Na minha coluna de hoje, escreverei sobre um livro lançado no final do ano passado chamado O que sabemos sobre a linguagem: 51 perguntas e respostas sobre a linguagem humana (Parábola, 2022), organizado pelos linguistas e professores Gabriel de Ávila Othero e Valdir do Nascimento Flores, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O objetivo principal da obra é trazer a público a reunião de um grande conjunto de temas sobre a linguagem, temas esses, certamente, de grande interesse do público geral.
Como a linguagem humana é multifacetada, é natural que uma obra com meta tão ambiciosa traga diferentes olhares sobre o objeto. A Linguística, enquanto disciplina acadêmica e campo do conhecimento, faz interface com outras áreas do conhecimento, justamente porque não podemos compreender algo tão intrinsecamente humano apenas por um olhar naturalista ou apenas social, cultural e antropológico. Nas palavras dos organizadores: “essência do homem, espelho da alma, dom divino, meio de comunicação, condição de sociabilidade, marca de pertencimento a uma cultura, característica biológica da espécie, instinto, expressão estética, a linguagem é tudo isso e muito mais.” (p. 11)
Os capítulos são curtos, em torno de quatro a no máximo seis páginas, e são escritos por especialistas nos temas, oriundos das mais diversas universidades do país. Os autores e autoras tentam fugir do academicismo, sem simplificar a discussão dos seus temas, o que certamente contribui para facilitar o acesso do leitor interessado nas questões discutidas no livro. Esse é um dos grandes desafios da divulgação do conhecimento produzido na academia, comunicar as descobertas e estudos ao público mais amplo de forma clara e simples, sem descuidar do rigor científico.
Como são cinquenta e um capítulos, tomarei a liberdade de destacar alguns deles que mais me chamaram a atenção, e que julgo serem de interesse geral também. Como linguista, gosto de sempre estar a par das novidades no campo, e de dar uma espiada no que os colegas andam pesquisando, no que andam lendo, e sobre o que estão escrevendo. O livro vale também por esse acesso. Talvez para o leigo, as gramáticas escolares e dicionários disponíveis no mercado encerram todo o conhecimento sobre a língua portuguesa disponível. Mas não é assim. Nossa língua é apenas uma manifestação cultural particular dessa capacidade fantástica que temos de tirar nossos pensamentos da mente e torná-los públicos, seja através da fala, dos gestos (no caso das línguas de sinais) ou da escrita.
Sobre o português, em particular, há capítulos interessantes, como “por que falamos português no Brasil?”, “quantas línguas são faladas hoje no Brasil?”, “o português brasileiro é uma língua diferente do português europeu?”; e embora seja um tema geral, o capítulo que responde à questão “as reformas ortográficas são necessárias?” também é de interesse do público brasileiro, já que passamos recentemente por uma reforma nas nossas convenções ortográficas, e esse tema costuma gerar discussões.
Já sobre a linguagem encarada de maneira específica, há capítulos que tocam em questões que para o público geral não são muito evidentes, mas que o cientista se defronta com elas em algum momento. “O que é uma língua?” e “o que é uma palavra?”, “o que é gramática?” são exemplos dessas questões que há muito os linguistas lutam para responder. Como outras, que tocam em temas que o leitor já deve ter parado para pensar em algum momento, como “por que as línguas são diferentes?”, “como são criadas as palavras novas de uma língua?”, “a fala é diferente da escrita?”, “é mais difícil aprender uma língua depois de adulto?”, “como adquirimos nossa língua materna?”. Em relação a essa última questão, tendemos a crer que ensinamos as crianças a falar, mas os estudos nos mostram que a realidade é bem diferente.
Já em relação a temas de interface com outras áreas, há capítulos sobre a relação da linguagem com as ciências da computação e a tecnologia (“qual é a relação entre o computador e a linguagem?”, “o que é reconhecimento de voz?”, “como funciona um tradutor automático?”), a relação da linguagem com a mente/cérebro e a biologia (“qual a relação entre pensamento e linguagem?”, “o que é dislexia?”, “como surgiu a linguagem?”), e ainda outros que discutem temas sobre a relação entre linguagem, sociedade, educação e cultura (“as mulheres falam diferente dos homens?”, “como se dá a aquisição da linguagem escrita?”, “qual é a melhor idade para aprendermos uma segunda língua?”).
É um livro que vem contribuir para essa feliz onda recente de publicações que procuram levar para fora dos muros da universidade as pesquisas desenvolvidas dentro dela. Muitos acreditam, ingenuamente, que por estar dentro das ciências humanas, os estudos da linguagem têm pouco a dizer sobre a tecnologia ou sobre a mente/cérebro. Nada mais equivocado.
O paradigma político, sociológico e antropológico estabelecido pelo lulismo abre espaço para pensar, refletir e questionar sua aproximação com a elite do atraso. No próximo artigo daremos continuidade.