COISAS DA BOLA

ONDE ESTÁ O SINO?

O sol raiando logo cedinho prenunciava que teríamos um ótimo dia de um sábado de primavera. A tradicional feirinha na Estação União, a exposição dos equipamentos na Praça Hercílio Luz e o desfile pelas cidades fazendo alusão ao aniversário do Corpo de Bombeiros, naquela manhã linda, era o que tínhamos programado para vermos.

Saindo de casa na companhia de dois dos meus cincos netos, a pé, eu e o Bernardo Getúlio Tatuzinho, de cinco anos, juntamente com a Isabela Russinha, sete anos, andando pelos antigos trilhos ferroviários desde o Estádio Enéas Muniz de Queiroz nos dirigimos até ao centro das cidades. Passando por vários lugares, sentando nos bancos ao lado dos antigos caminhos das Marias Fumaças, eu viajei no tempo. Além de contar histórias vividas por mim naqueles locais, o meu trabalho maior era responder as perguntas das crianças, principalmente, em qual cidade estávamos agora, Porto União ou União da Vitória? A resposta mais difícil era quando eles se posicionavam bem no meio dos trilhos que unem as duas cidades e queriam saber, por centímetros, se estávamos no Paraná ou em Santa Catarina. Para tentar dificultar a minha resposta, dando risadas eles abriam as pequenas pernas com dificuldades e as colocavam em cima dos dois trilhos. Tagarelando, entre risadas, mostrando os lugares onde passei a minha infância e contando vários fatos dela, enfim chegamos na Estação União. Contei que nos tempos antigos, antes de eu ter nascido, existiam duas estações de trem, uma para cada cidade, distanciando cerca de quase cem metros uma da outra, o que fazia com que os comboios perdessem muito tempo ao pararem nelas. Contando toda a história sobre a construção e inauguração da Estação União no ano de 1942, disse que elas foram construídas iguais para que ninguém das duas cidades reclamasse. Levei-os para ver a galeria subterrânea feita por baixo dos trilhos para possibilitar a passagem, com segurança, de pessoas por ali, pois o movimento dos trens naquela época era muito grande. Fiz questão de salientar que os dois lados da Estação tinham as mesmas quantidades de repartições, portas, janelas e escadas. Mostrei os três relógios de cada lado e os dois centralizados nos extremos, bem no meio dos arcos da estação. Expliquei que os enormes sinos pendurados nas paredes eram para avisar aos passageiros que os trens estavam prestes a partir.
Enquanto estávamos por ali, o vuco-vuco de pessoas na feirinha começava a diminuir e todos os relógios, por incrível que possa parecer estavam funcionando e marcavam 12 horas e trinta minutos. Enquanto eu narrava histórias sobre a estação percebia o olhar de atenção deles e aquilo me animava para contar e explicar mais fatos. Olhando para todos os lados, se atendo nas pequenas bancas onde as guloseimas estavam expostas, Bernardo Getúlio Tatuzinho disse que a sua barriga começara a roncar quando viu um enorme pé de moleque. Entendi no ato o que ele quis dizer e, após perguntar para a Isabela Russinha o que ela queria, percebi que ela olhava para um lado da estação e em seguida para o outro, como querendo comprovar o que eu lhes tinha dito. Me olhando como quisesse me reprovar, ela disse que os dois lados não tinham as mesmas coisas como eu tinha comentado. Apontando com o dedo indicador para o sino pendurado na parede do lado de União da Vitória, ela me inquiriu: onde é que está o sino do lado de Porto União? Pego de surpresa eu não soube o que responder para ela. Após confirmarmos que o sino realmente não estava por ali, fomos inspecionar minuciosamente a parede do lado de Porto União. Notamos que os dois grossos parafusos para fixar o sino estavam encravados na parede, mas nem sinal do sino. Ao ser questionado, dei a minha palavra que iria tentar descobrir onde estava o referido sino. Será que ele tinha adquirido pernas e armou o capote dali? Após comermos os pés-de-moleque e pastéis e tomarmos um suco de laranja, novamente, andando pelos trilhos de ferro retornamos para casa, mas a falta de um dos sinos me deixou intrigado.
Na segunda-feira pela manhã, dia de lida para quem labuta naquelas repartições, me dirigi até a Estação União para tentar desvendar a falta de um dos sinos, até porque, certeza absoluta eu tinha que a minha netinha Isabela me perguntaria. Conversando com um aqui, outro acolá e, mais outro por lá, fiquei desconjurado com os relatos sobre onde o sino poderia se encontrar. Alguns relataram que sabiam onde ele estava, mas por medo de se complicar não falariam. Enfim, o sino se não foi “derretido” com certeza está com algum vivente em algum lugar, cumprindo alguma função, menos a de avisar aos passageiros que o comboio vai partir. Espero que ele crie pernas e logo apareça para tomar, novamente, o seu lugar de fato e de direito. Lugar, de onde jamais deveria ter saído. Ele faz parte da história das nossas cidades, que na verdade é uma só. Parafraseando muitos e emendando a frase: A história é a memória de um povo, e sem memória, o homem é rebaixado aos animais inferiores.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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