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Bilhete para Sulamita

Ano XVIII – 11/março/1972 – Número 240

Você não se engana crendo que lhe escrevo por simpatia e – acrescento – por amizade. Apoiada, pois nesses afetos, envio a você, algumas palavras no dia em que se reza a missa de 7º dia pelo falecimento de sua mãe, Dona Almerinda, sepultou um mundo de riquezas espirituais, na simplicidade com que se entregava ao seu trabalho do dia a dia, cônscia de que o valor de uma pessoa se mede pelo que ela é e pelo que ela faz e não pelo que tem. Deus achou que sua mãe estava madura para a recompensa, mas nós egoisticamente a queríamos ao nosso lado, neste vale de lágrimas, sujeita aos sofrimentos, às agruras do viver, contingência de nossa existência. Crendo em Deus, teremos graças para suportar os golpes da vida e a crueza da própria realidade. Dona Almerinda voltou à Casa do Pai, lá foi ocupar o lugar que o Cristo lhe preparara há muito. Sentimos sua ausência e seus familiares e você mais ainda. Faz-se crepúsculo ao seu redor. Porém, dentre as sombras mal divisadas pelas lágrimas, destaca-se a luminosidade de sua bondade e da vida omissa que ela quis levar. Sua família minha cara Sulamita, chora o transpasse de sua viga mestra, daquela que foi o seu sustentáculo. No céu, porém, há grande alegria, dona Almerinda realizou antecipadamente, a sua Páscoa a sua passagem – e no êxtase sem fim da sua Parúsia, aguarda, como nós, o ocaso sem fim da eternidade, onde nos reencontraremos, quando, então, Cristo será tudo em todos.
Portanto, espero – como eu – como muitos que tiveram a destida de perder sua mãe – que você não continue a olhar a paisagem através dos vidros embaçados pela desesperança e pela tristeza. Passe neles a esponja da acritação e da conformidade e dê-lhes o brilho da fé (se não quer abrir as janelas de par em par sobre a campina da esperança) – e veja como a vida à sua frente segue maravilhosa. Faça Sulamita, um propósito de indulgência (já não digo de perdão) para a vida que lhe roubou sua mãe. Isso já será um princípio de calor para seu coração enregelado pela dor. Será um abrir de portas em seu espírito hoje amargurado, um passar de luz e esperança. Veja dentro de você, quanta coisa linda e suave e profunda e luminosa. Tudo o que você tem de seu, no coração e na alma, bem vale o sacrifício de um punhado de cinzas – que outra coisa não é, senão cinzas. Basta um instante de coragem – um sopro sobre a cinza escura… e a vida vai continuando amarga, talvez, mas deliciosa, com a benção de sua mãe que hoje mais do que nunca está ao seu lado, onde quer que você vá. Ela era alegre, mas ficará triste, ao vê-la pela vida afora, carregando-a em seus ombros. Sua mãe quer apenas – um cantinho em seu coração – mas não quer ser um peso. Seus cânticos Sulamita, embora as lágrimas que possam esconder ressoarão no coração de sua mãe, como hinos de aleluias. Minha amiga, a felicidade que sonhamos nunca chega – é preciso acomodar o coração na medida da felicidade que nos vem. Espero estas palavras minhas, em suas mãos, lembre uma flor que, por instantes ao menos tornou você um pouco alegre, e que minhas pálidas palavras sejam um bálsamo para o seu coração.

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