PSICOLOGIA PARA HOJE

Crianças e sentimentos quanto à morte

Neste mês, novembro, temos o dia de finados, data em que muitos sentimentos afloram para todos nós. Quem não perdeu alguém por morte? Assunto evitado e julgado por ser sentido como depressivo, impróprio, inconveniente é deixado de lado, mesmo quando existem oportunidades e contextos que remetam a esta realidade indesejada e que ensejam abordar o assunto. Tema difícil para muitos, torna-se ainda mais desafiador quando se trata de explicar ou falar sobre ele com crianças. Pouco antes do último dia de finados ouvi de uma amiga que, ao saber do feriado, seu filho, de oito anos comentou: “Ah, finados… aquele dia em que todo mundo vai ao cemitério levar flores!”. Sim, está bem definido, de certa forma, mas poderiam ter vindo outras questões: flores para quê, para quem? Qual o significado disso? Não sei se ele enveredou para estas outras questões, mas muitas e muitas vezes, como psicóloga e professora de Psicologia, sou indagada sobre como falar disso com crianças. Em casos de morte na família, muitos pais, na intenção de preservar a criança de um suposto sofrimento além da sua suportabilidade optam por não levar o filho criança ao funeral. Defendem esta decisão com a crença de que elas não vão entender o que está acontecendo, ou que é muito forte para uma criança ver as cenas de dor que podem ocorrer e o que podem pensar e sentir ao verem uma pessoa dentro de um caixão. A explicação para este procedimento é de que a criança não tem idade para entender a morte, a finitude, o nunca mais. A rigor, quem entende isso, em qual idade entenderemos isto? Muitas vezes esse medo dos pais confunde-se com sua própria dificuldade em ver o filho sofrendo e desejarem, sem saber como, poupa-lo desta dor. As tentativas em acharem explicações que façam sentido para si mesmos e para a criança sobre o que aconteceu nem sempre minimizam as dúvidas, os equívocos e sentimentos dos próprios adultos em falarem às crianças sobre a morte de alguém ou mesmo de um bichinho de estimação. Para explicarem, muitas vezes, inventam que a pessoa está doente e hospitalizada, que está viajando. Estas saídas, a curto prazo aliviam, mas são frágeis na continuidade, pois a pessoa não reaparece…
Em que idade se pode falar de morte com as crianças? Como falar? Elas entendem? Como outras curiosidades e interesses naturais e necessários para o desenvolvimento psicológico, a criança indica o caminho. Com isso quero dizer que as perguntas surgem conforme ela vá percebendo a realidade, pois um tanto ela entende pelo que já experienciou, porém quando chega ao ponto em que não entende, ela pergunta. Este é um momento crucial, muitas vezes, como ocorre ainda hoje, com a sexualidade, assunto para outro texto. Neste momento, os adultos devem lhe responder conforme seu nível de entendimento, com palavras que ela conheça, dando exemplos que ela domine. No caso da morte, pode-se remeter a plantas da casa, por exemplo, que vivem por um tempo e morrem. Qualquer tipo de perda gera luto, os chamados microlutos de todos os dias. Uma planta que morre, um brinquedo que quebrou, um amiguinho que foi morar longe, uma roupa que não lhe serve mais. Parecem insignificantes, mas estas perdas vão propiciando as condições primordiais para lidar com coisas que eram e que passam a não ser mais. Com isso, vão se constituindo as condições psicológicas para elaboração de perdas mais significativas. É uma construção gradual, que vai criando recursos que estarão disponíveis quando ocorrem perdas de entes queridos. Diante destas perdas menores, é essencial que se diga a verdade. Exemplo comum e recorrente acontece quando da perda de um animal doméstico. Não raras vezes, os pais, na intenção de proteger as crianças da dor, dizem que o bichinho sumiu, o que cria a expectativa de que ele pode voltar, prejudicando a elaboração da perda e gerando desconfiança nos adultos. Cada situação de perda “pequena” é possibilidade de, com verdade e sensibilidade, indo ao nível da criança, ajudá-la a ir lidando com a realidade e com perdas mais difíceis. Essencial é que os sentimentos sejam identificados, nomeados, validados e respeitados. Só assim serão elaborados e reorganizadas, gradativamente, as emoções de crianças e adultos. Cada sentimento respeitado será uma força a mais no psiquismo da criança, pois ela percebe que, tendo com quem falar sobre o que sente, vai fazendo o caminho para a reconstrução do que foi afetado com a perda.
Nas situações de ajuda à criança que perdeu, os adultos podem cuidar de seus sentimentos também, o da perda em si e os de verem a criança sofrendo. Para isso, é importante que digam que também estão sofrendo, em vez de quererem demonstrarem-se “fortes” para não abalar mais ainda a criança. Também ocorre a tentativa de esconderem seus sentimentos para que a criança não os veja fragilizados, situação que cria falsa crença de que “nada aconteceu”. Esta pode ser uma defesa que o adulto projeta na criança. Falar que também sente não significa sobrecarregar a criança, mas uma forma de compartilhar o que sente, aproximando para irem lidando com a dor da perda. Falar, chorar, lembrar de fatos vividos e das aprendizagens que a pessoa que se foi deixou é parte importante do processo de elaboração do luto. Assim, vai-se aprendendo que, com respeito e cuidado ao que sente, a dor que, por um tempo, era insuportável, vai amenizando. Quando ondas deste sentimento voltarem cuida-se novamente, até que se transformem em lembranças e não mais em dor. A partir de então descobre-se que é possível viver sem o ente perdido, honrando agora sua memória e significado na vida de cada um e… levar flores ao cemitério é uma forma de ritualizar e reverenciar este significado presente todos os dias na vida de quem ficou.

Maris Stela da Luz Stelmachuk, ocupante de cadeira 16, cujo patrono foi Alvir Riesemberg, escritor, médico e professor.

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