamente, na falta de harmonia e no egoísmo do marido e filho e sua pequena reflexão foi quebrada pela voz do filho:
– Claro que o pai tá brincando, tem mais três bandejas esperando por você, além de uma garrafa do espumante que você gosta que o pai trouxe daquela adega ao lado de seu escritório.
Letícia se sentiu incomoda por ter pensado mal dos dois e foi buscar o sushi e o espumante e voltou e entrou na alegre conversa, não resistindo à tentação de perguntar primeiro ao filho, porque ele tem saído tão pouco de casa e quando está em casa, conversado tão pouco e acrescentou dizendo que havia estranhado, os dois estarem ali em altas conversas e rindo à toa,
Cesar foi o primeiro a responder.
– Tenho saído pouco de casa, porque me sinto bem aqui e minha leitura andava meio defasada e o pai me indicou algumas coisas muito interessantes. Quanto a conversarmos pouco mãe, você está ora no celular, ora no note book e parece não ter tempo para mais nada, além de compartilhar coisas pelo facebook e falar com seus amigos e amigas.
Aí é Pedro quem fala.
– Quanto a nós, estamos fazendo esse happy hour todos os dias e há quase um mês. Nos primeiros dias esperamos você, e eu te disse no dia seguinte. Como você não pareceu muito interessada, acabos desistindo.
Você um dia tem academia, e em outro massagem e em outro manicure, cabelo… e quando chega, nós já terminamos nosso drinque e já estamos nos preparando para jantar. Hoje mudamos de idéia, Cesar comprou a comida e resolvemos te esperar e propor-lhe que mude um pouquinho seus horários, para que possamos conversar mais. O que acha?
Entre a perplexidade, com o engano de sua avaliação e a felicidade de ter se enganado, ela responde:
– Claro que mudo.
E propôs um brinde aos novos encontros entre eles.
Resumo da ópera: Não há neste modesto escriba nenhum preconceito contra qualquer meio alternativo que possa nos deixar mais felizes, ou, eventualmente, mais equilibrados. Não há portanto, nenhuma espécie de ‑iconoclastia, mas, indiscutivelmente, creio que a maioria das soluções para nossa vacuidade e de nossas insatisfações, está em nós mesmos e não percebemos.
É como na canção, Pesca submarina, de Carlinhos Vergueiro e Noveli, que diz mais ou menos isso: “se a dor de viver me leva a coragem, faço uma viagem pro meio do mundo, respiro bem fundo, me viro pra dentro, pesco o sofrimento que me faz morrer. Olho cara a cara a fera do medo, o harpão dispara, crava-se no peixe, até que ele deixe ser fera domada. Olho mente a mente, nossas profundezas, mares correntezas, nossas calmarias, amplidões vazias, abismos chamando, fôlego faltando, vida frente a frente”.
E quando não conseguimos dar conta do que nos aflige, o melhor mesmo é recorrer à boa velha psicanálise, de preferencia, freudiana.
22 de maio de 2014 – Delbrai Augusto Sá