Crônica lida na rádio União em 18/12/58
O elevadíssimo preço das maçãs, ultimamente aparecidas em nossa praça, despertou-me uma associação de ideias sugerindo-me uma ligeira incursão nos abandonados domínios da Mitologia, em busca de uma comparação que pudesse ilustrar e dar algum brilho a esta crônica. Como não podia deixar de ser encontrei o que queria em termos mais desenvolvidos do que aqueles que me fornecia a minha memória, não porque minha memória seja fraca, mas pela simples razão de que a Mitologia há muito que desapareceu dos figurinos literários havendo por isso pouca gente que conhece ou se recorda dos doze trabalhos de Hércules, do velocino dou ouro a que se ligam as proezas de Jazão, e outras muitas fantasias cheias de fraquíssimos deuses, dríade, ninfas e feiticeiros.
Eis a história. As hespérides, filhas de Atlas, em número de três, possuíam um jardim cujas árvores produziam pomos de ouro. Estes frutos, frutos preciosos tinham sido colocados sob a guarda de um dragão de cem cabeças. Hércules foi a esse jardim maravilhoso, matou o dragão e se apoderou dos pomos de ouro, realizando assim um décimo de seus fantásticos trabalhos.
Pomos de ouro!
Será que à força de tanto realismo estamos nos metendo no paradoxo de realizar, de tornar palpável e visível o que na Mitologia não passa de engenhosa fabulação? Por quê? Perguntará o ouvinte. E eu respondo: porque, apesar de não existir no planeta nenhum jardim com árvores extraordinárias como aquela do horto das filhas de Atlas, existem pomos de ouro nas mercearias de nossas cidades. São as maçãs! Vejam só! Vejam que preço atingiram os pomos de ouro das nossas casas de fruta! Vinte cruzeiros…e muitas cabem dentro de um dedal… Essa fruta deveria estar ao alcance das bolsas mais modestas, mas acha-se elevada à categoria das finas peças de ourivesaria e assim, poucos podem deliciar-se com o seu excelente sabor, e ao mesmo tempo, beneficiar-se com os elementos nutritivos que ela contém. As maçãs, pois, são para nós, os novos pomos do jardim das hespérides. E assim só podem ser obtidos pelos Hércules modernos, os “gente ricas”, únicos capazes de matar sorrindo o dragão de cem cabeças.
