COISAS DA BOLA

LOBO DE MIM

Num tempo não muito recente, comandados pela chefia de uma gangue daquela cidade que começou a ser formada com a descoberta de um vau no majestoso e caudaloso rio, os furtos e roubos eram praticados nos silêncios das noites totalmente em breu, após as noitadas boêmias. Bem esquematizados, com ações bem pensadas e planejadas, onde os “clientes” eram escolhidos a dedo, conforme a sua posse. Salvavam-se os bens e as residências dos amigos dos marginais, sendo que nestas ações criminosas, a gatunagem deveria passar por deveras longe. Desconfianças sobre os meliantes haviam, que talvez por conivências de alguns membro daquela sociedade, passavam incólumes. Os atos e notícias sobre os mãos-leves eram sempre comentados nos meios de comunicação, onde alguns, por não quererem jogar lenha na fogueira, por interesses escusos ou sentir aperto no furico anal, somente faziam um breve relato do ocorrido, e mesmo sabendo a autoria, não apontavam para ninguém. Os cidadãos afanados que fossem procurar os seus direitos. Mas, onde? Para quem? O poderio da ladroagem já atingia a idade alta e agia naquela plaga à vontade. Vinha de longa data e os larápios cada vez mais ousados nunca eram pegos – ainda não tinham conhecido uma cela por dentro. Podia-se afirmar eram lobos fantasiados de animais dóceis.
Certa noitada, à revelia do seu mentor e chefe, o baixo clero dos gatunos, sentiu coceira nas mãos ao presenciar estacionado em local ermo, em frente a uma casa de “primas”, um lindo carro da marca Ford, um Maverick, de uma boniteza só. Todo estilizado, pintado na cor amarela, vidros fumês, com volante esportivo, com rodas de magnésio e pneus tala larga deixou os ladravazes com água na boca. Furtaram o veículo. Ao prestarem contas sobre o que fora “amealhado”, os “funcionários” justificaram ao chefe da quadrilha que fugiram do protocolo programado, pois não resistiram à tentação e tomaram a liberdade em afanar aquela belezura de veículo. Ao ver o Maverick amarelo, o chefe da horda foi à loucura. Reconheceu o carro que pertencia a alguém da imprensa, que era “meio conivente” com o bando, pois nunca deu nomes aos bois ao relatar os fatos dos roubos naquela cidade. De imediato, o prócer máximo do bando, decidiu e deu ordens, para que na madrugada seguinte o veículo fosse deixado abandonado no centro da cidade, onde, facilmente, ele seria encontrado pelo seu dono.
Durante a manhã, em seu programa em uma emissora, o dono do veículo descascou o pau no policiamento e na falta de segurança na cidade. Muito brabo por terem surrupiado o seu Maverick, deixou no ar que as quadrilhas de ladrões tinham alguma coisa a ver com as casas noturnas que funcionavam todas as noites, segundo ele, aquelas casas eram uma cortina de frente para atos da marginalidade. Ao saber dos comentários do homem da comunicação, muito fulo da vida, o chefão daquela quadrilha revogou a sua decisão anterior. Não mais devolveriam o Maverick. Deixariam ele totalmente pelado, retirando os bancos de couro, volante esportivo, rodas, pneus, aparelho de som e alto-falantes e jogariam a carcaça do veículo no seu conhecido cemitério de roubos, um conhecido talvegue no rio que passa pela cidade. E assim o fizeram. E aquele veículo, mesmo procurado em todas as plagas brasileiras, como uma fumaça, evaporou.
Passam-se os anos. O clima mudou. Por culpa do ser humano, as quatro estações deixaram de ter uma regularidade, fazendo com que aquele povo sofresse as consequências da maior estiagem já vista naqueles cantos. Aquele rio que era caudaloso, por certo tempo deixou de
ser. Quase com somente um fio d’água escorrendo pelo meio do seu leito, deixou à vista ressuscitando aquele cemitério de produtos “descartados”. E, lá estava a carcaça do Maverick outrora amarelo e agora totalmente embarrado e enferrujado. Maior que o problema causado pela forte estiagem naquelas paragens, um grande rebu foi armado. Emocionado ao ver a carcaça da sua paixão de uma vida toda, o comunicador foi aos prantos. Jurou nos microfones de uma emissora que agora daria nomes aos bois. O negócio federia. Não fedeu. Alguém fofocou que na surdina e na calada ele foi ameaçado de morte. Que sossegasse o facho e fechasse a boca, porque ela poderia amanhecer cheia de formigas, mas o tranquilizaram. Que esperasse pelos dias perto do final de ano, pois seria indenizado e receberia um tutu que daria para comprar dez Mavericks. Não se sabe se foi o aperto no “toba” ou a esperança da grana prometida, o ex-dono do Maverick baixou a bola e fechou a matraca, esperando com ansiedade que logo chegasse o dia do Papai Noel.
Aquele ano parecia que andava a passos rápidos. A movimentação política estava incendiando o país e no ano seguinte, teríamos novas eleições para presidente – a democracia tentava pegar de vez. Os esperançosos continuavam na peleia com armas e dentes para um novo governo, agora bancado pelos trabalhadores. A elite novamente tentava se perpetuar. As discussões imperavam. O mês de dezembro já estava no seu meado. O dono do Maverick defunto, aguardava pelo cumprimento da promessa feita pelos bandidos – o ressarcimento em torno de dez vezes do valor do seu carango.
Voltando de férias com a família, um cidadão de bem, morador naquela terra da beirada do rio e outrora contestada, almoçava tranquilamente em uma churrascaria localizada na costa de uma rodovia perto da cidade sorriso. Ao se dirigir ao banheiro para fazer pipi e cocô, quando estava sentado no vaso, percebeu quando a iluminação total do banheiro foi desligada e um silêncio funesto tomou conta do ambiente. Ouviu então uma voz imperativa e desconhecida que lhe disse: estamos te pedindo um favor. No porta-malas do seu veículo foi deixado uma pequena caixa de papelão que deverá ser entregue para um fulano que mora na sua cidade, cujo nome e endereço estão escritos na caixa. Não abra o porta-malas até chegar na sua cidade. Faça a entrega a sós e peça para ele abrir a caixa na sua frente. Só estamos pedindo este favor. Não se preocupe que não tem nada que te comprometa. Se por ventura você se negar a transportar ou contar para alguém sobre este fato, sua família sofrerá perdas. Tentando intimidar mais, aquela voz autoritária e desconhecida falou o nome dos filhos daquele cidadão de bem, deu detalhes, como, onde estudavam e em que rua moravam. Ao final da prosa a voz estranha perguntou se podia contar com ele. Num sussurro, meio que se esvaindo num desarranjo na pança, aquela voz ouviu um “sim” do homem de bem sentado no vaso.
Colocando os pneus logo na estrada na tentativa de chegar logo na sua terra, tremendo e suando frio, aquele homem de bem era questionado pela esposa sobre o porquê de estar tão nervoso. Ele dava a desculpa que tinha que chegar o quanto antes, pois esquecera que tinha uma reunião de trabalho muito importante. Para seu azar, no percurso deu de cara com uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. Achou que teve sorte em somente ser multado pelo excesso de velocidade e o veículo não ser revistado, mas não se garantiria quanto a sua cueca estar borrada. Chegando em sua residência, descarregou a bagagem e deixou a esposa e os dois filhos menores e se preparou para fazer rapidamente a entrega para a pessoa solicitada. Queria se livrar logo daquela incumbência. Após ver o nome e endereço onde deveria ser entregue a encomenda, ficou pasmo, era um colega seu de profissão. A sós em uma sala na casa do seu colega, ele contou o ocorrido e explicou que fora instruído para que ele abrisse a caixa na sua frente. Ao abrir aquela caixa que deveria ter a medida 40 por 40 centímetros, o seu colega quase desmaiou. A caixa estava totalmente cheia das maiores notas em dinheiro vivo e com um bilhete: acho que agora está pago o Maverick!
Após ter efetuado a entrega, aliviado e muito pensativo na aventura em que tinha se metido, já em casa aquele homem de bem sentou no sofá da sua sala no mesmo momento em que tocou o seu telefone fixo. Atendeu e reconheceu aquela voz ainda imperiosa que tinha ouvido quando estava sentado no vaso sanitário daquele restaurante, ela lhe disse: por favor, só me diga o que continha a caixa e o que dizia o bilhete destinado ao seu colega de trabalho. Após responder, também foi questionado pela voz sobre a senha que o seu amigo foi orientado a lhe sussurrar no ouvido. Ele respondeu: conivente. A voz lhe respondeu: Entendeu né, e desligou o telefone. E o assunto morreu para sempre, ressuscitou agora porque os protagonistas estão ardendo no “Céu”. Talvez ainda esteja por aqui o “conivente”.


COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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