Muitos acreditam que as pessoas que leem, são moralmente superiores, mais estudadas, mais sábias, mais racionais. Mas é tudo mentira. O leitor, bem lá no fundo da sua alma cheia de palavras estranhas e referências bibliográficas, na grande maioria das vezes, é um ser insuportável de chato. E não é necessariamente uma boa pessoa, podendo ser inclusive uma “pessoa de bem”, se é que me entendem.
Faço um parágrafo pra explicar quem eu estou chamando de “leitor”. No meu entender, o leitor de fato é aquela pessoa que compra e guarda livros em casa. Se a pessoa, compra, lê, e depois guarda, é porque nutre um certo apego ao objeto livro. Numa acepção mais geral, todo mundo que foi alfabetizado é leitor. Na literatura especializada, chama-se o indivíduo que faz uso social da leitura e escrita de “letrado”. É daquele primeiro tipo de gente que falo.
Voltemos ao tema principal.
Primeiro que a pessoa que gosta mesmo de ler é egoísta. Não gosta de emprestar seus livros, pois sabe por experiência que muitos deles não voltam nunca mais. Eu tenho aqui comigo uns livros que eu emprestei de amigos e nunca mais devolvi, reconheço. É como um jogo social de equilíbrio, para balancear os livros que emprestei e nunca me devolveram, resolvi ficar com os de alguns amigos. Em 2002 meu irmão emprestou para uma guria com quem ele saía um livro que eu tinha ganhado de uma namorada. E sem me pedir! Vejam vocês! Não é o Luisandro canceriano que não esqueceu isso, passados vinte anos, mas o Luisandro leitor.
Quem é leitor de verdade nunca está satisfeito. Sempre quer mais. Porque no final das contas, a graça toda de ler, é que sempre tem mais. Nunca acaba. Pergunte para qualquer um que já está com as prateleiras abarrotadas de livros se ele não quer comprar mais. Sim. Quem lê tem que ter uma prateleira cheia de livros. Pelo menos uma. E tem sempre uma pilha de livros em que se vê uma placa invisível “para ler logo”. Ele está sempre se prometendo que vai dar uma diminuída nesse monte antes de comprar mais. Mentira, claro. Quantidade importa.
Mas quantidade não quer dizer qualidade. A “alta literatura”, aquela literatura que ganha jabutis, não está nas prateleiras de todos os leitores. Há leitores de romances policiais, de mistérios, de ficção científica, de romances psicografados, de auto ajuda… ou seja, ter livros não quer dizer necessariamente que se tenha bons livros, e bom quer dizer aquele livro que mereceu uma resenha da Folha de São Paulo ou na Quatro Cinco Um. Tá. Admito relativizar o “bom”. Rubem Fonseca escreveu bons romances policiais que passaram bem longe da láurea. E há muitos livros bons que sequer são mencionados nos jornalões.
Aí entramos em outro aspecto importante. Já que dá pra se ler um monte de coisa diferente, isso não quer dizer que quem lê é uma pessoa melhor, afinal, dá pra se ler muita bobagem. Como sou do ramo acadêmico, conheço muita gente que não lê nada além da sua área de especialidade. O sujeito pode ter uma biblioteca repleta de livros, mas nenhum legível por um reles leitor de Sidney Sheldon. Metade da minha biblioteca é de livros de linguística. Imagino minhas filhas, quando ficarem adolescentes, olhando para aquela parte dos meus livros e fazendo cara de enfado diante da “Revolução Tecnológica da Gramaticalização” de Sylvain Auroux. Ou seja, não é porque a pessoa lê bastante que as coisas que ela lê vão fazer com que ela seja uma pessoa boa. Tenho uma teoria pessoal de que a leitura não torna ninguém melhor. Você pode conhecer outras vidas e realidades, mudar sua visão de mundo, mas só se em você já houver uma pré-disposição para isso. Se não, de nada vai adiantar ler Quarto de Despejo. Vai sair do livro achando a Carolina Maria de Jesus uma analfabeta que nem deveria ter seu livro publicado. (Suspeito que meus amigos professores de literatura discordarão de mim nessa, pois é possível ensinar alguém a ler, e também é possível ler mal ou errado.)
Isso quer dizer também que tem muito leitor arrogante e pretensioso. Embora nem todo leitor seja como aquele seu colega de adolescência que queria que você soubesse a formação do Black Sabbath nos anos 70 só porque você estava com uma camiseta da banda, tem muito leitor que se acha superior só porque leu todos os Harry Potter em inglês ou já conhecia Senhor dos Anéis antes dos filmes. Sem falar naquele que acha que só é bom o tipo de livro que ele lê. Mas isso talvez seja uma desconfiança minha com os arrogantes de maneira geral. E eles estão espalhados por todo lugar.
Eu acredito no poder da leitura e dos livros. Afinal, esse hábito, além de um prazer, hoje é também parte do meu trabalho. Sou professor universitário porque amo ler. Mas os livros não me fizeram uma pessoa melhor, suspeito. Não duvido que possam fazer isso, só pra deixar claro. Quem dera pudessem.