As mulheres sempre trabalharam e, a partir do início do século XX, a natureza de seu trabalho foi ampliada pelas condições históricas e sociais da época que desencadearam sua saída de casa para buscar o sustento da família, uma vez que os homens foram convocados para as guerras. Simbolicamente, elas nunca mais voltaram para casa, pois permaneceram no trabalho formal remunerado até os dias de hoje. Este cenário retrata a realidade européia de onde vêm muitas de nossas referências em termos de estilo de vida e modelo de inserção social, política e cultural, mas também a realidade de muitas mulheres em muitas outras culturas. Ainda no início do século XX, a despeito das mulheres sempre terem trabalhado para seu sustento e de suas famílias, quem aparecia como titular do trabalho remunerado nas famílias e na sociedade era, sobretudo, os homens. A invisibilidade da participação das mulheres na construção das sociedades e da cultura se deve, prioritariamente, ao fato de que os escritos sobre isso partiam da perspectiva masculina, sendo os homens os informantes mais assíduos e acatados pelos registros históricos oficiais.
Esta realidade, longe de ser distante no tempo e no espaço, ainda está presente no século XXI e a destaco em pesquisa realizada em 2005 e outra em 2012 entrevistando pessoas com mais de 60 anos sobre a vida de trabalho de seus pais. Nas entrevistas encontrei a mesma invisibilidade da participação das mulheres na vida de trabalho. Ao perguntar sobre o trabalho remunerado em suas famílias, as pessoas entrevistadas (que eram crianças em meados do século XX) informavam em quê seus pais trabalhavam e as profissões informadas foram diversas: comerciantes, sapateiros, agricultores, etc. No entanto, nos relatos do cotidiano da vida laboral familiar mencionavam constantemente suas mães como participantes ativas nessas ocupações informadas como sendo dos pais. Suas mães participavam e, algumas vezes, se responsabilizavam tanto ou mais do que seus pais ao trabalho remunerado da família, mas não eram nomeadas como trabalhadoras e sim, como “do lar”, como até hoje é usual referir alguém que “não trabalha”, leia-se não exerce atividade remunerada. Como ainda hoje, muitas vezes, além da participação no trabalho remunerado, cujo titular é o marido, as esposas, mães, donas de casa realizavam e realizam, majoritariamente, o trabalho doméstico, basilar, sem o qual, é importante realçar, nenhum outro trabalho é viável.
Muito já aconteceu em busca da reparação e busca de igualdade de direitos e espaços entre homens e mulheres. Os objetivos do feminismo buscam e, aos poucos, vêm conseguindo resultados na reparação da injustiça que secundariza e mesmo invisibiliza a participação feminina na construção da sociedade. Não se trata de competição entre sexos, modo imaturo e sem propósito útil para lidar com este histórico, mas de validar os lugares ocupados pelos dois pilares da sociedade e da cultura: homens e mulheres. Uma construção fica manca se construída sobre um pilar mais alto e outro mais baixo. Assim, cada vez mais é importante o reconhecimento desta igualdade para a equilibração também psíquica de nossa percepção desta realidade.
Articulando este preâmbulo com o foco deste texto, quero deixar aqui manifesto o que se tem feito em nossa região para que todos os participantes desta construção sejam devidamente reconhecidos. A presença ativa e significativa das mulheres na construção de nossas cidades e região, como em todo o mundo, é um fato e sua visibilidade vem sendo ampliada desde março de 2021, com a inauguração da Praça Memorial Mulher, em Porto União. Projeto concebido pelo professor e membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), Aluizio Witiuk, com aval do presidente Roberto Domit e demais membros e aprovação do prefeito Eliseu Mibach, mulheres de Porto União, União da Vitória e região vem recebendo lugar de destaque como pioneiras na construção social, cultural e filantrópica do lugar onde habitaram, trabalharam e constituíram famílias, cujos descendentes ainda estão entre nós. A praça tem uma característica dinâmica, ou seja, recebe a cada ano, em seu mural, em torno de 25 nomes de mulheres que tiveram flagrante participação na vida de nossa região. São trabalhadoras das mais variadas áreas e seus nomes são elencados em reuniões da Alvi para serem biografados. A cada ano, após a escolha destes nomes, sob coordenação da acadêmica Leni Trentin Gaspari – autora, entre outras produções, de Imagens femininas nas Gêmeas do Iguaçu nos anos 40 e 50, de 2005, sobre as primeiras professoras da Unespar e, mais recente, em 2020 (publicada em plena pandemia), As parteiras e seu ofício de aparar bebês, ambos publicados pela Editora Kaygangue, – que organiza e registra a lista das homenageadas, cada membro pesquisa e escreve sobre uma pioneira. A história de cada mulher é escrita com base em relatos de sua família, como também sob pesquisa em publicações sobre sua vida e atuação na área a que se dedicaram. Escrito o texto biográfico, submete-se o mesmo à validação da família de cada biografada e, havendo o aceite das informações ali descritas, o texto é encaminhado para a Secretaria da Cultura do Município de Porto União, que o insere em seus arquivos. Após isso, as histórias das mulheres podem ser acessadas por meio de QRcode existente no centro do Mural da referida praça. Em torno deste código estão dispostas placas com os nomes das mulheres pioneiras e assim a contribuição de cada uma pode ser conhecida por seus concidadãos e beneficiários.
Em 08 de março deste ano, mais 23 pioneiras tiveram seus nomes lá inseridos. Quisera eu ter alcance para nomear e destacar aqui cada nome destas pioneiras, mas acredito que mais rica será a experiência de ir até a praça para conhecer suas histórias. Assim, a administração Municipal de Porto União, em conjunto com membros da Academia de Letras do Vale do Iguaçu fazem justa e criativa homenagem a quem tanto devemos: mulheres exemplos de dedicação à causa familiar, profissional, social, educacional, filantrópica e cultural de nossa região. A elas, nosso tributo e agradecimento!
Maris Stela da Luz Stelmachuk
- Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu, ocupante da
Cadeira 16, cujo patrono é
Alvir Riesemberg.
- Situada à rua Prof. Hilário André Dezordi, 23, no Bairro São Pedro,
em Porto União – SC.