COISAS DA BOLA

RESENHA SOBRE UM REI

Cada contenda sua era um concerto de gala do ludopédio arte, renovava a todo instante o
seu repertório de lances míticos, que permanecem vivos na memória de quem assistiu.
Tinha verdadeira paixão em pelear com a casa cheia e encantava a plateia com jogadas
incríveis. Em uma delas, pegou o balão de couro na sua intermediária e passando por seis
oponentes fez o tento mais lindo do Maracanã até aquela data, sendo homenageado com uma
placa, surgindo daí o nome Gol de Placa. Infernizou a vida de muitos beques e sofria a
fungação no cangote de forma implacável, que não era suficiente para pará-lo. Jamais um
gênio do futebol-arte sentiu na própria pele a fúria de seus contendores. Era caçado a todo
instante, mas jamais fugia do pau e não levava desaforo para casa. De tanto levar cacete
aprendeu a bater. Sempre atuando de cabeça erguida e olhando para frente, seus olhos de
lince tinham a visão periférica mais aguçada, onde pressentia os assaltos que viriam. A caçada
começava quando o capotão rolava, e mesmo assim, ele fazia de cada prélio um grande
espetáculo, era a própria arte em movimento, fascinava inclusive aos seus contrários com a
excelência de seu futebol, era só tapa carinhoso na criança. Tinha a ginga futebolística e
variado repertório de gestos, que de várias intenções deixavam seus marcadores atônitos e se
tornavam menos importantes que o próprio toque na peca. Chapeuzinho dentro da área era
sinônimo de malha estufada. Canetas em um, dois ou três foram corriqueiras, tinham a sua
assinatura. Exímio bailarino, sassaricava para os dois lados, infernal! Ninguém tratou a “deusa
branca” melhor que ele. Era inteligente, tinha picardia, malandragem e era muito sagaz. Não
tinha limitações na hora de arrematar para a meta e seu chute desferido não era um gesto
automático, tinha sutileza. Seus tentos tinham estilo e personalidade própria. Derrubou
cidadelas com a perna direita ou com aquela que muitos somente utilizam para subir em
ônibus, com tiros fortes ou colocados, onde, ninguém jamais soube distinguir se ele era destro
ou canhoto. Goleiro adiantado, certamente teria sua cidadela caída. Testava como ninguém,
parava no ar como um beija-flor. Tinha harmonia corporal. Cobrava penalidades máximas com
a astúcia chamada paradinha, invenção do mestre Didi. Batia faltas com maestria, às vezes
colocava a redonda fora do alcance do golquíper, outras, desferindo um chute potente e
preciso – quando o arqueiro ia começar a se mexer para tentar catar o balão, somente sentia o
vento no focinho, mais rápido que um raio. Até como arqueiro catou, e fez bonito.
Se você, amigo leitor, ainda não conseguiu imaginar sobre quem estamos falando, a partir
de agora indícios mais esclarecedores serão contados. No ano de 1969, com seu milésimo
tento ele continuou a grande consagração e, em 1970, atingiu a sua soberania suprema com o
tricampeonato mundial. Se tornou a personalidade do esporte mais reverenciada em todo o
planeta. Se solidificou como o sinônimo de Brasil, mais forte que o próprio futebol. Seu nome
foi senha para ultrapassar fronteiras e abrir portas. Ele foi Pelé, que alguém afirmou como
sendo “a maior invenção dos Deuses do futebol”. Foi o maior criador de infinitas emoções futebolísticas. Com seu talento inigualável alcançou o reino encantado dos gênios da
humanidade. Com a bola nos pés era de uma graça, parecia divina, que eternizava a sua obra.
Na mitologia que se criou em torno do Rei Pelé é difícil separar uma fábula como esta, da
realidade: já estava quase no apagar das velas daquele prélio épico. O mediador consultava,
frequentemente, o relógio na ânsia de fechar as cortinas. O palco era o tapete verde do estádio Mário Filho – conhecido como Maracanã – com quase 200 mil torcedores. Peleando por uma igualdade o Vasco da Gama triunfava por dois a zero e dava uma apresentação de encher os olhos, passeava na cancha. O esquadrão da Vila Belmiro batia cabeça e não se achava dentro das quatro linhas. O beque central do escrete cruz-maltino não se cansava de ironizar e “tirar uma” com o Rei. Proseando em um tom acima do normal com o seu colega de becaria, ele perguntava: – não tinha um tal Rei que vinha pelear e judiar de nós? Você viu ele com a coroa na cabeça por aí? Ou será que ele ficou com medo da nossa chanca e afinou? Diz na história, que ouvindo aquilo, o camisa 10 santista se infernizou e se agigantou. Em dois lances magistrais fez fila e sobrepujou os antagonistas vascaínos e aninhou dois tentos, decretando o empate e eliminando do certame o esquadrão de São Januário. Logo após o segundo tento, mansamente, Pelé apanhou a redonda do fundo das redes e colocou nas mãos do zagueirão gozador, dizendo: toma, leva de presente para a tua mamãe e diz que foi o Rei quem mandou.
Eu o vi em ação. E você amigo leitor, viu?

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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