PSICOLOGIA PARA HOJE

Da vaidade e narcisismo ao não eu

Saindo da prática de escrever sobre um tema pertinente ao mês corrente, o assunto de hoje aborda algo sempre presente em nossas vidas, a vaidade. Para uns mais, para outros, menos, em alguns, ainda, ausente. Qualidade, defeito, pecado, necessidade, futilidade, autoafirmação? Como em tudo ou quase tudo, ve-se que o enquadre em qualquer dessas categorias tem a ver com a dosagem. A vaidade pode ser uma qualidade favorável quando a serviço do auto cuidado, do comportamento generoso, do realce da aparência física, por exemplo, que favorece a autoestima e bem estar pessoal, o quê repercute favoravelmente nas relações. A elegância nas atitudes e no autocuidado são positivas, porém os exageros e incongruências revelam fragilidade psíquica, dependência e aprisionamento quando excessiva e desmesurada.
A palavra vaidade, originária do latim, vanitas, significa algo fútil ou ilusório. Segundo a Bíblia, é algo enganoso, sem valor, que leva à ostentação e à idolatria. Diz o Eclesiaste que ela é filha da ignorância, da falta de autoconhecimento e de sensatez. Santo Agostinho afirma que a vaidade não é grandeza, mas inchaço e inchaço não é saudável. Para Tomás de Aquino, é o principal pecado capital, pois gera outros pecados e defeitos. A pessoa com excesso de vaidade pode ser comparada a um balão de ar, diz a Teologia, que se enche, mas é vazia interiormente, infla-se achando que é mérito seu o que lhe foi dado por Deus.
Várias são as áreas em que a vaidade se manifesta. Na área intelectual, os títulos acadêmicos, cujo valor é inquestionável. Quando ostentados, porém, revelam fragilidade psíquica subjacente. Esta ostentação aparece também como ressonância anacrônica dos títulos de nobreza de outrora. A vaidade espiritual tem em seu bojo uma complexa rede de causas e efeitos emocionais, operando debaixo da ambição pessoal, a ilusão de parecer um santo e espiritualizado diante dos outros. Uma visão psicanalítica do eu inferior pode ajudar as pessoas a verem a fragilidade pessoal sob a máscara “politicamente correta” usada por mais de um líder do movimento esotérico. Sepulcros caiados?
Há também o vaidoso político que atrai outros vaidosos, mariposas a gravitarem em torno de figuras de poder que gravitam e iludem-se pelo “prestígio pessoal” que esta proximidade sugere.

Do ponto de vista psicológico, diz Alfred Adler, o vaidoso usualmente faz cálculos a fim de beneficiar-se. Entende que o mundo existe para ele, mas é sensível a opiniões, ao que acham dele e fica refém destas, submetendo-se às exigências de perfeição para ser louvado. Assim, contraditoriamente, a pessoa vaidosa pretende superioridade, mas em vista da dependência que causa, este comportamento pode causar angústia, tristeza, incerteza e ansiedade sobre os resultados de seus esforços para parecer mais do que é. Para Freud, a vaidade está relacionada à infância, ao narcisismo primário, quando a criança acredita ser o centro das atenções. Este narcisismo permanece no inconsciente e, quando o sujeito, já adulto, sente-se desamparado, reedita esta experiência. Narciso foi condenado pela extrema vaidade, pois não via nada além da própria beleza. Diferente deste personagem mitológico, em tempos modernos, o vaidoso depende das redes sociais virtuais, onde posta fotos e feitos, para ser visto. Com isso, a ansiedade e inquietação são frequentes pela necessidade de apreciação de suas postagens, conferindo o tempo todo quantos likes e curtidas recebeu.

A Filosofia reconhece que a vaidade é um traço da natureza humana e pode se referir a um senso mais amplo de egoísmo e orgulho. Para Nietzsche, a vaidade é o que torna a visão do ser humano suportável, dissimulando paixões e emoções que moralmente são tidas como vergonhosas. Sob esta perspectiva não é a humildade que subjaz às ações virtuosas, mas o orgulho e a vaidade. Esta teria o papel de humanizar o indivíduo, a fim de torna-lo mais sociável e cumprir as exigências de uma moralidade estabelecida.
Se houve um tempo em que a pessoa vaidosa buscava pelo aperfeiçoamento moral para angariar vantagens conferidas pelo respeito alheio, na contemporaneidade, cada vez mais é a aparência física e a ostentação de posses que move o vaidoso. Socialmente, os padrões estéticos mudam a todo o momento e, não havendo possibilidade de se encaixar em todos, gera insatisfações e receio de julgamentos, comuns e recíprocos.
Gostos e desgostos, entendidos como escolhas, vão sendo construídos, despertando desejos atrelados à moda e costumes daqueles que são vistos como superiores ou exemplares. Mas algo vem acontecendo que contraria, que torna paradoxal esta lógica, a do destaque para chamar atenção para si. Cada vez mais se busca a mesmice, a replicação de modelos escancaradamente vendidos como valor que agregariam à beleza, à vaidade, à busca de ser apreciado. Assim moda transversaliza e padroniza o que era individual e marcante. Agora é a igualdade de padrões que ilude com a ideia de inserção e pertencimento. Para ser aceito é preciso estar igual, fazer igual? Seria esta a ideia? As sobrancelhas padronizadas, os cabelos da mesma cor, alisados e indiferenciados, as bocas com um desenho só uniformizam, empobrecem as características pessoais. É a beleza sem singularidade. Como fica Narciso, o único belo? Deste, que se acha o melhor, para o igual a todos para ser aceito, cai-se no não eu da padronização de traços prescritos.
Seria o vaidoso narcisista? Para Karen Horney, psicanalista alemã, o termo é equivocado, pois embora queira exaltar o eu, o vaidoso não o faz por amor real a si, mas para proteger-se do sentimento de insignificância e diminuição.
Sobre este equívoco há muito a refletir…
Que os traços de beleza sejam os originais e singulares, da alma e do corpo para que a admiração pretendida possa vir mais pela capacidade de empatia, solidariedade, respeito à diversidade e construção do bem comum, que a admiração mútua e de si sejam pelas qualidades pessoais e não pela despersonalização.

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