LÍNGUA VIVA

APORTUGUESAMOS – Mas nem tudo

“Mussarela” ou “Muçarela”? Mesmo que no cardápio da pizzaria se leia a palavra com “ss”, em português oficial ela é escrita com “ç”, portanto escreva “muçarela”. O senso de estranheza que a grafia causa acontece porque ainda não nos acostumamos com a forma aportuguesada, pois muitas vezes ainda vemos a palavra considerada estrangeira, com “ss”. Se fizermos uma busca no Google, veremos que a palavra “mussarela” aparece muito mais vezes que “muçarela”; mas num concurso, é essa última forma que vale.
Quem diz que “muçarela” é a forma oficial de escrita é o VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras. Nosso sistema ortográfico estabelece que, nas palavras estrangeiras aportuguesadas, o som /s/ diante das vogais “a”, “o” e “u” deve ser grafado com cê-cedilha, como qualquer outra palavra da língua portuguesa. Por isso escrevemos “açaí” (proveniente de língua indígena), “paçoca” (de língua africana), “açúcar” (do árabe), “praça” (do espanhol), e “palhaço” (do italiano). Esse sistema ortográfico só foi oficialmente criado em 1943; antes disso os brasileiros aprendiam na escola a escrever “assucar”, por exemplo.
No mesmo VOLP, porém, aparece a palavra “pizzaria” assim, com “zz”. Como assim? Não deveria trazer também sua forma aportuguesada, como defendeu o gramático Luiz Pedro Sacconi, em seu livro “1000 Erros de Português da Atualidade” (1990), “píteça”? Pois a ortografia brasileira não inclui “zz”…O VOLP apresenta a palavra “pizzaria” como estrangeira, enquanto que a palavra “muçarela” não traz essa descrição, porque já está aportuguesada. Os grafemas “zz” são considerados uma exceção por causa disso, assim como o “ch” em “alichi” e o “h” em “hardware”, pois preservamos nessas palavras estrangeiras traços da grafia e da pronúncia originais.
Seguindo a lógica do aportuguesamento, quando passaremos a escrever “daunloude”, “delíveri” ou “márquetim”? Talvez daqui a um ano, talvez nunca. É preciso entender que o aportuguesamento é um processo com tempo indefinido e que não segue regras explícitas. As palavras estrangeiras, ou estrangeirismos, passam por fases durante esse processo, e encontram-se em diferentes graus de integração no léxico português. E os processos não ocorrem da mesma forma no Brasil e em Portugal, apesar de nossas línguas oficiais terem o mesmo nome. O anglicismo penalty, por exemplo, alterou-se ao longo do tempo no Brasil como “pênalti”, e em Portugal como “penálti” ou “grande penalidade”. Pênalti já está aportuguesado, entre outros motivos, porque é bem mais antigo na linguagem corrente que download, deliverye marketing; além disso, atualmente estamos mais expostos à língua inglesa, e os seus vocábulos, por serem melhor aceitos, podem aportuguesar-se mais lentamente.
Em especial com palavras da língua inglesa, aparentemente, também há o fato de que elas são mais prestigiadas que suas versões aportuguesadas, em diversos contextos. No vocabulário utilizado por/para os mais jovens, por exemplo, é muito mais cool escrever “whisky” que “uísque”; o alcance publicitário (parece) ser maior se utilizarmos “e-commerce” ao invés de “comércio eletrônico”; os rótulos ainda apresentam muito mais a forma “shampoo” que “xampu”. Por outro lado, os termos “suéter”, “pôquer” e “náilon” são amplamente utilizados. Já “kitchenette” parece estar num estágio intermediário do processo, pois apesar de já existir a forma aportuguesada “quitinete”, vemos as mais diversas tentativas de grafia expostas em anúncios: “kitnet”, “kitinete”. Você já observou que o mesmo acontece em nossas cidades com a palavra de origem alemã “Schnecke”? Significando “caracol”, passou a designar também um doce com o formato enrolado da concha do caracol. Difícil é acertar a grafia no anúncio da padaria; já vi “chineque” e xinequi”. Isso porque o termo é, ainda, um estrangeirismo que, aos poucos, transforma-se numa palavra do léxico português.
O aportuguesamento, como visto, não acontece automaticamente por meio de um decreto, nem segue um encadeamento de fases previsíveis em sua ordem. Ele depende do emprego que as pessoas fazem dele. Aos poucos, muda-se a pronúncia e/ou a grafia.
Então como funciona nosso sistema ortográfico na hora de escolher entre uma palavra/forma estrangeira ou aportuguesada num texto em língua portuguesa? Se possível, utilize o equivalente em língua portuguesa ou traduza; se isso não for possível, use a palavra/forma estrangeira grafada em itálico ou entre aspas.

3 de agosto de 2018 – Karim Siebeneicher Brito

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