PSICOLOGIA

O império das imagens dá lugar a anulação do eu

Há poucos anos, em 2015, vivíamos a ascensão da imagem como um valor, facilitado pela ampliação do uso de redes sociais, ao ponto de o império das imagens ser o tema proposto pelo VII encontro americano de psicanálise da orientação lacaniana. Não parece, contudo, haver minimização desse valor, embora tenha havido, a meu ver, outra mudança. Essa mudança culmina num desinteresse pelo eu, e propriamente pelos métodos de sua análise. Quero indicar com o eu aqui não aquilo que popularmente se concebe como ego, mas sim aproximá-lo do sujeito, e mesmo, em outros campos de abordagem, a exemplo da filosofia, de sua essência, ou no contexto mítico, o eu superior, ou mesmo na psicologia, o self. Cada abordagem leva em conta, ou não (como ocorre com o behaviorismo) a divisão entre um eu e sua imagem corporal, sua representação social, e o Eu interior, ou então ignora a autenticidade desse Eu, apenas supondo-o como efeito de discurso. De modo geral a abordagem deste problema visa propor algum postulado teórico que oriente sua terapêutica e teoria acerca do sentimento cartesiano de que eu não sou meu corpo. Ou, não sou aquilo que foi feito de mim ao longo de minha história. Enfim, não sou só isso. Ou seja, a maneira de formular tal questão, já indica o postulado que a sustenta. Ora, se é verdade o que proponho aqui, a saber, há uma redução no investimento narcísico, e portanto, um desinteresse crescente neste objeto que é o sujeito, ele se apoia no fato de que o outro ganhou proeminência. Sabemos que através dos mecanismos projetivos o sujeito contorna o que em geral repudia em si. Objetificando o outro, ele produz dois resultados que contribuem para o que afirmei: ele se desinveste de si, ignorando suas falhas, numa atitude de nada querer saber disso, e ao mesmo passo, satisfaz seus desejos sádicos e críticos, projetados no objeto. Isto é ainda mais facilitado num contexto social de divisão e alienação. Tal como um plebeu que serve a seu senhor, preocupa-lhe mais compreendê-lo do que a si mesmo. Esta anulação do sujeito como singular, e portanto, consistindo e constituindo seu enigma é transferido para a figura de sua identificação, ao passo que os conteúdos analisáveis e complexos são projetados em seu antagonista. Se aquele foi um bom momento para articular as imagens ao império esta, por sua vez, cristaliza o eu como serviçal inabordável, não por não o sê-lo, mas por não ser digno de interesse, comparado às caricaturas extravagantes que encontra dele.
8 de agosto de 2019 – Giuliano Metelski

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