ONDE COMEÇA A SAÚDE?

Formação de docentes em saúde

O ensino superior no campo da saúde é constituído por uma constelação de cursos formadores de profissionais com os mais variados perfis. Esta heterogeneidade também se reflete no quadro docente destes cursos, inevitável conseqüência da abordagem multidisciplinar necessária para a adequada formação dos profissionais da saúde. Os processos de formação e capacitação destes profissionais prescindem nos dias atuais mais do que nunca, de redefinição e atualização de conceitos e de métodos capazes de contribuir para mudanças no processo de ensino-aprendizagem nos cursos superiores em saúde.
Saúde, doença e medicina passaram, nos últimos anos, por uma intensa reflexão. A saúde, entendida como um fenômeno social que diz respeito à qualidade de vida e ao capital social, assiste à emergência da “epidemiologia social” que, segundo Berckman e Kawachi citado em artigo de Souza e Grundy (2004) “… é definida como o ramo da epidemiologia que estuda a distribuição e a influência dos fatores sociais na saúde”. A epidemiologia tradicionalmente compreendida focava, principalmente, os fatores de risco para a saúde das populações. A epidemiologia social procura analisar o contexto social em que ocorrem tais fatores de risco.
A medicina científica ocidental passou por um lento desenvolvimento histórico desde Hipócrates até os dias atuais. Uma discussão sobre este processo mereceria um estudo à parte. Foucault (1979) e Adam e Herzlich (2001) oferecem notáveis contribuições a um estudo mais aprofundado sobre o tema. O que nos interessa compreender no momento é que a trajetória do saber médico sofreu importante impacto no século XIX, de um lado pelo avanço da ciência e da pesquisa no campo da biomedicina, e de outro lado pela organização do trabalho nas sociedades industrializadas urbanas. A medicina científica monopolizou o cuidado para com os doentes e o saber sobre a saúde.
Contudo, nos dias atuais, a medicina vive uma crise em diversos aspectos, especialmente, nos planos institucional, ético, da eficácia terapêutica, bioético, corporativo, da educação/formação médica, do planejamento institucional em saúde, além de outros.
Houve, portanto, uma rejeição ao modelo de intervenção sobre o processo saúde-doença praticado pela racionalidade médica, uma vez que esta visão cartesiana do sujeito não dava todas as respostas para os males de nossa civilização. Na busca de alternativas para seus problemas de saúde, a partir da segunda metade do século XX, alguns modelos de cura e cuidados com a saúde são criados, outros reemergem de tradições culturais regionais e outros ainda são importados de culturas exógenas. Este fenômeno ocorreu e ainda ocorre no mundo todo. Diante destas inquietações as medicinas populares foram reabilitadas, não sem forte resistência por parte do saber médico científico e hegemônico.
Neste cenário é preciso perguntar-se como poderíamos praticar um ensino superior envolvendo as demandas sociais, contextualizado com a realidade de nossas populações que, em última instância, são dependentes de políticas públicas de assistência e cuidado voltados para a saúde. A exigência por formar profissionais transformadores da realidade ao seu redor incita a urgência por mudanças de postura acadêmica frente ao desafio de criar senso crítico em nossos alunos.
O que se propõe é a reflexão sobre aspectos da formação de professores para atuar na docência em saúde, procurando reconhecer pontos convergentes e outros divergentes, dentro de uma análise sociológica do processo saúde-doença de que padece nossas comunidades. O momento histórico por que passamos num mundo globalizado obriga repensar o papel dos professores universitários no processo de transformação permanente por que passa o mundo ao nosso redor.
A formação de um professor reflexivo implica numa visão maior e mais crítica dos cursos de graduação e pós-graduação no campo educacional que, atualmente, massifica a profissionalização com vistas à somente atender demandas mercadológicas. É sem dúvida possível formar um sem número de professores, ou médicos, ou dentistas, ou advogados. Mas formar esses profissionais reflexivos, pensantes e atuantes é tarefa árdua. Os professores devem ser transformadores da realidade social, muito além de mediadores de um processo ensino-aprendizagem. E, para que se realize este afã, os professores têm que fazer uma auto-análise, buscando conhecer sua inclinação para a docência e as raízes de sua escolha, e se esta escolha pode aplacar sua ânsia de superação e realização. A escola está em crise por absoluta falta de significação ou sentido no projeto escolar, ou seja, a escola perdeu o sentido para o aluno e, se é verdade que os alunos nos tornam professores, nós próprios carecemos de um sentido para nossa práxis.

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