PSICOLOGIA PARA HOJE

Família: lugares e funções parentais. Qual o seu lugar?

Definir família é uma tarefa que envolve múltiplas possibilidades. Houve um tempo em que isso era bastante simples: família é um agrupamento de pessoas em que existem uma mãe, um pai, filhos. Biologicamente é isso mesmo, não há segredos ou complicações. Porém, muito mais há que a biologia que traz pessoas ao mundo ao considerarmos uma família.
Ao longo do tempo modificou-se amplamente a estrutura e a dinâmica da família na sua organização interna, como por exemplo: diminuição do número médio de filhos, diminuição da fecundidade, aumento do número de pessoas sós, diminuição das famílias numerosas, aumento das famílias recompostas (pelo aumento do número de divórcios), aumento das uniões de fato e uniões livres, famílias homossexuais e, mais recentemente, famílias multiespécie, formada pelo núcleo familiar humano que convive com animais de estimação.
O objetivo deste texto não é aprofundar sobre configurações familiares em seus diversos modelos, mas pensar os lugares e funções concernentes a este grupo. Tem-se como premissa que pais e mães, além de genitores biológicos, são orientadores, educadores de seus filhos. Esta configuração inclui uma dimensão de heteronomia, ou seja, a presença de atitudes relacionadas a um lugar de autoridade dos pais em relação aos filhos. Entre os filhos, na relação fraterna, é desejável que haja isonomia, ou seja, que estes, como irmãos, não tenham autoridade um com o outro, mas que se respeitem como pessoas que convivem. Mais do que a fraterna ligação de irmãos, a convivência em família é importante aspecto de estruturação de uma primeira relação social que encaminha para as relações sociais fora do meio familiar, o que os capacitará a viver em sociedade.
Seja qual for o modelo de família, ela é sempre um conjunto de pessoas consideradas como unidade social, como um todo sistêmico, onde se estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior.
A simples descrição de uma família não serve para transmitir a riqueza e a complexidade relacional desta estrutura. Nesta, há um princípio que refere à orientação, educação básica, respeito mútuo e, para que isso aconteça, existem papeis, funções que contribuem para a constituição de pessoas saudáveis psicológica e socialmente, até mesmo para a constituição de novas relações familiares ao chegar à vida adulta. Erik Erikson, psicanalista americano, entende que para que uma pessoa se torne apta à vida adulta, para além, da cronologia, alguns aspectos são essenciais: que a dependência em relação aos pais, normalmente presentes até o fim da adolescência, se configure como responsabilidade pela própria vida ao ponto de preparar-se para a intimidade e filiação, seja esta, tendo filhos ou responsabilizando-se com o trabalho e com a configuração psíquica de seu papel na sociedade à qual pertence. Aqui aparece uma questão problemática, cada vez mais comum. Trata-se de não confundir cronologia, faixa etária, idade, com ser um sujeito adulto. Não são poucos os adultos cronológicos que têm comportamentos e atitudes imaturas, irresponsáveis com a filiação, não reconhecendo que as funções parentais são diferentes das funções fraternais e sociais. Esta imaturidade se revela por meio de atitudes de competição, alienação, descompromisso, confusão de papéis. Esta realidade pode ser identificada na vida familiar cotidiana, mas aparecem ainda mais após afastamento do casal, em casos de divórcio. A imaturidade psicológica para a paternidade ou maternidade se revela quando pais, ao se separarem conjugalmente, separam-se também dos filhos. Como identificar esta disfunção? Em casos de alienação parental, contexto em que, para além do comportamento de desrespeito aos pais e mães dos filhos, há, subjetivamente, insuficiente reconhecimento de seu papel e responsabilidade com a vida dos filhos, decorrente da não configuração das funções maternas ou paternas. Explico: pais e mães que não configuraram em seu psiquismo a função paterna ou materna e tratam os filhos como amigos, confidentes e mesmo como objetos e os induzem à alienação, não considerando que o cônjuge indesejado é pai ou mãe do filho, portanto pertencente à outra linha da hierarquia familiar. Pais são cônjuges, filhos são parentes. Assim caracterizam relações diferentes daquelas que, quando bem constituídas, tem funções e responsabilidades específicas.
Ensina a Psicologia Sistêmica que cada membro da família tem uma função que propicia ordem, lugar, direcionamento para que cada um saiba e exerça as relações parentais (genitores), fraternais (irmãos) de modo a se reconhecerem e respeitarem, condição básica para a saúde psicológica, capacidade de socialização e crescimento como sujeito humano. Assim, da função materna fariam parte as tarefas de nutrição, não só alimentar, mas afetiva, acolhimento, apoio seguro para a aprendizagem da vida. A função paterna inclui orientação, proteção, direcionamento para a vida interna e externa à familiar. Importante é elucidar que tanto a função materna como a paterna não precisam ser necessariamente exercidas por uma mulher ou por um homem, mas é desejável que, seja por qualquer um dos gêneros, estas funções estejam presentes nas relações familiares.
Lamentável e corriqueiro é constatar que, muito sofrimento e dificuldades que adultos encontram em sua vida afetiva e sexual vem dos equívocos perpetrados por genitores que não protegeram seus filhos dos infortúnios de sua vida conjugal, levando filhos pequenos a participar dos conflitos dos adultos, ora defendendo a mãe das agressões físicas e psicológicas do pai, ora tendo que ouvir as queixas dos sofrimentos de um ou de outro, como se adultos fossem. As consequências desta disfunção incidem fortemente na vida afetiva dos filhos já em sua vida adulta, tema constante e recorrente no processo psicoterápico de muitas pessoas que necessitam reconstruir estas funções em seu psiquismo. Este processo visa auxiliar as pessoas a viverem suas vidas e relacionamentos realmente como adultos saudáveis e não como figuras inacabadas e despersonalizadas que buscam nos cônjuges as faltas sentidas nas relações parentais anteriores. Quem nunca viu mulheres que procuram no esposo a figura paterna e homens que não identificam sua esposa como mulher distinta da mãe que tiveram? Casos de não pagamento de pensão para os filhos, entendendo que, ao sair do casamento acaba a função paterna ilustram esta irresponsabilidade. Mães que denigrem a figura do pai para os filhos também ilustram esta disfunção.
Nesta época de Natal, mais do que nunca a imagem e lugar da família são realçadas e que, neste momento, façamos uma reflexão sobre nosso lugar em nossa família e que, mais do que presentes, haja presença de uns na vida dos outros, presença congruente e amorosa, cada um em seu lugar e todos em busca de sempre melhorar os relacionamentos em seu dia a dia.
Maris Stela
Ocupa cadeira 16 da
Academia se Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), cujo patrono é Alvir Riesemberg.

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