PSICOLOGIA

A estratégia revisionista e a identificação

“Identificar as crises dos regimes liberais como de importância crucial para o êxito do fascismo sugere o funcionamento de algum tipo de determinismo ambiental. Se o ambiente for propício, segundo esta maneira de pensar, acaba-se chegando ao fascismo. Prefiro deixar espaço em nossa explicação para as diferenças nacionais e para as escolhas humanas.” (Paxton 2007, p.140)

1 – A psicologia das massas difere muito da do sujeito, pelo menos em suas técnicas. É inegável que o estudo das massas procura elementos que expliquem porque discursos, situações ambientais e políticas, levem a comportamentos padronizados, à imitação e à idolatria, mas isto também é observado em grupos menores, como em seitas religiosas, clubes, em salas de aula. O esforço em determinar quais fatores conduzem e reagem a estas condutas não parece, no entanto, encontrar pleno apoio, como bem aponta o autor acima, sem que considere-se as diferenças existentes nos sujeitos.

2 – Apesar dos empenhos da pesquisa genética nada indica que a simpatia por esta ou aquela ideologia seja determinada pelo DNA. Antes o que se verifica é que a preferência é constituída através de uma complexa rede simbólica e imaginária, onde os significantes articulam-se aos desejos, às prioridades e interesses de determinado grupo. Como de fato isto ocorre em cada caso é matéria de uma psicanálise, ao passo que descrever e classificar sua estrutura seria o fundamento de uma teoria. Estamos, contudo, longe de uma sólida teoria social acerca do mecanismo da ideologia no campo subjetivo. Dispomos é da aplicação experimental de empréstimos teóricos. Tentativas de interpretar fenômenos desde uma perspectiva que não foi originariamente traçada para este fim. Ou vice versa.

3 – Sem embargo, algumas proposições são de saída inevitáveis, do ponto de vista da sustentação do discurso. A estrutura teórica não visa, em princípio, o conteúdo do caso singular, mas o universal do caso, e portanto, um local definido de acomodação de um conceito. Assim, aquilo que é regular, e que, como fenômeno, se impõe. É uma escolha, entretanto (ainda que insabida) do pesquisador, a posição e o alvo que tomará diante de um dado. Mesmo a escolha desta posição, sem exagerar, é determinada por discursos precedentes. Não há aqui, conforme Blanché, um dado bruto, posto que sua apreensão se dá por uma via constituída e analisada pela própria via simbólica.

4 – Tudo isto indica que uma escolha, preferimos usar tomada de posição em lugar de escolha, é antes ética, isto é, está em acordo (e portanto funciona nos moldes de um sintoma) com o desejo daquele que a efetua. Neste sentido é ética por ser da ordem de uma posição frente à repetição do reencontro com seu objeto, ou de rompimento com esta via, e assim, forçando o que chamamos economia psíquica a produzir outros caminhos. Nada mais do que, em termos significantes, servir-se de outros discursos. Trata-se, em linhas gerais, de um processo de ajuste do objeto ao desejo, do desejo ao objeto, ou da constatação de sua identidade apenas parcial, deixando lugar para o passo seguinte.

5 – O passo seguinte pode ser descrito como análise ou julgamento, e consiste em desfazer as semelhanças para isolar a diferença. É esta operação que é evitada pelo processo de identificação. A identificação fornece os meios de reencontro do objeto com o saber, e consiste em repetição: um padrão imitado e atualizado pela atração do objeto. Nesta via, quando há uma identificação com o objeto, o discurso é revivido como atual, uma vez que restava latente, apenas. A transferência, a suposição de saber no Outro, é sentida não somente como afetuosa, pela projeção do narcisismo, mas também como identificação de pensamento: o sujeito tem a súbita certeza de que seu objeto conhece seu discurso.

6 – Este reconhecimento do mais íntimo no Outro é inexorável enquanto sustente-se a identificação. Isto revela, a posteriori, contrariando a maioria da opinião hodierna que descamba pela alienação, que ela não é possível somente pelo ambiente contextual, mas, e somente se já fosse outrora inscrita. A alienação enquanto tal é uma operação tão constitutiva que inconsciente, desde a origem.

7 – O discurso do Outro é o inconsciente, disse Lacan. Eis aí o campo onde se trava hoje, na educação – mas não só – a batalha ideológica. Repare-se que há nisso método: visa-se a educação superior num primeiro momento, porque onde é possível desmontar a alienação recebida, pela via do pensamento crítico, para, em seguida, instaurar no princípio (base) um discurso livre de contraposições. Aqui reencontramos o frágil espaço onde a psicologia das massas se encontra com a do sujeito: a criação de exércitos se dá e perpetua-se nestes moldes.
Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória. giuliano.metelski@gmail.com – WhatsApp: (49) 99825-4100 / (42) 99967-1557.

17 de maio de 2019 – Giuliano Metelski

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