BREVES HISTÓRIAS
Chico e Salmaso nos oferecem show impecável

No final de janeiro passei uns dias em São Paulo, na casa de Nina Rosa e Clarissa.
Cheguei em SP na manhã de 25 de janeiro, quando a cidade completava 469 anos, sendo, portanto, feriado.
Por volta de meio dia, antes do almoço decidi tomar um banho e da janela do banheiro ouvi uma soprano cantar uma ária de La Boheme. Belíssima.
Durante o almoço perguntei às meninas se havia uma cantora de ópera no prédio, pois até então eu nunca a ouvira. Elas me esclareceram que devia tratar-se de uma das atrações artísticas que ocorriam em vários locais da cidade em comemoração ao aniversário desta.
Na noite desta mesma quarta-feira fui jantar sozinho no excelente restaurante Cacilda, que fica ao lado do Teatro Cacilda Becker, há apenas três quarteirões do apartamento de Nina Rosa e Clarissa, na Vila Romana, simpático bairro onde elas moram.
O Restaurante Cacilda além de oferecer um ótimo cardápio, possui uma decoração intimista temperada pela sempre ótima trilha sonora jazzística. Logo ao sentar fui saudado pela genialidade de John Coltrane, vindo a seguir Nina Simone, Bill Evans, Ella Fitzgerald e por aí afora. Formidável.
Na manhã de quinta-feira, 26, eu e Nina Rosa fomos para o Rio de Janeiro, onde assistiríamos naquela mesma noite, no Vivo Rio, o show Que tal um samba, de Chico Buarque e banda, acompanhado pela cantora Mônica Salmaso.
Eu que já havia visto grandes nomes da música popular brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luiz Melodia, João Bosco, Belchior, João Donato, Flávio Venturini, Sá e Guarabyra, Marisa Monte, MPB 4, Cássia Eller, Simone, Francis Hime, Toquinho, Carlinhos Lyra, Itamara Koorax, Carlinhos Vergueiro entre outros, ainda não havia visto Chico Buarque, para mim o maior letrista do planeta.
Ao chegar no local do show fui tomado por uma enorme emoção e não me cansava de repetir para Nina Rosa, finalmente o Chico.
Eu estava curioso em saber quantas das minhas canções preferidas fariam parte do repertório do show. Foram muitas. A noite foi aberta pela ótima Salmaso interpretando Os saltimbancos. Em seguida veio uma de minhas canções favoritas, a belíssima Beatriz, de Chico e Edu Lobo, ainda só com Salmaso. Mais umas duas canções Chico entra em cena, a plateia vem abaixo com intermináveis aplausos.
Ali pelo meio do show, Chico e Mônica mandam mais uma de minhas favoritas, Sem fantasia. Muita emoção e aí derramo minhas primeiras lágrimas.
Logo a seguir vem outra de minhas eleitas para o top 10 das canções de Chico, Futuros amantes.
Com o show já se encaminhando para o final, Chico manda a poderosa, Caravanas, música que dá nome ao seu último álbum. A pungente letra que rememora o Chico mais político e contestador, levanta o público que se comove ainda mais quando ele engata o refrão de Deus lhe pague, ao final de Caravanas. Neste momento, o público já em êxtase começa a gritar, sem anistia, com todo mundo já em pé e com os punhos cerrados, até que alguém começa a cantar, OLê, olê, olá, Lula lá. O público em uníssono, canta por cerca de 5 minutos. Logo em seguida todo mundo senta e a dupla canta mais umas duas e encerra o show, deixando o palco. Os aplausos se sucedem intermináveis até que eles voltem. Chico então canta a bela, Maninha, música composta em homenagem a sua irmã Miúcha, que morreu em 27 de dezembro de 2018.
A apresentação se encerra com João e Maria, nova e derradeira catarse, com o público, claramente, aludindo aos recentes anos sombrios que vivemos e como diz a música, parecia não ter mais fim, mas também conforme a letra da magnífica canção, agora não temos mais medo, pois e após a vitória de Lula, as sombras deram lugar ao sol e a absoluta certeza de dias melhores, sem ameaças à democracia, com tolerância e muito mais perspectivas de mais justiça e menos desigualdade.
Já de volta a São Paulo, em meu último dia na capital dos paulistas fui com Nina Rosa até a Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista. A Martins Fontes ocupa hoje o lugar que um dia foi da Livraria Cultura que estava em recuperação judicial e segundo li na Folha de São Paulo, por ter descumprido algumas cláusulas de tal processo teve sua falência determinada, que após alguns dias foi suspensa mediante uma liminar.
Coincidência ou não, após seu proprietário ter se declarado apoiador de Bolsonaro, a qualidade da livraria Cultura caiu muito e uma de suas marcas registradas, atendentes muito preparados e conhecedores de literatura, foi paulatinamente desaparecendo. Na última vez que lá estive, em julho de 2022, fui atendido por um rapaz, totalmente, despreparado, sem o mínimo conhecimento sequer dos autores mais conhecidos. Lamentável e entristecedor.
Na Martins Fontes, ao contrário, fui atendido por uma jovem de nome Heloisa e à medida que eu procurava este ou aquele autor, ela não somente demonstrava conhecê-los, como já os havia lido ou estava lendo e ainda me recomendou que olhasse o segundo andar onde havia livros com até 80% de desconto. Recomendo e muito a Martins Fontes, que Nina Rosa já me havia sugerido em julho do ano passado, quando eu lhe contara o lastimável estado da Livraria Cultura.
Johnny Rivers e Pato Branco
Dos meus 12 aos 15 anos eu e minha mãe passávamos o Natal em Pato Branco onde moravam meus tios Lamartine e Nely e minhas cinco primas, Jane, Carmem, Rita, Graça e Lenita.
Eu cresci ouvindo música, fosse em uma antiga radiola, em uma vitrola portátil, que meu primo Zeco, então comandante da Vasp, trouxe dos Estados Unidos. Além de ouvir música em casa eu também ouvia na Rádio União, que na época era gerenciada por tia Lulu.
Meus primeiros compactos datam de 1971 e eu ainda os tenho. Mas foi em 1972, com o dinheiro que recebia de tia Lulu por fazer cobranças de assinaturas do Jornal Caiçara, que ampliei, definitivamente, minha discoteca, comprando meus primeiros Lps.
Mas voltando a Pato Branco, foi lá que, ainda no final dos anos 60, conheci coisas como Johnny Rivers, Gary Lewis & The Playboys, The Archies, The Marmalade entre outros, nos compactos de minha prima Jane.
Foi em Pato Branco, portanto, que ouvi pela primeira vez algumas das mais belas canções de Johnny Rivers, como By the time I get to Phoenix, Do you want to dance, The shadow of your smile e Califórnia dreamin, todas do seminal álbum, Changes, de 1967. De Gary Lewis & The Playboys é a bela balada, Sealed with a kiss, também de 1967, e, que minha mãe gostava muito e Jane por esse motivo, acabou me dando o compacto, que tenho até hoje.
Também foi em Pato Branco que ouvi pela primeira vez a magnífica, F come femme, de Salvatore Adamo e que era tema do casal protagonista da novela Beto Rockefeler, de Dias Gomes, exibida no final dos anos 60, pela extinta Rede Tupi de Televisão. Também foi em PB que ouvi pela primeira vez, Je t’aime moi non plus, de Serge Gainsbourg, com o próprio autor e com Jane Birkin, então sua mulher e musa. O disco é de 1969 e sua venda e radiodifusão foi proibida no Brasil logo após seu lançamento, com os discos remanescentes sendo retirados das lojas. Com o endurecimento da ditadura após a edição do AI 5, em 13 de dezembro de 1968 a censura caiu ainda mais pesada sobre a arte, com a proibição de não apenas filmes, peças de teatro, livros e música que continham crítica social ou política, como em tudo que o conservadorismo obtuso e anacrônico dos generais e suas mulheres que passaram a interferir naquilo que segundo elas afrontava a moral e os bons costumes. Essa insanidade, recentemente, adotada por Bolsonaro, Deus, pátria e família, remonta ao Estado Novo, implantado pelo tirano Getúlio Vargas de 1937 a 1945, e que foi copiada do fascismo de Benito Mussolini e que voltaria com força nos anos de chumbo da ditadura militar, cuja longa noite de trevas duraria de 1964 a 1985.
Após o disco do casal francês ter sido retirado das lojas e proibido de tocar nas rádios, o jornal O Pasquim, em mais uma de suas grandes sacadas, lançou o compacto contendo Je t’aime moi non plus, no lado A e Jane B, com letra de Gainsbourg colocada na maravilhosa Prelúdio número 4 em mi menor, de Chopin.
O jornal circulou e com ele o disco, numa genial sacada que driblou a censura. Claro que tanto a edição do jornal, como o disco, foram retirados das bancas, mas mesmo assim Jane comprou o jornal e tinha o disco. Os milicos podiam retirá-lo das bancas, mas era impossível confiscá-lo de quem o havia comprado.
Foi também em Pato Branco que ouvi pela primeira a banda Barrabas, no emblemático álbum onde está Woman. Tanto o Barrabas, como o Black Sabbath me foram apresentados por outra de minhas primas, Rita de Cássia, que logo em seguida se renderia a Música Popular Brasileira.
Mas isso é conversa para outro dia. Até lá.
De qualquer forma sou, eternamente, grato a tia Lulu e às minhas primas Jane e Rita, que contribuíram, efetivamente, para o meu amor pela música.