PSICOLOGIA

O Outro do outro

Se você estivesse fugindo da guerra com sua família, mas só crianças e mulheres pudessem deixar o país, e nesse momento retiram uma criança negra do trem, oferecendo o lugar à sua filha, você aceitaria? Mantemos o dilema, mas trocamos o trem por um emprego, e teremos uma imagem da perpetuação do racismo em sua estrutura.
A engenhosidade está justamente em desvelar que o racista é o Outro, e que diante de um dilema desse tipo, obviamente, triunfa o egoísmo. Mas do ponto de vista do soldado, este que efetua a troca das crianças, por que, afinal, ele se negaria a fazê-lo? Está em jogo aqui a hierarquia militar, está em jogo também a comida na mesa de seus filhos.
Mas seus superiores, aqueles que lhe deram a ordem, que o treinaram, que o condicionaram? Ora, eles mesmos foram treinados, antes deles, e antes deles, outros.
No mundo militar, assim como na ideologia política, existe uma estratégia que tem suas origens na escravidão, e ela consiste em simplesmente manter o controle através do privilégio concedido a alguns. Isto é possível quando se pune responsáveis, quando se personaliza. Na tropa, o desobediente, quando erra, é insubmisso ou ponderador, não paga, pagam todos os outros, e o líder do grupo deixa claro que estão pagando pelo erro dele. Assim destrói-se qualquer unidade que poderia haver naquele grupo, e ela passa ao controle da voz de comando. Cria-se um sistema modelado à semelhança de todo o sistema.
O outro é o Outro. Isto é, a abstração, a ordem, o inimigo, o fantasma. Agora esqueçamos toda a alegoria, e simplesmente chamemos o objeto que ordena o funcionamento do sistema pelo seu nome: capitalismo.
Agora neguemos tal sistema, pelo medo imaginário de seu contrário, o temido comunismo, e teremos o código binário da guerra híbrida. Felizmente esta estratégia está desgastando, mas será renovada, renovada e renovada. Ontem os EUA armaram o Talebã contra a Rússia na invasão do Afeganistão, hoje armam o Batalhão Azov, na Ucrânia, Batalhão este abertamente nazista. É bastante provável que no futuro próximo abandonem Zelensky, como fizeram com Kadafi, antigo aliado, mas o objeto da guerra, para além dos personagens e narrativas, está plenamente constituído.

18 de março de 2022 – Giuliano Metelski

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