A medicina científica ocidental passou por um lento desenvolvimento histórico desde Hipócrates até os dias atuais. O que nos interessa na presente discussão é que a trajetória do saber médico sofreu importante impacto no século XIX, de um lado pelo avanço da ciência e da pesquisa no campo da biomedicina, e de outro lado pela organização do trabalho nas sociedades industrializadas urbanas. A medicina científica monopolizou o cuidado para com os doentes e o saber sobre a saúde.
Contudo, é possível afirmar que nos dias atuais a medicina vive uma crise em diversos aspectos, especialmente nos planos institucional, ético, da eficácia terapêutica, bioético, corporativo, da educação/formação médica, do planejamento institucional em saúde, e especialmente no plano da racionalidade médica na qual a medicina contemporânea afastou-se do sujeito humano sofredor como uma totalidade viva em suas investigações diagnósticas, bem como em sua prática de intervenção.
Houve, portanto, uma rejeição ao modelo de intervenção sobre o processo saúde-doença praticado pela racionalidade médica, uma vez que esta visão cartesiana do sujeito não dava todas as respostas para os males de nossa civilização. Na busca de alternativas para seus problemas de saúde, a partir da segunda metade do século XX, alguns modelos de cura e cuidados com a saúde são criados, enquanto que outros reemergem de tradições culturais regionais e outros ainda são importados de culturas exógenas. Este fenômeno ocorreu e ainda ocorre no mundo todo. Diante destas inquietações as medicinas populares foram reabilitadas, não sem forte resistência por parte do saber médico científico e hegemônico.
A América Latina é formada por países em diferentes graus de desenvolvimento urbano-industrial, além de povos de diferentes composições étnicas e culturais. Portanto, existem muitas formas de terapias não convencionais, como a cura xamânica e não-xamânica dos povos indígenas, as práticas curativas dos povos mestiços, a medicina de raízes africanas, além de sistemas mais complexos como a medicina tradicional chinesa e a medicina hindu, estas por si só multifacetadas.
Uma análise etnográfica da nossa Região do Contestado, oferecida na obra de Machado (2004), aponta como participantes do processo de ocupação do planalto norte de Santa Catarina bugres, tropeiros e birivas no caminho das tropas, além do aborígene kaigangue. O encontro destas etnias amalgamou práticas curativas baseadas na fitoterapia e outras formas de cura que, numa análise antropológica, configura-se típica da cultura cabocla. Destaca-se aqui a figura do monge José Maria, habilidoso farmacêutico popular, conhecedor do poder curativo das plantas e das ervas. Ao lado dele merecem destaque as “benzedeiras” e as “parteiras” como agentes de cura, ainda hoje existentes na região.
A reemergência e a persistência das práticas terapêuticas alternativas na região do Contestato faz pensar no surgimento de um novo modelo e mesmo de um novo paradigma em relação à saúde de nossa população. Exercer medicina pode também significar praticar uma arte – a arte de curar pessoas, e não somente aplicar o saber científico, racional, cartesiano, lógico da medicina ocidental.
As práticas médicas não convencionais reposicionam o sujeito doente, entendido na sua totalidade biopsíquica, no centro do paradigma médico, opondo-se à tendência cientificista em centralizar o problema na doença. Isto implica necessariamente na reavaliação da relação médico-paciente, respeitando-se o universo simbólico dos sujeitos dessa relação e considerando-os elementos chave do processo de cura.
Muitos dos flagelos mais importantes no campo da saúde das populações do mundo requerem soluções simples e de baixo custo.
O paciente necessita apropriar-se de seu corpo, de sua vida e de sua morte, tornando-se independente do binômio saúde-doença. Essa autonomia, conquistada a partir do conhecimento melhor sobre si mesmo enquanto indivíduo biopsicossocial oferece a oportunidade de construir ou reconstruir sua própria condição de saúde. A vida do planeta nunca esteve tão ameaçada, conseqüência de um desequilíbrio na biosfera criado pelo homem habitando a Terra. A medicina, tanto quanto outras ciências deve adotar uma visão cosmogônica da vida, buscando o equilíbrio com todas as instâncias da vida sobre a Terra.
Pertencemos a um lugar, a uma cultura; os simbolismos ancestrais que permeiam nossa história de vida não devem ser ignorados; nossa relação com o meio em que vivemos representa uma metáfora do que construímos no coletivo. O modo de vida influencia nosso estado de saúde, e o entendimento disto pode contribuir para tornarmo-nos mais saudáveis e construir um mundo ao nosso redor melhor e mais harmonioso.