PSICOLOGIA

Crítica à crítica crítica do crítico

Há uma figura interessante que foi produzida nos últimos anos, é o crítico. Ignorando que pra criticar um livro é preciso primeiro tê-lo lido, e mais, para que seja dotada de respeito, uma verdadeira crítica deve sempre ultrapassar, em alguns aspectos, seu objeto, precipitar-se aos erros do autor e mesmo propor outros caminhos, a crítica preguiçosa, por outro lado, só tem como efeito ridicularizar seu agente. Ela tem sido o sinal mais positivo do preconceito e da ilusão, um fenômeno que só conhecia em nível reduzido: a produção de um discurso feito para ignorar a verdade. Esta defesa, no entanto, não é desconhecida, ela visa, em geral, evitar o desprazer, a culpa, a dor. A estratégia não é diversa daquela que o homem traído emprega quando tenta convencer-se de que deve haver outra versão da história, e não raro, a torna oficial. Mas é inegável também que o incentivo à nudez que o praticante expõe ao fazê-la não o incomode, o envergonhe ou desencoraje. Ao contrário, a identificação horizontal serve a isso, ela assegura que em meio a tanta mediocridade o fato de sentir-se um pouquinho assim, digamos, menos medíocre, seja algo superior. Houve uma espécie de desinversão dos valores, aliás, respondendo à inversão que haviam diagnosticado, só que ignoraram que quando se força o significado ao modo neurótico produzem-se sintomas, e estes sintomas são modos de satisfação, substitutivas àquelas rechaçadas, o que trocando em miúdos, equivale a dizer que o crítico preguiçoso tenta, imitando a caricatura que representa, gozar como se a fosse. Isto o torna, nada menos que o próprio objeto que se esforça por criticar, o circuito se fecha, embora ele, ainda, não tenha alcançado o saber, disso. Disse que é uma figura interessante porque pode sintetizar nela esse espírito ‘contraprogressista’ que deve, a meu ver, ser lido à literal: o progresso é inimigo. Portanto, a ciência, a intelectualidade, a universidade, a tecnologia, a vida, o sexo, mas não, reservas a isso, a propriedade, constituem-se em representantes da ameaça, e elas não ameaçam senão a mediocridade. Romper o discurso médio, a vontade que ele seja verdade, na qual investe-se tanto, é o mesmo que deixar de crer, e deixar de crer é reconhecer que não se sabe. Isto revela também que o crítico que imaginam, de onde retiram as referências para imitá-lo, de fato, deve existir, portanto, a prepotência que ronda alguns lugares, digamos, hipoteticamente a academia, não deixa de servir de elo para, por um lado, ser atacada, e por outro, incorporada por aqueles que sintomaticamente a atuam. Nesta atuação é possível conciliar seu repúdio à pretensão, ao salto alto da intelectualidade, com a compensação ao saber negado, mesmo que resulte num mostrengo, pouco importa. O que está em jogo aqui é gozo, e nesta fantasia, o gozo foi injustamente distribuído. Mais uma vez aquilo que deveria e não foi dado, ou fora retirado, se apresenta como reencontrado no inverso. Uma vez ouvi de um sujeito que não importava que ele não alcançasse tal satisfação, desde que os outros, também não. Esta economia, portanto, não pode ultrapassar, em nenhum aspecto, a média, e idealmente, trabalha para puxá-la para baixo. Por isso, ao contrário, alegremo-nos.

18 de outubro de 2019 – Giuliano Metelski

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