BREVES HISTÓRIAS

Músicas do acaso II

As músicas que marcam nossas vidas são de diferentes origens. Algumas são escolhidas por nós, para uma serenata, para uma festa, para um momento por nós considerado importante. As outras, originadas pelo mais inextricável dos acasos, parecem nos escolher. É dessas que falarei hoje. Em dezembro de 1973, já bem perto do Natal, eu e minha mãe viajaríamos para Pato Branco, onde passaríamos o Natal ao lado da família de meu tio Lamartine. No dia escolhido por minha mãe para viajarmos, iríamos com o ônibus das 13h e dessa forma almoçamos mais cedo. Por volta do meio dia e meia eu com meu rádio de pilhas em punho esperava em frente à minha casa meu amigo Nivaldo Camargo, para nossas últimas reflexões pré-natalinas. Eu com 15 anos e Nivaldo já com 16, começávamos a discutir temas como liberdade, felicidade, tempo e sobretudo nossas escolhas. Meu pequeno rádio estava sintonizado na Excelsior de São Paulo e o locutor anuncia o mais novo hit de Elton John, Goodbye yellow brick road, do álbum homônimo e que considero o melhor disco do cantor e que neste ano completou 50 anos de lançamento.

A música belíssima me paralisou na hora e viajei com o intuito de dentro da maior brevidade comprar o disco o que somente consegui fazer em janeiro de 1974, em uma viagem que fiz com tia Lulu, ao Rio de Janeiro, onde também compraria outro disco que marcaria minha vida, Stone gon’, de Barry White.
Como tenho boa memória, ainda lembro o local onde nos hospedamos, Hotel Monterey, no Catete. Desde aquela época eu já era um notívago e é claro, havia levado meu rádio. Entre as 23 horas e meia noite eu me sentava na sacada de nosso quarto e sintonizava a Rádio JB para ouvir o programa TAP pelos caminhos do mundo e da meia noite até 1 hora eu ouvia Ritmos de Boate, com o genial Big Boy. E foi exatamente nessa sacada que ouvi pela primeira vez a música Manhãs de setembro, na voz da cantora Vanusa, de quem eu não gostava, mas a letra da referida canção impactou demais meus adolescentes 15 anos.
Preciso fazer um recorte e voltar, não sei exatamente se para o final dos anos 60, ou início dos anos 70. Eu com 11 ou 12 anos começava a me interessar, efetivamente, pela música e após jantar, enquanto minha mãe e tia Dina assistiam a então novela das 8, e, tios René e Lulu já haviam saído para compromissos sociais ou de lazer, eu rumava para a sala da casa onde morava e hoje voltei a morar e onde havia uma velha radiola e muitos discos.
Certa noite descobri o disco, Strangers in the night, de 1966, do maestro e arranjador Bert Kaemperfent. Ainda lembro que repeti a música, título do disco, por 10 vezes e o referido disco ainda está comigo. Alguns anos depois eu ouviria a seminal canção com Frank Sinatra e ficaria ainda mais apaixonado por ela.
Da música Jane B, já falei por aqui, até mais de uma vez, mas não posso deixar de mencioná-la novamente. Trata-se do Prelúdio em Mi Menor, Op. 28 de Chopin, apropriado pelo francês Serge Gainsbourg, que colocou letra na magnífica música para homenagear sua musa e mulher, Jane Birkin. Como já contei por aqui, ouvi a aludida canção em Pato Branco, em 1969, ano de seu lançamento, em compacto de minha prima, Janice da Penha Augusto, e, que havia saído juntamente com uma edição do jornal O Pasquim. Os milicos, no auge da ditadura, após a edição do famigerado AI 5, em 13 de dezembro de 1968, apreendiam e cortavam, tudo considerado contrário ao que eles apregoavam e também, segundo eles, contrários aos bons costumes e ofensivos a moral das famílias brasileiras, ou ainda a tudo aquilo que eles não entendiam e, diga-se, não entendiam quase nada. Resumo da ópera, o jornal foi para as bancas com o compacto de Gainsbourg e Birkin de brinde e quase que imediatamente foi retirado das bancas pelos truculentos fardados, que não contavam que muita gente havia comprado o jornal com o disco antes de sua apreensão. Com 11 anos ouvi maravilhado os sussurros de Birkin em Je T’aime moi non plus, no lado A do compacto e Jane B, no outro lado e que gostei ainda mais.
Fiquei anos sem ouvir a canção, que os fardados haviam se encarregado de proibir a execução pública. Também já contei por aqui que em 1973, eu com 15 anos tinha uma amiga e vizinha, Marisa Salussoglia, com 12 ou 13 anos que de vez em quando, no começo da noite aparecia em minha casa e não sei como descobrira que meu apelido caseiro era Neco e do portão de casa me chamava de Neco Pedreira, personagem da novela O Bem-Amado, do mesmo ano. Marisa vinha com um monte de compactos embaixo do braço, que creio eram de suas irmãs mais velhas, Silvia e Denize. Eu a recebia e levava minha vitrola portátil, que ainda existe e está com minha filha Nina Rosa. Nos sentávamos na garagem de minha casa e ouvíamos os discos que ela trouxera e também os meus. Entre os dela, lá estava a maravilhosa, Jane B.
Com o advento do Napster, o genial e primeiro baixador de músicas pela Internet, achei não apenas Jane B, mas também mais uma infinidade de pérolas perdidas, mas nunca esquecidas. Há cerca de uns 15 anos ganhei de minha caríssima amiga Paola Cazamajou um CD por ela gravado e que continha belas gravações de clássicos da Bossa Nova e do Jazz e lá, mais uma vez estava Jane B, em magnifica gravação de Gerry Mulligan. Mais uma vez o acaso me trazia a canção.
Em janeiro de 1977, fui com tia Lulu para o Guarujá, onde meu primo Zeco tinha um apartamento, que ficava em uma rua lateral ao mar. Era um pequeno prédio, acho que de três andares e o apartamento de meus primos se não me engano ficava no segundo. Bem em frente havia uma casa de aspecto bem praiano, com enormes janelas em sua parte frontal.
Logo no primeiro dia percebi que nessa casa estavam três pessoas, duas garotas e um rapaz. Presumi que a mais velha, uma morena de longos cabelos negros, devia ter uns 18 anos, a mais nova, talvez uns 16 e também era bonita, mas não como a irmã. Finalmente havia o rapaz que imagino ter uns 20 anos. Nesse primeiro dia, no final da tarde, eu de minha sacada as vi chegar em casa. Após uns 20 minutos a garota mais velha saiu pela porta da sala carregando uma caixa de som e a colocou em cima do muro que era baixo, em seguida retornou para dentro da casa e trouxe mais uma caixa acústica e também a colocou em cima do muro, um pouco afastada da primeira. Retornou para o interior da casa e colocou no estéreo de excelente qualidade, a belíssima balada, This time around, do disco, Come taste the band, do Deep Purple. Eu tinha esse disco que é de 1975, e, minha faixa predileta também era, This time around.
A menina repetia a música de umas cinco a dez vezes e todos três que presumia serem irmãos ficavam ali sentados no muro. Fiquei lá por uns 15 dias, e em todo final de tarde a garota repetia o ritual e tocava a mesma música por várias vezes.
Trocávamos longos e lânguidos olhares. Eu esperando que um dia ela me chamasse e imagino que ela esperando que eu descesse até lá, o que nunca fiz. Em uma manhã, percebi que a casa estava toda fechada. Ela havia ido embora e nunca nos falamos e sempre que ouço This time around, lembro daqueles emblemáticos finais de tarde.
Por hoje é só. Em janeiro volto ao assunto, rememorando outras músicas que ao acaso, marcaram minha existência.
A meus poucos, mas caros e fiéis leitores, desejo um feliz Natal e um ótimo 2024!
Até a próxima!

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