PSICOLOGIA PARA HOJE
Assédio moral no trabalho

Situação comum que ocorre na vida laboral é a prática de assédio moral em contexto profissional. A pessoa assediada sofre, mas nem sempre percebe que está sendo vítima deste tipo de violência, muitas vezes sutil, mas recorrente, intimidadora, constrangedora, raiz de muitos males psicológicos e físicos pela repetição e impotência que sente diante do poder arbitrário que ela inclui.
Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) informam que, somente em 2021, foram ajuizados, na Justiça do Trabalho, mais de 52 mil casos relacionados a assédio moral e mais de três mil relativos a assédio sexual em todo o país, provando que tais violências são numerosas no mundo do trabalho. Mais de 24 mil ações sobre assédio moral e sexual ingressaram no TRT-4 entre 2019 e 2023.
O termo assédio do Latim adsedere significa sentar-se em. Originalmente “assédio” se referia aos cercos militares a cidades e fortalezas, ou seja, ao assediar uma cidade, os atacantes metaforicamente “sentavam junto” dela.
O assédio moral é uma forma de violência na qual há perseguição insistente a pessoa ou grupo específico, afetando sua paz, dignidade e liberdade. Esta forma de violência se manifesta por meio de exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada.
As situações que caracterizam assédio incluem a retirada da autonomia da pessoa assediada, contestação frequente às suas decisões, sobrecarga ou retirada do trabalho que lhe compete ou não atribuição de atividades, de modo a deixá-la sem tarefas a cumprir, situação que provoca sensação de inutilidade e desimportância. Também caracteriza assédio moral o ato de ignorar a presença da pessoa, lhe passar tarefas consideradas humilhantes, ameaças constantes de demissão, apelidos depreciativos, falar-lhe em tom desrespeitoso, criticar e invadir sua vida particular. Cada vez mais comum é envio de mensagens, sobretudo de voz, pelo whatsapp, fora do expediente, a fim de manter controle sobre o assediado. Outra forma utilizada é a de promover, por meio de listas de e-mail, mensagens em grupos em redes sociais virtuais, advertências ou reprimendas públicas, sem necessariamente nominar o destinatário, mas tornando possível a identificação de a quem se dirige o recado.
Este tipo de violência custa caro, é perigoso e não pode ser negligenciado. Ela manifesta-se em diferentes esferas de convívio. O assédio vertical descendente é aquele em que o assediador é superior em hierarquia ao assediado. Outro tipo é o assédio moral ascendente, no qual funcionários constrangem e expõe superiores hierárquicos. O horizontal acontece quando um grupo assedia um de seus membros, da mesma posição hierárquica. Também acontece o assédio misto, ou seja, horizontal e vertical praticado por superiores e também por colegas. Neste tipo a agressão começa com um autor, que contagia os demais. Existe ainda o assédio organizacional, em que a própria organização é autora e o incentiva ou tolera por omissão ou negligência. Isto se vê na utilização de estratégias organizacionais desumanas para melhorar a produtividade, onde há cultura institucional de humilhação, controle e ameaça.
Do ponto de vista psicológico, o assédio moral é um tipo de relacionamento abusivo, no qual há reciprocidade entre os participantes. Longe de ser uma reciprocidade consentida, ela é inconscientemente praticada. Se caracteriza pela complementaridade simétrica e recíproca entre um sujeito que se submete ao sofrimento que o outro, o agressor, lhe causa.
Quanto às vítimas e agressores neste tipo de violência reconhece-se o sujeito vítima pelo comportamento submisso, tenso, emoções retidas, o que gera angústia e impotência para encontrar saída. Entendem que se não se submeterem podem perder o emprego. O sujeito agressor é tão inseguro em sua vida emocional quanto a vítima, mas camufla sua insegurança abusando do poder e de pretensa superioridade. Atribui culpa deste tratamento à vítima, a fim de validar sua agressão, gerando reciprocidade. Mas onde entra a reciprocidade se há quem sofra e quem imponha sofrimento para que esta violência aconteça? Para entender esta perversidade tomemos o funcionamento sadomasoquista nas relações, fundamentada pela Psicanálise. A estrutura psicológica sadomasoquista revela que para que haja um sádico, é preciso que haja um masoquista que o complemente. Em ambos há imaturidade e fragilidade psicológica, na qual o sádico compensa sua insegurança e sentimento de inferioridade agredindo. Por seu turno, o masoquista cede espaço para o agressor, dando a ele poder, por temer ser punido ou ainda mais agredido se não ceder. Um retroalimenta o outro.
As consequências desta dialética causam danos à dignidade e à integridade do indivíduo vítima, colocando em risco sua saúde psicológica, física, laboral, social, prejudicando também o ambiente de trabalho, seja pela diminuição de rendimento do assediado, que se inibe, seja pelo temor de quem convive com isso em ser mais uma vítima. Os sentimentos de dor, menos valia e humilhação vão se acumulando no mundo interno da vítima, gerando consequências em diversas áreas de sua personalidade. Na área afetiva gera tristeza, raiva, culpa, hostilidade, perda de propósito de vida, desconfiança das pessoas e afastamento social e até mesmo auto-reprovação. Na área cognitiva gera lentidão no pensamento e dificuldade de concentração. As reações somáticas são claras e derivam das relações entre estresse e doenças músculo esqueléticas, cardíacas, digestivas, cardiovasculares, distúrbios de alimentação e do sono, com perda de energia e baixa estima, gerando condições para comportamentos pouco saudáveis, como abuso de álcool e drogas lícitas e ilícitas.
Pode-se dizer que na relação sadomasoquista aqui descrita, a vítima se esvai e o agressor ganha potência, situação que expõem um exemplo de fracasso da compaixão social e fracasso da inibição da crueldade. Em outras palavras, o agressor saboreia a dor do outro como prazer.
A dificuldade em tomar consciência de que está sendo abusado e romper com isso é comum, pois quem realiza os atos abusivos possui domínio sobre a vítima, o que a faz buscar ainda mais tentar atender suas exigências, contexto que incentiva o agressor a agir ainda mais sadicamente.
Para sair deste tipo de relação é importante procurar suporte afetivo e social com a família, amigos e colegas, mas, a busca por ajuda psicológica é essencial para a construção e fortalecimento de recursos pessoais para libertar-se da passividade e reciprocidade com o agressor. A vítima deve procurar falar com o agressor, caso haja condições de diálogo, lhe expondo como se sente com esta situação. Não sendo possível, evitar falar-lhe a sós, para evitar distorções aumento de exposição e desrespeito. Outro meio é procurar a ouvidoria e Recursos humanos da empresa, solicitando mediação para solucionar o problema, como também busca de apoio jurídico com profissionais devidamente habilitados. Outra forma de apoio pode vir do contato com serviços especializados em Engenharia de Segurança e Medicina doTrabalho e com a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).
A importância na busca de apoio para reparação de danos e fortalecimento pessoal da vítima está também no combate ao agressor e contexto assediador da empresa, prevenindo que esta cultura descuidada e sádica continue a atinjir mais pessoas. Com isso, fortalecida, a antiga vítima pode contribuir para uma relação mais saudável e colaborativa no ambiente de trabalho.
Para saber mais consulte a cartilha publicada pelo Superior Tribunal do Trabalho:
https://www.tst.jus.br/documents/10157/55951/Cartilha+ass%C3%A9dio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457
Acesse também:
https://www.assediomoral.ufsc.br/
Por Maris Stela da
Luz Stelmachuk
Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu, ocupante da Cadeira 16, cujo patrono é Alvir Riesemberg.