REMINISCÊNCIAS

Outros contos.

Era uma tarde de outono, o dia havia sido quente, o sol que agora se recolhia majestoso, produzindo espetáculo inerrarável, colorindo o firmamento de todas as cores.
Costumeiramente no entardecer os amigos vizinhos, se reuniam à frente da casa, no passeio público, para tomar chimarrão e contar histórias, muitas delas inverdadeiras.
Nessa tarde, a conversa seguia animada, quando observei que se aproximava pessoa desconhecida que trazia no semblante tristeza, desânimo. Levantei do banco que estava sentado ainda com a cuia de chimarrão às mãos, interceptei-o, inquirindo-o e convidando-o a tomar um “mate”.
“Boa tarde.”
“Tudo bem? Como vai? Sente-se e tome um “mate” conosco.”
O então passante olhou-me, o semblante espremia tristeza, aflição, desânimo. Vinha numa marcha cadenciada, alheio ao resto do mundo. Parou, olhou a cuia de chimarrão em minhas mãos, mirou o banco que estava vago, balançou a cabeça concordando e sentou-se.
Suguei o mate até o fim, quando roncou ao final enchi a cuia com a água quente da chaleira própria para a mateada e ofereci ao ora visitante que aceitou incontinente.
Sentar e tomar mate juntamente, implica em possibilitar a inquisição sobre tudo o que aflige o convidado. Essa oportunidade de saber da vida dele não poderia ser desperdiçada. Inquiri-o:
“Então, mora aqui por perto? Está tudo bem?”
Olhou-me o cidadão convidado e, apertando os olhos disse:
“Não, hoje me aconteceu tudo o que não poderia acontecer: perdi tudo o que tinha, tudo o que mais amo.”
E continuou:
“Hoje pela manhã chegou um desconhecido lá em casa.”
“Conversamos, mateamos, contamos causos.”
“Minha mulher serviu o almoço, almoçamos e no começo da tarde o desconhecido foi até a cocheira que tenho atrás da casa, pegou meu cavalo, animal de raça, de valor inestimável.”
“A minha cela de prata, os arreios, o cavalo, tudo o desconhecido se apropriou. Como era bonito meu cavalo…”
“E sob minhas vistas, montou no cavalo, minha mulher na garupa, galopou rua a baixo, fiquei vendo desaparecerem no horizonte.”
“Há coisa mais triste que isso?”
Fiquei sem saber o que dizer. Depois de algum tempo, comentei:
“Perder a mulher é muito triste, inconsolável.”
O visitante olhou-me, sugou o mate que roncou, devolveu-me a cuia, agradeceu e antes de se retirar disse:
“A mulher ele pode ficar, mas me devolva o cavalo.”
E foi-se embora, jamais o vi novamente.

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