PROJEÇÕES DA HISTÓRIA

Caiçara

Escrevo essa coluna em uma tarde chuvosa de agosto de 2023, defronte a meu notebook apoiado em uma mesa pertencente ao Acervo e Centro de Pesquisa Histórica de União da Vitória, projetado e organizado ao longo dos últimos dois anos. Quanta diferença para aquela primeira semana de outubro de 2015, quando pela primeira vez tive o prazer de escrever para o jornal Caiçara! Então, recém-chegado ao vale do Iguaçu, eu pouco conhecia de sua história, seu povo e sua sociedade. Animava-me apenas o desejo de seguir ativo na tarefa de escrever publicamente como já havia feito, algumas poucas vezes, para os órgãos de imprensa da cidade de onde eu provinha. Chegava para assumir função em uma instituição nova, ainda sem sede definitiva, e buscava meios de manter a redação afiada já antecipando que o novo emprego tornaria tal exercício algo bem mais raro. Claro que o tema da projetada coluna deveria ser história, minha paixão, mas também aquilo que a ela se relacionasse: política, economia, cultura, esportes… tudo, em uma palavra – pois que é a isso que a história se refere: tudo. Foi com esse espírito que procurei Jussara Leite, colega de campus e natural da terra, para indagar sobre o conhecimento de alguém que pudesse me proporcionar tal espaço, de modo gratuito. Daí para a apresentação ao hoje amigo Delbrai, em um gesto de extrema generosidade, foi um pulo. Iniciadas as redações e publicações, cá estou escrevendo, novamente, quase oito anos depois.
Devo confessar que, quando publiquei o primeiro texto de minha coluna, nada sabia acerca do Caiçara. Desconhecia sua origem oriunda da revolta com o estupro e morte de uma menina de quatorze anos, lá nos idos da década de 1940. Nada sabia acerca das décadas de publicação ininterrupta e, tendo conhecido pessoalmente Lulu Augusto em dois breves encontros, nem suspeitava da grandeza daquela com quem eu tive a honra de conversar. Neófito. Ignorante, no sentido mais exato do termo. Claro que, recém-chegado, não tinha como eu saber. Mas hoje sei; e esse fato demonstra um pouco da dimensão das transformações ocorridas em tão curto espaço de tempo.
Tão logo cheguei a Porto União da Vitória, me pus a estudar sua história. Afinal de contas, sendo historiador e tencionando ensinar sobre fatos passados e sua relação com os dias presentes, não é nada mais que minha obrigação conhecer a trajetória da sociedade que me recebe. Como eu poderia, afinal, ensinar algo que eu desconheço? Impensável. Me pus a buscar fontes literárias. Rapidamente formei uma pequena biblioteca. Passei à leitura. O assombro foi quase imediato: quantas passagens incríveis! Tantas que me furtarei a citá-las nessas poucas linhas; basta que o amigo leitor saiba que, nascido em São Paulo, uma cidade muito maior, rapidamente me convenci da grandiosidade da trajetória histórica das chamadas Gêmeas do Iguaçu. A essa primeira surpresa, rapidamente sobreveio outra: tal conhecimento permanecia relativamente desconhecido à imensa maioria da população. Fonte de grande prazer intelectual para mim, a história do Vale do Iguaçu bem poderia ser importante guia na resolução de uma característica de sua sociedade que também rapidamente identifiquei, e que foi, inclusive, tema de análise nessa coluna: sua notória baixa estima. “Mas o que diabos você veio fazer aqui?”, é a pergunta que ainda ouço ocasionalmente – menos do que em 2015, contudo. A história de Porto União da Vitória, ainda por ser conhecida e, em larga medida, escrita, poderia servir como instrumento poderoso de construção de uma identidade local que eu ainda não tinha conseguido localizar. Que significava morar às margens do Iguaçu? Por que razão os fatos passados mais lembrados e comentados eram majoritariamente tristes – os conflitos do Contestado, as numerosas enchentes – mesmo com tantas passagens interessantes e positivas para serem conhecidas? A coluna que o amigo agora lê representou a primeira ferramenta da qual lancei mão com o objetivo de, popularizando a história da região, oferecer aos seus moradores a oportunidade de se reencontrar com seus antepassados e, dessa forma, consigo mesmos.
De lá para cá, muita coisa mudou. Um Acervo Histórico foi constituído em uma saleta da biblioteca do campus do Instituto Federal do Paraná, em 2016, e cinco anos depois recebeu um espaço muito maior e mais equipado, no histórico prédio da Estação Ferroviária. O apoio da Prefeitura Municipal, através de sua Secretaria da Cultura, foi crucial para tal conquista. Às vésperas de me afastar temporariamente da cidade para me dedicar totalmente a uma pesquisa na qual trabalho há quatro anos, constato que a trajetória histórica de Porto União da Vitória já não é mais tão desconhecida, graças às ações conjuntas com o Museu Histórico Aniz Domingos – outro marco no processo de popularização da história, inaugurado em 2021 – e ao poder de difusão das redes sociais, as quais contam, em conjunto, com mais de mil seguidores interessados em suas origens. E tudo isso começou aqui, no Caiçara, com essa humilde coluna que também cresceu, se transformou, e permanece. Transformações políticas, econômicas, sociais e pandêmicas não foram capazes de diminuir o impacto desse jornal insubstituível na promoção do debate acerca das coisas da nossa gente, mas, também, do país e do mundo. Que essa data inaugure mais uma era de crescimento e sucesso! Ao Caiçara, ao amigo Delbrai e a todos que colaboraram para que chegássemos a mais esse aniversário, direciono o meu mais sincero e emocionado agradecimento. Até a próxima!

Clique para comentar
Sair da versão mobile