A despolitização enfraquece o processo civilizatório, assim como, fomenta e potencializa a barbárie. O crescente desinteresse da política, de uma parcela importante da população, tem se manifestado não apenas nas urnas, mas também ao longo de todo o processo de debates que a política exige. O cidadão despolitizado, não contribui para que a sociedade se fortaleça no processo civilizatório. Não adianta ser contra a corrupção ou querer combater a corrupção fora das decisões políticas. A ideia do herói justiceiro estilo lavajatista, é antes de tudo, o primeiro sinal claro do estabelecimento e fortalecimento da barbárie.
Em todo processo decisório, a dimensão política exerce um papel fundamental. Tudo o que parece normal e propositivo fora da política, nos conduz a barbárie. Se, por um lado, o processo civilizatório se caracteriza pela ordem social, através do uso de leis e normas morais e éticas que ajudam a regular o convívio entre os indivíduos, por outro lado, a barbárie e sua dimensão anticivilizatória, consiste no estado de caos e desordem, quando não há uma cultura ou um padrão de convívio entre os indivíduos, tornando-os seres cruéis, violentos e ignorantes. Exemplo disso, não faltam no Brasil contemporâneo, principalmente os eventos golpistas e terroristas do dia 08 de janeiro, servem como exemplo concreto do processo anticivilizatório em curso.
Despolitizar, é gerar desinteresse pela participação cidadã e fomentar a letargia política. É reduzir o ato de cidadania ao mero voto, anulando a participação cidadã nas decisões abrangentes do fazer da política. Para as professoras e pesquisadoras Ana Penido e Suzeley Kalil:“A despolitização da política é algo bastante antigo no Brasil – é bom lembrar que este foi o grande mote da campanha de Fernando Collor, em 1989. E essa despolitização da política, e satanização dos políticos, é principalmente alimentada pelos partidos e organizações de direita ou conservadores, incluindo especialmente a imprensa, buscando reduzir a cidadania ao mero voto”. O processo de naturalização da barbárie exige tempo e opera mediante discursos e ações disseminadas sejam por figuras pertencentes ao quadro da política ou fora dela.
Nos últimos anos, no Brasil, testemunhamos com força, as consequências nefastas da despolitização. Por um lado, o cidadão despolitizado, é um zumbi apreciado e defendido pela elite política corrupta e corporativa. Neste sentido, quem se beneficia com a passividade e a negação da Política, são os políticos profissionais, acostumados a manter seu status quod com força desde a inoperância do cidadão. Por outro lado, a despolitização, naturaliza a barbárie, fazendo surgir mitos e lendas que fomentam e disseminam os antivalores do processo anticivilizatório como virtudes.
Certamente, a despolitização, fortalece o discurso de ódio, fomenta a violência e estrutura a base do fascismo na atualidade. Para o professor Rodrigo Karmy Bolton doutor em Filosofia pela Universidade do Chile:“O fascismo não tem reis, e sim “líderes” (führer ou duce) que não só exterminam a sua oposição, mas também pretendem ser miseravelmente amados pelos seus povos. Os “líderes” querem ser amados, e, em efeito, os povos os amaram por algum tempo, na medida em que o problema do “líder” fascista não foi simplesmente reprimir, mas também fazer as massas participarem na reedição do mito histórico. Mito que marca o lugar do gozo soberano, o punctum da violência sacrificial em que se baseia toda a sua lógica”. Urge a necessidade de que o cidadão volte a se politizar para construir uma consciência ativa e crítica em prol dos direitos individuais e coletivos. Abandonar as armadilhas das redes sociais, que o torna inoperante, e voltar a ocupar o espaço de debates concreto que a Política exige. Pelo contrário, a minoria que enaltece a barbárie, continuará disseminando o poder da violência e do discurso de ódio, como arma de desconstrução social e como bandeira de patriotismo.
Segundo Marcos Aurélio Nogueira: “Um cidadão politizado é capaz de compreender o quadro político-institucional do País e seus problemas, agindo civicamente em consonância com esse entendimento, o que o leva a se posicionar contra ou a favor de determinadas propostas. Ao assim atuar, ele ajuda a ampliar o esclarecimento dos demais cidadãos. Politiza-se um grupo, por exemplo, quando se busca sensibilizá-lo para que adote uma perspectiva crítica diante do mundo. Uma discussão “despolitizada” é um exercício empobrecido, sem densidade cívica, burocratizado”. O dilema consiste, na atual conjuntura histórica, em contrapor civilização a barbárie.
Não é um exagero, afirmar, que o processo de despolitização em curso no Brasil, busca gerar uma homogeneização do quadro político brasileiro desde a perspectiva da barbárie. A despolitização, neste sentido, se dá dentro de um processo histórico lento e ela representa um processo muito perigoso, que pretende destruir a mesma Política e com ela substituir o poder do diálogo e da negociação, pela marca funesta da violência e a imposição de uma ordem artificial e contrária à soberania popular.