PSICOLOGIA PARA HOJE

Mas o que é, mesmo, o feminismo?

Falar de feminismo é falar de um termo controverso. Ele é carregado de estigma por aqueles que não têm conhecimento dos benefícios que ele vem trazendo para a sociedade. Feminismo não é oposição ao sexo masculino, equívoco recorrente, bastante conhecido e disseminado. Este equívoco se deve ao modo como é visto pelo senso comum que parece desconhecer as grandes contribuições que este movimento social e político vêm trazendo para a sociedade. Este desconhecimento, na prática, é irreal, pois todos sabem que muitos avanços sociais são produto deste movimento. Após muitos anos do início dos movimentos feministas no Brasil, ainda é notável a resistência quanto à identificação com o feminismo, mesmo por parte de pessoas alinhadas com suas causas, como a igualdade salarial entre homens e mulheres que realizam a mesma função, combate à violência contra mulheres e busca de igualdade de direitos, por exemplo. Em palavras de Bila Sorj, socióloga carioca, o feminismo é o movimento político mais bem sucedido em termos de mudanças de comportamentos do século XX se comparado com outros movimentos como o fascismo, nacionalismo e comunismo, mas ainda é alvo de preconceitos. Compartilho inteiramente com esta afirmação, pois sem pretender tomada de poder, o feminismo desencadeou mudanças que vem se processando em variadas áreas do conhecimento, que resultaram em divulgação de ideias e mudança de leis, tudo isso sem o uso da força e violência.
Importante é assinalar que o feminismo não é um movimento com adesão exclusiva de mulheres, mas dele participam homens que tem visão alinhada com os objetivos da busca de igualdade de direitos, para a promoção dos direitos humanos. Pesquisas científicas na área da sociologia, psicologia e outras disciplinas das Ciências Humanas muito têm contribuído para o questionamento, crescimento e estabelecimento da igualdade social e política, reivindicadas por este movimento. Obviamente a igualdade de sexos nunca existirá, mas a construção da igualdade de direitos é motivação e fonte de mais pesquisas e meios para que esta igualdade cada vez mais se configure. Possivelmente pelo inusitado e inesperado, mas certamente indesejado movimento de acesso aos espaços antes de dominação masculina que suscitou ameaças e temores em seu meio, mulheres que desafiaram práticas hegemônicas excludentes são associadas com mulheres raivosas, radicais. Importante é não confundir manifestações agressivas, imaturas e incongruentes, com feminismo, movimento, cuja causa é o crescimento humano igualitário e não a promoção de discórdia entre pessoas por motivos particulares. Este tipo de equívoco e visão limitada sobre o movimento feminista está ainda presente na fala de pessoas que iniciam seus discursos afirmando que não são feministas, mas reconhecem as conquistas sociais e políticas que ele vem atingindo. Estas conquistas se evidenciam nos avanços e evolução de práticas sociais, ainda que não suficientes rumo ao igualitarismo que buscam. E não são poucos estes avanços.
A importância e valorização dos seres humanos atuando em conjunto, independente de sexo e gênero, sem discriminação são essenciais para a humanização de modos de vida que promovam cada vez mais desenvolvimento social e cultural.
O sentido que se atribui à presença feminina em todos os âmbitos sociais e culturais, é de viabilização de igualdade entre os seres humanos, objetivo primeiro dos movimentos feministas que reverteria em visibilidade feminina em termos igualitários à masculina, nas esferas familiar, social, política, econômica e nas relações de trabalho. Com base neste processo evolutivo e civilizatório, nasce a possibilidade de mudança na forma como se constitui nossa subjetividade que atua no modo como sentimos, pensamos e agimos. O crescimento humano em direção a formas mais evoluídas de relacionamento social viria da desconstrução da ordem patriarcal e capitalista e seus modelos de organização e produção, que estão na base de práticas laborais, sociais, culturais excludentes. Essa desconstrução possibilita atuar contra forças de opressão que escravizam pessoas, homens e mulheres. Desejável pelo feminismo e movimentos sociais de matriz igualitária é o encaminhamento humano para uma sociedade em que todos contribuam com todos, promovendo a libertação, a igualdade, a realização dos ideais preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para isso, fundamental é que se enfraqueçam cada vez mais práticas que dicotomizam e hierarquizam pessoas ainda tão fortes em tempos atuais.
Desde os primeiros anos do século XX, mulheres vêm experienciando a abertura social e cultural que propicia sua atuação para além dos espaços domésticos a partir da modernidade. Em vista disso, sensações e percepções de estranhamento ocorreram. As motivações desta transformação social se deram por necessidade de trabalho e remuneração. Muitas pareceram não terem se dado conta da importância e dimensão desta transformação social em suas vidas pessoais, como movimento revolucionário, mas passaram a ver estas repercussões quando viram o fato revelado no social, na ampliação da presença de outras mulheres em meio antes ocupados somente por homens. Assim, seu reconhecimento como seres produtivos – que sempre foram – passa a ser visível com sua forte inserção no mercado formal de trabalho. Se hoje lemos este jornal, cuja primeira edição data de 12 de agosto de 1953, foi porque uma mulher, sua fundadora, Maria Daluz Augusto, acreditou e agiu trazendo sua contribuição para a divulgação de notícias e abrindo espaço para muitas pessoas receberem informações. Teria ela pensado em feminismo? Ou simplesmente acreditou em si, pessoa humana, e em seu potencial para contribuir com o florescimento do jornalismo? E outras pioneiras já homenageadas em artigo anterior que hoje figuram no Memorial Mulher, praça já mencionada nesta coluna? Seu próprio potencial as levou a contribuírem de modo significativo para a sociedade, o que fez com que o feminismo viesse a dar visibilidade às suas contribuições, alavancando a busca por direitos e igualdade aqui e ao redor do mundo.
Em rápido olhar pelas conquistas do feminismo, podemos acompanhar uma linha do tempo que começaria em 1827, com a permissão da entrada de meninas na escola até 2021, com a criação da Lei 14.192/21, que busca prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, passando pela conquista do voto em 1932, direito ao uso de cartão de crédito, em 1974, igualdade aos homens pela legislação brasileira, em 1988, verificamos que muito já aconteceu. Este reconhecimento de direitos, validado pelas instituições, encontra forte barreira para existir de fato, pois as práticas sociais e modos de vida patriarcais ainda prevalecem em muitos contextos. A falta maior ainda está no modo cotidiano de tratamento às mulheres que vem de uma subjetividade impregnada por pretensa superioridade que vem do âmago de cada pessoa que ainda não processou subjetivamente que a humanidade é constituída igualmente por mulheres e homens. Esta marca do atraso se vê em piadas, assimetrias, desrespeitos praticados mesmo sem intenção e percepção, tal a profundidade da noção de hierarquia que contém. Há muito que escavar ainda nas profundezas inconscientes e psíquicas para que a função civilizatória possa vir a ser realidade experiencial e respeitosa a todas as pessoas.
Os objetivos do feminismo buscam e, aos poucos, vêm conseguindo resultados na reparação da injustiça que secundariza e mesmo invisibiliza a participação feminina na construção da sociedade. Não se trata de competição entre sexos, modo imaturo e sem propósito útil para lidar com este histórico, mas de validar os lugares ocupados pelos dois pilares da sociedade, da cultura, da civilidade: homens e mulheres. Uma construção fica inviável se construída sobre pilares desiguais. Assim, cada vez mais é importante o reconhecimento desta igualdade para a equilibração também psíquica de nossa percepção desta realidade e, cada vez mais, possamos vislumbrar o sonho civilizatório da igualdade de direitos em nosso mundo.

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