MEMORIA E DISCURSO

Então, é Natal! O Jesus histórico e o Cristo da Fé! *

O teólogo espanhol Jose Antonio Pagola, dedica sua vida intelectual em fazer pesquisas sobre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Desde estas pesquisas batalhou para revelar a cristiandade o verdadeiro rosto de Jesus e desmistificar os mitos criados pelo fundamentalismo religioso e principalmente combater os “malandros” da fé, que se aproveitam desde um discurso moralista e moralizante em apresentar um Jesus “jagunço”, “intolerante”, um Jesus inexistente desde uma religião que fabrica preconceitos e alimenta divisão. O verdadeiro Jesus encontra-se vivo e presente na manjedoura da humildade.

Aliás, o cristianismo como religião, tem desfigurado a imagem humana e divina de Jesus. Alguns, utilizam a imagem humana de Jesus para fazer um recorte inexistente, caricato, fantasioso. Já, por outro lado, religiosos, padres e pastores, exageram desde a imagem divina de Jesus para fundamentar seus discursos oportunistas da fé, insistindo num Jesus divinizado desde a postura moral, farisaica e não poucas vezes doentia. Jose Antonio Pagola busca desmistificar a ideia e o discurso dos fundamentalistas religiosos desde a pesquisa teológica para oferecer uma aproximação mais histórica e real de Jesus de Nazaré. O Jesus de carne e osso, sem deixar de lado a sua divindade. O Jesus humano e o Jesus divino, não pode ser separado seja por oportunismo discursivo ou por puro fanatismo que alimenta a ignorância e deturpa o verdadeiro rosto de Deus.

Segundo o teólogo espanhol: “Os primeiros seguidores de Jesus não se sentiam membros de uma nova religião. Eles não se sentiam membros de uma instituição, mas sim homens e mulheres que descobriram um novo caminho para viver. Na Carta aos Hebreus, um escrito que circula em torno do ano 60 e que foi recolhido no Novo Testamento, fala-se de um caminho novo e vivo, inaugurado por Jesus, que é preciso percorrer com os olhos fixos nele”. Por um lado, o Jesus histórico e o Cristo da fé são os modelos perfeitos a serem seguidos. Ele, não se apresenta como um moralista, nem um pregador fanático e menos ainda um profeta apocalíptico. A característica mais profunda do Jesus histórico e do Cristo da fé é a compaixão, a acolhida, o amor pela justiça e a defesa incondicional dos pobres, dos marginalizados. Por outro lado, é doloroso ouvir os discursos religiosos nas igrejas cristãs para perceber a distância abismal em que muitos pastores e pregadores vivem do Jesus real. Jesus não cobrava pedágio para acolher, amar, perdoar, humanizar. Jesus não cultuava moralismo de índole “ideológico”, Jesus nunca “fez arminhas”, não se importava com questões de gênero, nem perguntava o estado civil das pessoas para oferecer as graças gratuitas de Deus. Nos templos católicos e evangélicos, é profundamente contraditório a presença de regras para tudo, até para ser amado por Deus, o crente tem que pagar “pedágio”, muitas vezes até ser humilhado por líderes religiosos inescrupulosos que se aproveitam da fé e da bondade das pessoas simples. Já parou para pensar você caro leitor, como se sentiria Jesus entrando numa dessas igrejas nos dias atuais, em que o mercantilismo da religião obscurece o lado mais profundo do Jesus histórico e do Cristo da Fé.

Segundo Pagola, é importante redescobrir o sentido de ser cristão. Seguir Jesus é diferente que ser “pomba” de igreja. Seguir Jesus é descobrir a dimensão libertadora do amor gratuito de Deus: “Não basta se sentir adepto de uma religião chamada de cristã, mas é preciso descobrir o caminho aberto por Jesus e ser seu seguidor. Hoje, muitos de nós vivem dentro da Igreja e se sentem cristãos sem ter tomado a decisão de ser discípulo. Fazemos o percurso sem sermos guiados pelas suas atitudes fundamentais e pelo estilo de vida. Jesus pode ser hoje uma figura humanizadora, que ensina a viver, tanto as pessoas que se sentem cristãs, como aquelas que não se sentem assim. E isso ocorre em um momento de crise, não só religiosa. Vivemos uma “omnicrise”, e parece que não estamos acertando em alguma coisa”. A oferta “fantasiosa” de um de Deus “mercadológico” que muitos religiosos oferecem atualmente, não condiz com a gratuidade do amor de Deus. Deus não cobra “pedágio” para batizados, nem existe tabela de ofertas para ganhar um terreno no céu. Deus, jamais se empodera no discurso moralista de pastores e padres, que pedem “gorjetas” em seus sermões e homilias. Deus está ausente nos lugares em que os pobres são explorados em sua boa-fé, quando os pobres são induzidos a fazer “arminhas” nas marchas para Jesus. Deus não cobra “gorjeta” para amar o ser humano. Deus não rotula ninguém. Deus não faz aliança com os “jagunços da fé e da moral cristã”. Compreender a dimensão real, humana e divina de Jesus é fundamental para abraçar um cristianismo verdadeiro. Neste sentido Pagola, destaca que o verdadeiro: “Jesus atrai, mas é perigoso, porque é muito radical. Se você se aprofundar na ideia de que os últimos serão os primeiros, ou que você não pode servir a Deus e ao dinheiro, a vida muda. Jesus é muito sedutor, mas arriscado. Como disse algum agnóstico, é difícil dizer que ele não tem razão”. Essa dimensão radical está ausente na maioria das vezes nos templos ou igrejas cristãs. Muitos estabelecimentos religiosos, são mais próximos de uma dimensão empresarial da fé, adoram oferecer curas e milagres mirabolantes. Muitos líderes religiosos oferecem milagres à custa de mentira e enganação. O que não falta no cristianismo contemporâneo é o sensacionalismo milagreiro que deturpa o verdadeiro rosto do Deus que se manifesta na simplicidade e no silencio.

O teólogo espanhol, ainda ressalta que: “O Evangelho tem algo muito forte, muito duro, que não cabe em nossa cabeça. A partir do primeiro Natal que houve na história, Deus já não é encontrado no forte, mas sim no frágil. Não é encontrado no grande, mas sim no insignificante. Não é encontrado no grandioso e no notável, mas sim no que não tem valor para ninguém. Não se trata de que o Evangelho representa um projeto niilista, inumano. Trata-se exatamente de todo o contrário. O Evangelho é a afirmação mais sublime do humano. Porque é evidente que aqueles que conheceram Jesus, o que viram e apalparam nele foi um ser humano”, essa novidade é constantemente esquecida pelos pop stars da fé, que preferem ostentar a figura farisaica ou em última instância incorporam em si o desejo devorador dos mercadores ou vendilhões do templo. Exemplos desta perversa realidade se multiplicam a cada dia.

Para o monge italiano Enzo Bianchi, a síntese completa para compreender o verdadeiro cristianismo, reside na vivência do amor: “O único preço que o cristianismo exige de nós para ser vivido e compreendido em profundidade é aquele do amor; aquele amor do qual cânone, regra, forma é o amor de Cristo. Crer e esperar a ressurreição é uma questão de amor, porque só o amor provocou a ressurreição de Jesus. Forte como a morte é só amor, mais forte que a morte foi o amor vivido por Jesus Cristo: é isso que nós cristãos deveríamos anunciar, com humildade e discrição, a todos”. O amor cristão, não condena. O amor cristão, não rotula, não alimenta preconceitos nem cultua discriminações. O amor cristão, não afasta, não julga, não explora, não engana. A essência do cristianismo é a paz e não o culto a guerra, a genocídios, a fome.
O Papa Francisco tem insistido na necessidade de conhecer o verdadeiro Jesus, e principalmente compreender os motivos que levavam as pessoas segui-lo, neste sentido ressalta que: “o povo seguia Jesus, porque era o Bom Pastor. Não era nem um fariseu casuístico moralista, nem um saduceu que fazia acordos sujos com os políticos e os poderosos, nem um guerreiro que buscava a libertação política do seu povo, nem um contemplativo do mosteiro. Era um pastor! Um pastor que falava a língua do seu povo, comunicava, dizia a verdade, as coisas de Deus: jamais as negociava! Mas as dizia de tal modo que o povo amava as coisas de Deus. Por isso O seguia.”.
É preciso combater a alienação que muitos líderes religiosos inescrupulosos, fundamentalistas, mercenários da fé, defendem em nome de Jesus, tornando a religião cristã um espaço deturpado e criminoso de um cristianismo comercial, muito comumente observados nos ambientes cristãos na contemporaneidade. A teologia fundamentalista e a teologia da prosperidade, não representa e nem representará o verdadeiro cristianismo. Muito pelo contrário, eles deturpam o verdadeiro rosto do cristianismo real. Por isso, Pagola alerta: “Um dos maiores riscos do cristianismo atual é passar gradativamente da ‘religião da cruz’ para uma ‘religião do bem-estar’”. O Natal, é antes de tudo tempo de reflexão e de Esperança. O Deus que se revelou na pobreza extrema, na solidão do estábulo, é o Deus que traz a boa notícia, da paz. O Deus cristão, não mata! O Deus cristão não cultua violência nem armamentismo! O verdadeiro Deus cristão, oferece vida em plenitude. O verdadeiro Deus cristão é e será sempre o Deus da justiça social! Daqui desta singela coluna, desejamos a todos os nossos leitores um Feliz Natal” E que a luz do Deus da Paz e da Esperança, constitua nossa fortaleza e inspiração de todos os dias. Até a próxima!

  • As fontes de citações e referências deste artigo encontram-se em: www.ihu.unisinos.br

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