PROJEÇÕES DA HISTÓRIA

Navegantes: o bairro onde a cidade nasceu

A devoção à Nossa Senhora dos Navegantes nasceu com as navegações portuguesas e espanholas, ainda no século XV. Também conhecida como Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Boa Esperança e Nossa Senhora da Esperança, esteve representada por uma imagem presente na caravela de Pedro Álvares Cabral que, após passar pelo litoral do atual estado da Bahia, em 1500, a levou para a Índia, onde ficou até o século XVII. Atualmente, a relíquia encontra-se em Belmonte, Portugal. Dotada de grande popularidade em todo o Brasil, é considerada a protetora dos navegantes contra as intempéries do clima e das águas, sendo reverenciada também, em religiões de matriz africana, na figura de Iemanjá. Nossa Senhora dos Navegantes é a padroeira, entre outras, da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, e as festividades em sua homenagem mobilizam anualmente, naquela cidade, cerca de cem mil pessoas.

Protetora de todos aqueles que vivem ou viveram parte de suas vidas sobre as águas, Nossa Senhora dos Navegantes também se faz presente em Porto União da Vitória, aonde empresta seu nome a um dos bairros mais interessantes da cidade recebendo, em troca, homenagem no formato de uma das mais belas construções religiosas de todo o sul do país. Foi no Navegantes, de fato, que a cidade nasceu – mais especificamente nas imediações do vau do Iguaçu, que está lá localizado. Ponto de chegada e de partida de numerosas embarcações, cujas tripulações empregavam-se na descarga de mercadorias que seriam entregues para que as tropas de mulas as levassem para regiões mais distantes – apenas para tornarem a carregar os mesmos barcos com as mercadorias trazidas de longe pelas mesmas tropas, a vizinhança foi visitada por incontáveis viajantes durante décadas. Vindos de todas as regiões, estes andarilhos e navegadores dos sertões eram os principais responsáveis por unir povos que mal se conheciam, cambiando bens e notícias com uma dificuldade raramente compreendida por quem, hoje, se acostumou a realizar compras sem sair de casa, e a exigir pronta resposta às mensagens enviadas a partir de dispositivos tecnológicos ultraportáteis.
Nos tempos dos barqueiros e dos condutores de tropas, era para o Navegantes que deveriam se dirigir todos aqueles que quisessem saber das últimas novidades emanadas meses antes do Rio Grande, do Rio de Janeiro ou mesmo – porque não – da Europa. Ali, todos se encontravam, se conheciam, se comunicavam. Muitos compravam, outros tantos vendiam. Vários procuravam os serviços que muitos mais ofereciam. Muito tempo antes da globalização, o bairro servia como uma espécie de centro comercial e financeiro condensado… e, a partir dele, as terras próximas ao Porto da União se tornaram das mais buscadas e cobiçadas em todo o sul do país. A tal ponto que atraiu as vistas de um filho de ricos fazendeiros de Palmas que, para cá se dirigindo no último quartel do século XIX, passou a investir na navegação e na aquisição de terras que se estendiam até as cercanias dos campos de Curitiba. De fato, se olharmos em retrospectiva com a compreensão da dinâmica política, econômica e social aqui vigente na virada para o século passado, não será difícil intuir que o coronal Amazonas Marcondes, desde a sua chegada, deva ter sido um frequentador assíduo do Navegantes e da capela ali existente. Afinal de contas, na católica sociedade de então quem quisesse ser respeitado precisava se apresentar como devoto perfeito. Suas contribuições para o bem da religião deveriam ser de amplo e incontestado conhecimento – foi ele o responsável pela doação do terreno aonde foi erigido o cemitério local bem como daquele outro, localizado no morro mais alto da cidade, aonde hoje se localiza a Basílica de Porto União. Nas missas as pessoas conheciam e se davam a conhecer; nas quermesses e demais festas religiosas, estabeleciam acordos comerciais que teriam impacto sobre a vida de toda a comunidade. Tudo sob a diligente proteção de Nossa Senhora dos Navegantes no bairro que, levando seu nome, foi palco do início de uma história que se projeta, insinuante, sobre todos nós. Até a próxima.

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