Sou nascido e sempre vivi neste pedacinho do Brasil, terra bençoada que abriga quantos dela se aconchegam e carinhosamente os recebem. Os poucos habitantes que convivem nesta plaga se conhecem, conversam entre si, ajudam-se mutuamente.
Era um fim de tarde de outono, o sol se pondo no horizonte pintava as poucas nuvens no céu com as cores que exímio artista não pode sequer imitá-lo. É majestoso o espetáculo.
Estou retornando a casa depois de dia estafante de trabalho, sigo despreocupado, a mente divagando, pensamentos diversos, quando abordado pelo amigo e quase vizinho, nossas moradias são próximas. Ele já com idade avançada, trazia no semblante velho as preocupações que lhe iam maculando o interior.
Cumprimentei-o com a intenção de continuar a marcha e chegar em casa que estava próxima. Adivinhando minha intenção o amigo segurou meu braço e disse:
- “Tem um tempinho agora”?
-“Claro, todo o tempo do mundo… respondi”.
Esse amigo que já ultrapassou os oitenta anos estava visivelmente e emocionalmente abalado, as palavras eram pronunciadas trêmulas, fracas, quase inaudíveis, dizia:
-“Vizinho, não posso voltar para casa, você não sabe o que me aconteceu”!
Essas palavras despertaram a curiosidade, mil probabilidades afloram à mente, perguntei:
-“O que foi vizinho, o que aconteceu de tão grave”? Disse:
“Você sabe que sou viúvo e tenho duas filhas, uma casada que mora noutro bairro, a outra comigo na nossa casa. A casa é muito grande, nela sempre vivemos, desde quando a falecida era viva e desfrutamos de muitos momentos, alguns não tão bons.” Continuou:
“Ocorre que minhas filhas resolveram que preciso de ajuda, não posso mais fazer as coisas mais simples da vida, inclusive cuidar de mim mesmo. Contrataram uma cuidadora que fica o tempo todo me seguindo. É um horror.”
Me solidarizei com ele e disse:
- “Verdade, aturar uma senhora também idosa dando ordens, palpites o dia todo não é fácil. Insuportável”.
Ele me contestou:
- “Não, ela (a cuidadora) é moça, creio que deve ter cerca de 20 anos, o problema é outro”… e continuou:
-“Desfruto em casa de uma suíte, com as dependências íntimas anexas ao quarto de dormir, há uma banheira de uso frequente. No fim do dia costumo enchê-la, água bem temperada, muita espuma e sem prazo para concluir o banho”.
Seguiu falando:
- “Ontem, no final da tarde, quando me preparei para o banho, primeiro dia de trabalho da cuidadora, me deparo com ela ao lado da banheira, enchendo-a de água, prestimosa providenciando toalha de banho, sais minerais, tudo para o banho”.
-“Até aí, nada a acrescentar, porém, quando ela se aproximou de mim, gentilmente iniciou a desabotoar minha roupa, retirando-a, estarreci, petrifiquei feito múmia aguardei os finalmentes”.
-“Completamente nu, assim como se nasce, diante da cuidadora, na forma como nunca a falecida me vira, absolutamente abstraído, fui conduzido à banheira, lavado, esfregado inclusive as partes íntimas. Esfregado, lavado, enxaguado, fui secado e vestido com pijama, inclusive, a cueca. Posto a dormir, passei a noite pensando, conjecturando, tentando solução ao problema: aos cuidados da cuidadora! A falecida jamais havia prestado esses cuidados”.
Nesse ponto não me contive:
- “Mas onde reside o problema, qual o óbice”?
O vizinho olhou fixamente nos meus olhos com feições estarrecidas de quem expôs o problema que não foi entendido pelo ouvinte, largou do meu braço, virou-me às costas e como velho com mais de oitenta anos foi embora. Por que será?…