Piaget e Freud são frequentemente citados e referidos no círculo da pedagogia e da docência, o primeiro associado ao termo inteligência e o segundo ao termo afetividade. Outra ideia é a de que nos dias atuais a tarefa do educador não é simplesmente instrucional mas também compete a ele trabalhar a inteligência e a afetividade em sua totalidade. Analisados sob a lógica do pensamento pedagógico ortodoxo, nem Piaget nem Freud foram pedagogos, o que não os exclui das discussões sobre educação e pedagogia.
Muitas escolas de ensino superior hoje trazem em seus currículos disciplinas relacionadas à saúde mental, posto que esse problema é crônico e epidêmico no mundo. Isso por si só justificaria a escolha da escola psicanalítica como objeto de estudo. E as conexões da psicanálise com todas as áreas da ciência, especialmente aquelas que tratam das relações do ser humano consigo e com o mundo ao seu redor, como é o caso da educação e do ensino, são tão marcantes e polêmicas que estudar teoria psicanalítica passa a ser tarefa obrigatória a quem pretende trabalhar em qualquer profissão que envolva uma relação entre duas ou mais pessoas. Mesmo partindo da necessidade de um só sujeito compreender suas neuroses, o conhecimento da psicanálise intervém para acender uma luz no caminho da busca do entendimento dos transtornos psíquicos.
Em 2005, a revista Pesquisa Fapesp trouxe como destaque de capa a chamada “O mal-estar da civilização”, uma nítida referência à obra homônima publicada por Freud em 1930. Trata-se de um levantamento mundial mostrando que os distúrbios psiquiátricos são frequentes e pouco tratados. Isto atesta a inegável influência que Sigmund Freud exerce ainda hoje, mais de um século após a publicação da “Interpretação dos Sonhos”, nos meios culturais e acadêmicos.
Uma das grandes virtudes de seu trabalho está na coragem de desmascarar o homem de sua hipocrisia e de seu moralismo conveniente, expondo a face sem maquiagem do psiquismo humano. A teoria engendrada por Freud inquieta o sujeito e o confronta com suas verdades ou, pelo menos, instiga o sujeito a uma busca no interior de si mesmo pela verdade libertadora. O homem é um ser incompleto e a verdade não se revela facilmente.
A inquietação que o pensamento contundente de Freud provoca deixa à mostra fragilidades humanas que muitos desejam ocultar e outros são incapazes de aceitar, sob o risco de não suportarem os efeitos, por vezes devastadores, da tomada de consciência do problema que as perturba. O paradigma da teoria psicanalítica estabelece na relação da criança com seus pais um ponto fundamental. Essa relação serve de protótipo para as relações sociais subsequentes e também para a relação entre professores e alunos.
A psicanálise fundada em Freud considera que todos nós somos mais ou menos neuróticos, como consequência de nossos desejos reprimidos que interferem constantemente em nossa vida consciente, causando um frequente desconforto. Nossas relações pessoais são envoltas em emanações de energias psíquicas desconhecidas. Assim, muitos de nossos desejos e motivos conscientes são simulacros daquilo que habita nosso inconsciente. A ortodoxia pedagógica considera que a escolha de uma metodologia de ensino, um planejamento adequado do conteúdo programático e um certo conhecimento das competências intelectuais dos aprendizes são o bastante para o sucesso do processo ensino-aprendizagem. A psicanálise confronta-se a essa prática afirmando que isso é o menos relevante para o ato de educar, e afirmando que é preciso valorizar “o vasto e complexo mundo subjetivo oculto no interior de professor e aluno, cada qual sofrendo constantemente a pressão de seus respectivos desejos, muitos dos quais atingidos pela repressão”.
Apesar de tudo a presença de Freud e de sua Teoria da Psicanálise nos meios acadêmicos atuais, especialmente nos campos da educação, da didática e da pedagogia, continua perturbadora, polêmica e alvo de constantes ataques. A rejeição à Freud talvez se deva às múltiplas interpretações que seu trabalho produziu ao longo de mais de cem anos, além da evolução natural do pensamento e dos conceitos ao longo do século XX.
O pensamento cartesiano, a logica do positivismo e do hegelianismo tem muito espaço na universidade atual. O discurso acadêmico busca acertar sempre, fugindo dos erros e da dúvida. As descobertas científicas objetivam conseguir mecanismos de controle dos resultados, garantias de desenvolvimento tecnológico, padronização e massificação do saber. Num apelo à sapiência socrática, Freud propõe a todos conhecermo-nos a nós mesmos, mergulhando no inconsciente e expondo as chagas de nossas neuroses. Desde o tempo em que o divã freudiano expôs as feridas muitas delas continuam abertas até hoje.