PSICOLOGIA

O junguiano e o fascista

Parece haver um elo que leva alguns junguianos ao seio do fascismo. Não posso dizer, desde já, qual é, a única coisa que constato é que dentre eles há muitos que defendem posições autoritárias, que ignoram argumentos racionais, e aceitam ou encorajam, mesmo contrariando a ética de sua profissão, abusos de poder. A meu ver a confusão começa no próprio Jung, justamente quando faz de sua obra uma confessa doutrina cristã. Mas não é, obviamente, culpa do cristianismo, e sim da aliança que ele pensa haver entre sua sagrada prática clínica, pretensão ausente em qualquer outra terapêutica que se pretenda ao menos imparcial, e o alicerce teórico de um saber concentrado, pronto, a ser entregue àqueles senão escolhidos, pelo menos iniciados nos mistérios do simbolismo universal. Jung, apesar de eu ter tido um excelente professor junguiano, sempre me deu indícios do uso religioso que se pode fazer de uma doutrina, e este uso ele soube explorar no poder da transferência, que não é diferente da que um pastor exerce. Com esse posicionamento ele apaga qualquer distinção que pode haver entre uma doutrina, um método de investigação e por conseguinte uma terapêutica, com as práticas não menos importantes de cura, a exemplo dos curandeiros e benzedeiras, com a sincera diferença de que estes últimos não a proferem como sendo pertencentes a um campo do conhecimento científico, tampouco, em geral, cobram por seus serviços, pelo menos aqueles que a receberam de sua tradição, e não se tornaram um deles de modo tão indireto. Pois este é ponto. Acaso alguém alcança um estado de graça, considerando que isto seja alcançado e não um dom, onde lhe é dado curar (a alma) através de um curso de graduação? De alguns fins de semana acampando e meditando? Ao que tudo indica muitas pessoas desenvolvem uma capacidade que pareciam já possuir, e este desenvolvimento passa pelo auxílio de algum mestre. É coisa bastante diversa de declarar que ele, Jung, supondo-se um escolhido, levasse assim algum seguidor de sua doutrina a sentir-se, por isso, igualmente escolhido. Dentre todas as correntes que conheço nos modos de abordagem teórica concernente ao psíquico nenhuma comporta-se mais como uma religião do que a junguiana, salvo, é claro, os psicanalistas ateus. Deixo-os para lá agora. Volto a isso outra vez. Talvez. Mas que elo então levaria um junguiano, certamente cristão, temente a Deus, de bom coração e disposto a ajudar ao próximo, fechar os olhos para os direitos humanos, defender ferozmente um governo que estimula o massacre indígena, e exibir um ódio tão preconceituoso contra adversários políticos mentindo de maneira tão desavergonhada para justificar-se? E por que estou perdendo meu tempo com isso? Honestamente, porque não sei se é melhor que o sádico o seja abertamente, – o que na verdade acho melhor – do que o sujeito vestir, por necessidade e desejo de acobertar seu sadismo, uma roupagem tão elevada da evolução humana, e dali uns anos deixá-la cair, como se fosse um lencinho. Então me parece agora que o que há de comum nisso não são as doutrinas, – coitado do Jung que me desculpe, mas que nelas, e acentuo que quanto mais se pretenderem puras limpas e elevadas maior é a chance de atraírem seus contrários, para que se corrijam, o que na verdade é belíssimo, um trabalho moral sem o qual não há civilização conhecida, freio da barbárie – que exercem atração. Na verdade são locais para onde os sujeitos, muito provavelmente culpados, são empurrados. No entanto, tem-se mostrado que a pureza pode ser levada ao um extremo tão radical que passa a significar a destruição do mau, sempre encarnado no inimigo. Portanto, resumindo, o que une o fascista ao junguiano, assim como o cristão praticante ao assassino de farda, é não tanto o desejo de limpar a sujeira representada no outro, mas precisamente o rechaço à sua. Assim como Jung fez com a sexualidade infantil, proscrevendo-a de sua teoria, um junguiano pode fazê-lo com aquilo que gosta de chamar sua sombra, sem jamais lançar qualquer luz

Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória. giuliano.metelski@gmail.com – WhatsApp: (49) 99825-4100 / (42) 99967-1557.

23 de agosto de 2019 – Giuliano Metelski

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