BREVES HISTÓRIAS

Another day

Há uns dois meses recebi pelo whatsapp, de meu dileto amigo Caio Bona Moreira, um conto do escritor Haruki Murakami, que havia sido publicado na prestigiosa revista americana New Yorker. Minha mulher, Margarete, leu o conto para mim. Gostei bastante. No final de outubro comprei na Amazon o mais recente livro de Murakami, Primeira pessoa do singular e lá estava o referido conto, With the Beatles. Reli-o, ou melhor escutei-o em meu Kindle e gostei ainda mais. O aludido livro de Murakami não é exatamente um livro de contos, mas sim um livro das memórias do escritor.

Ao ler o conto, como o autor, lembrei de algumas meninas que conheci durante o período ginasial, época em que despertam as primeiras paixões. Elas são hoje avós e de algumas nunca mais ouvi falar e tampouco as vi. Caso específico de Marisa F., cujo sobrenome omito, pois pode ter casado com um homem ciumento e possessivo, embora tenhamos nos cruzado há cerca de 50 anos.
Mas vá saber. Volto daqui a pouco a essa história. Se o livro de Murakami remete ao álbum With the Beatles, de 1963, e, segundo disco da banda, fui buscar nos longínquos recônditos de minhas lembranças, um dia de 1971, quando eu estava na fila para entrar no Colégio Túlio de França meu colega, Mário Camargo, que estudava comigo, me perguntou: “Coxa, ouviu a nova do Paul McCartney”? Ele e todos os seus irmãos, assim como o pai, Antônio Bittencourt de Camargo, que havia sido presidente do Atlético Paranaense, eram torcedores fanáticos do Furacão e é claro, sabiam que eu torcia pelo Coritiba, daí o Coxa.
A música em questão era a bela Another day e eu já a havia escutado, o que comentei com ele, que também havia gostado dela.
Entretanto, não consigo lembrar de nenhuma garota que na época falasse de música comigo. Mas preciso mencionar que, extremamente tímido, nunca havia conversado com nenhuma menina. Acho que nunca o fiz durante o período ginasial. Se bem me lembro, a primeira menina com quem conversei sobre música, fora as minhas primas, foi Malu Longhi, que conheci por meio de minha então namorada, Sônia Carneiro. Isso só aconteceria em 1974, quando eu já estava com 16 anos e começava a deixar para trás minha introversão. No final de 1975 eu conheceria, separadamente, duas meninas que estudavam no Santos Anjos e que gostavam de música e ambas eram irmãs de amigos que eu acabara de fazer. Nesse momento meu acordo com a timidez estava desfeito, eu finalmente a havia deixado para trás. Provavelmente a música havia me ajudado, o que na época nem percebi, porque da noite para o dia deixei para trás a tal da timidez. Até hoje não sei como isso aconteceu, mas aconteceu.
Ah não posso deixar de mencionar Eli Kulicheski, talvez minha primeira amiga. Eu a conheci no final de 1974, no Salão de Beleza de sua tia, Iracema Kulicheski, onde eu cortava o cabelo. Eli morava em Francisco Beltrão e passava as férias aqui em União da Vitória na casa de seus tios. Era descolada, rock´n roll e claro, gostava de música. Ficamos amigos no ato.
Mas ainda com inspiração murakamiana, volto a Marisa F. de quem falei anteriormente. Nós estudávamos na mesma sala no Túlio e acho que em 1972, eu com 14 anos e ela provavelmente com 13, começamos a nos olhar. Ela deve ter sido a primeira menina para quem olhei e por quem fui olhado. Ela era castanha clara e muito pálida e eu a achava linda. Foi minha primeira paixão e creio que ela também gostava de mim, tal era a troca de olhares. Mas, como eu estava no auge da timidez, nada de falar com ela e nem contava nada para meus amigos. Como naquela época a iniciativa era totalmente dos meninos, as meninas tinham que se limitar a esperar e a esperar.
Um dia, imagino que ela cansada de aguardar, lançou mão de um já clássico subterfúgio, ao passar por mim, derrubou um lenço e eu, paralisado pela timidez, não o juntei. Creio que ali foi o fim de nosso romance que nunca aconteceu. Ela certamente me achou um idiota e eu com vergonha de minha covardia não a olhei mais. Terminamos sem nunca nos falar. Coisas da juventude e da timidez que às vezes se impregna em nós e dela custamos a nos livrar.
Obrigado meu querido amigo Caio, obrigado Murakami, por me fazerem voltar 50 anos no tempo.

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