BREVES HISTÓRIAS

I remember you

Na terça-feira seguinte Antônio voltou ao Gordon Jazz Bar, esse era o nome do local e encontrou o proprietário ao piano no exato momento e em que ele executava com maestria, All the things you are.

Antônio foi ao balcão e foi, alegremente, saudado por Benito.

Voltou, amigo.
Eu disse que voltaria, não foi? Gordon não erra uma. Será que ele toca My foolish hearth e I remember you?
Vou levar seu pedido.
Gordon ao ouvir a solicitação, volta-se para o bar e faz leve meneio de cabeça, assentindo com a solicitação e já engata a primeira música pedida.
Após tocar a segunda canção, a casa entra com o som mecânico, na gravação em que Sarah Vaughan encanta com Nature boy.
Gordon então vem até o balcão e convida Antônio para acompanhá-lo até sua mesa
Já acomodados, Benito vai até lá e pergunta:
O de sempre chefe e para você, Antônio, o mesmo da semana passada?
O de sempre Benito.
Para mim também o mesmo da última vez.
A conversa flui com naturalidade, com Gordon contando como e porque veio para o Brasil e porque escolhera aquela cidade.
Antônio por sua vez, conta que é professor universitário aposentado e fala um pouco de sua quase obsessão pela música e leitura e ainda reservando espaço para o cinema, teatro e artes plásticas, contando também que havia sido professor de filosofia, mas que já há algum tempo não lia mais nada de específico sobre aquilo que tentara ensinar por mais de 30 anos.
Gordon então pergunta como ele conhecera Aymara e pedindo licença, argui:
Parece que houve algo entre vocês, ou melhor ainda há.
Houve muito e ao mesmo tempo, não houve nada, mesmo havendo muito.
Eu era casado quando a conheci. Ela veio dar aula na mesma universidade em que eu trabalhava. Nos víamos, fortuitamente, na sala dos professores, sem, entretanto, nunca termos sido apresentados.
Foi em uma festa de fim de ano. Que mediante uma ideia do Reitor objetivando que todos os professores se conhecessem melhor, que, finalmente, nos conhecemos.
Houve um jantar e o Reitor me incumbiu de organizar a música. Contratei um trio de levada jazzística, com piano, contrabaixo acústico e bateria, para acompanhar uma ótima crooner.
De saída o trio que era quarteto mandou Autumn leaves e Aymara que havia se sentado bem em minha frente, perguntou ao colega a seu lado, quem era o responsável pela música. O colega respondeu que era eu e a partir daí entabulamos uma conversa que não parou mais, até que meu colega sugeriu que trocássemos de lugar, para que eu sentasse ao lado de Aymara.
Aí a crooner que já me conhecia, dedicou a próxima música a mim e sugeriu que arrastássemos as cadeiras para dançar e, ainda, disse para eu dançar com aquela bela mulher a meu lado.
A música era I´ll be seeing you, que a cantora sabia ser uma de minhas favoritas.
A crooner era maravilhosa, indo com facilidade do tom mais grave aos mais altos e esticando as vogais, com notória inspiração em Sarah Vaughan.
Aymara percebeu isso e comentou comigo. Acho que me apaixonei ali. Dançamos, acho que dezenas de músicas e voltamos para mesa e continuamos conversando sobre música e de forma até deselegante, claro que sem intenção, ignoramos os colegas a nosso lado, que foram um a um pedindo licença e trocando de mesas. Continuamos conversando e voltamos a dançar quando a crooner anunciou que a próxima canção seria a última e ela bisou I´ll be seeing you.
Acompanhei Aymara até seu carro, agradeci pela bela noite e me afastei sem dizer que eu não tinha carro e nem mesmo sabia dirigir.
Gordon então disse:
E depois, o que aconteceu?
É uma longa história, mesmo sendo curta. Continuamos a nos encontrar, diariamente, na universidade e em todos os eventos organizados pela instituição. Aymara era 8 anos mais nova do que eu e certo dia anunciou que iria fazer um pós-doutorado nos Estados Unidos. Mesmo com muita tristeza parabenizei-a e ela me indagou, só isso?
Me fiz de desentendido e ela perguntou se eu não queria ir com ela, mas, imediatamente, disse que estava brincando. Eu disse que iria com ela, mas também em seguida disse que era brincadeira.
Perguntei então quando ela viajaria e ela disse que iria dali a uma semana, passando por São Paulo para se despedir de seus pais.
Naquela semana nos vimos por mais duas vezes, até que na sexta-feira ela veio até a sala em que eu estava dando aula e disse que estava indo.
Demos um longo abraço, prometendo nos falarmos regularmente, o que não aconteceu.
O resto você já sabe, isto é, nos encontramos após 28 anos aqui em seu bar.
Mas agora, você ainda é casado?
Não sou mais casado. Meu terceiro casamento foi desfeito há três meses.
E Aymara é casada.
Não é mais. Foi casada por cerca de 5 anos com um argentino.
-E por que você não a procura?
Ela me convidou para visitá-la. Estou pensando. As pessoas mudam com o tempo, com a vida e não gostaria de desfazer a imagem que tenho dela. Acho que prefiro deixar como está.
Mas não estou dizendo para você ir viver com ela, apenas sugerindo uma visita, quem sabe não possa dar certo.
Eu estou pensando em ir, além do que ela se aposenta em um ano e quer voltar a viver no Brasil e talvez até aqui.

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