Leila — nome fictício —, pouco mais de vinte anos, voltou aos estudos na segunda série do Ensino Médio, período noturno. Aluna dedicada, talvez uma das mais dedicadas que já conheci. Estava sempre a perguntar, a aproveitar ao máximo as poucas horas na escola. Lembro-me de tê-la observado várias vezes com os cabelos molhados ao vento. E assim se passaram quase dois anos, quando ao final da terceira série, percebi um enorme cansaço no rosto da jovem. Dispensei a classe pouco antes do término da aula e pedi que ela se sentasse ao meu lado e falasse um pouco da sua vida. Para minha surpresa a garota não se fez de rogada e iniciou uma conversa animada. Contou que deixara os estudos quando se descobrira grávida. A mãe cuidava da criança enquanto ela saía para trabalhar. Quando a filha cresceu um pouco e começou a frequentar uma creche em tempo integral, a mãe se dispôs a ficar com a neta à noite para que Leila pudesse estudar. Perguntei sobre seu cansaço, e ela, depois de um longo suspiro, contou trabalhar num restaurante o dia todo, mais as horas extras. Ao término do expediente precisava correr até sua casa, pegar o material, dar um beijo na filha e chegar a tempo para a primeira aula. Conversamos mais um pouco e eu lhe disse que nas terças e quintas, quando eu ministrava as primeiras aulas na turma dela, ela poderia chegar mais tarde, eu deixaria um material com as explicações iniciais e tiraria suas dúvidas, sempre que ela desejasse. A moça agradeceu. Antes de nos despedirmos, procurei adverti-la quanto seus cabelos molhados ao vento nas noites frias de inverno. Com um sorriso, ela explicou: professora, trabalho num lugar onde o cheiro de gordura é uma constante que impregna meu corpo e alma. Quando chego do trabalho preciso escolher entre banho ou jantar. Fico com o banho! E finalizou: eu detestaria chegar atrasada às aulas, principalmente às suas. No dia da entrega dos certificados de conclusão do Ensino Médio, vi Leila, esbaforida, cruzar a porta de entrada da escola com um sorriso imenso… E cabelos molhados ao vento, dessa vez numa bela noite de verão.