MEMORIA E DISCURSO

OS CAVALEIROS DO APOCALÍPSE* (FINAL)

A extrema direita não é populista. A extrema direita, pelo contrário, é profundamente autoritária e anticivilizatória. Nesse sentido, Bolsonaro, Trump, Netanyahu e Milei, representam muito bem a “casta” autoritária e belicosa a que pertencem. Nesse contexto a característica geral do autoritarismo desde a extrema direita, está em ascensão nos últimos anos. Justamente, desse discurso e postura antidemocrática que se apoderou a extrema direita mundial e não poderia ser diferente no caso da extrema direita latino-americana. Aliás, as ideias autoritárias e fascistas na direita latino-americana sempre estiveram presentes em pérfidos personagens como Pinochet, Galtieri, Stroessner e outros ditadores.
Populismo é um conceito criado e, amplamente, debatido pelo filósofo argentino Ernesto Laclau, principalmente, em seu livro: La razón populista. O populismo como conceito político, dentro da extrema direita, não existe. O que existe é uma denominação fantasiosa. Quando alguém afirma que Jair Bolsonaro é um populista, está deslocando o conceito Populista em um campo vazio. Quando a imprensa fala de Milei com um novo nome do populismo latino-americano estão deslocando um conceito de seu lugar de compreensão inadequadamente. Explico a seguir: O populismo sobrevive dentro do sistema democrático. Nos sistemas totalitários, o populismo desaparece. A extrema direita é profundamente antidemocrática e autoritária. Em outras palavras: Para o populismo existir é necessário a aceitação do diferente, a existência concreta da pluralidade de ideias e a capacidade e tolerância com o diferente. Esta diversidade não encontra espaço na extrema direita. Nesse sentido, é bom que fique claro e se compreenda que a proposta da extrema direita é um autoritarismo com roupagem populista, mas não tem nada de populista. Nesse sentido amplo que é difícil chamar Javier Milei de populista. Milei expressa uma tendência acentuada ao autoritarismo como Bolsonaro, Trump e Netanyahu. Os cavaleiros do apocalipse aqui denominados são por natureza autoritários e não populistas. O populismo como mantra para a extrema direita somente serve de rótulo e de distração.
O sociólogo Gabriel Rossi, apresenta Milei, desde o viés populista. Mas essa interpretação do conceito de populismo leva a alimentar o autoritarismo. Segundo o sociólogo: “O momento é propício para o populismo: figuras políticas arquitetadas sob a égide da imagem excêntrica e audaciosa ganham força e competitividade em uma esfera pública que está cada vez mais distante do sonho habermasiano de debates racionais e argumentativos. Sobretudo, populistas atuais entendem que a política hoje, à luz das redes sociais e de aplicativos que mixam mensagens como Whatsapp e Telegram, é mais uma questão de performance algorítmica, estética e atuações teatrais no grande palco que é a sociedade. A esfera pública, como conhecemos hoje, se articula com sentimentos e paixões, em detrimento dos fatos históricos, opiniões e instintos pessoais são mais importantes do que a racionalidade, os fatos”. Justamente essas características, se aproximam muito mais do totalitarismo e se afastam da noção de populismo. Populismo não trabalha para destruir a democracia, ela enfraquece a ideia de democracia através de sua forma de agir, mas, não anula a democracia. O totalitarismo, anula e mata a democracia. O populismo, é filho da democracia. Se a democracia não se fortalece, não se torna real, o populismo cresce e se fortalece. Pelo contrário, a bandeira da extrema direita defende um conceito perverso que consiste na ideia de uma “democracia autoritária”, um conceito fora da lógica democrática. Não existe dentro da democracia espaço para o “autoritarismo”. A democracia, aliás, para ser verdadeira, se afasta completamente do conceito “autoritarismo. Assim como não existe “Populismo autoritário”, ou, é populista, ou, é autoritário. Autoritarismo e populismo não convivem num mesmo espaço.
É importante que se diga e volto a reiterar com clareza: Milei, não é populista. Milei representa e alimenta o capitalismo e o Estado selvagem. Milei é militante e soldado do mercado financeiro e do processo devorador anticivilizatório. Para a linguista, escritora e pesquisadora mexicana Yásnaya Elena Aguilar Gil: “O capitalismo precisa do Estado para proteger o saque dos bens comuns, como a água. O capitalismo depende das democracias liberais que romantizam e tornam mais suportável a opressão do mercado capitalista. Isso fica claro quando surgem problemas e o Estado precisa intervir para resgatar bancos e empresas com os impostos da população. O Estado é necessário para a privatização dos lucros e a socialização das perdas do mercado capitalista. O modelo de Estado-nação tem sido uma estrutura sociopolítica altamente funcional para o capitalismo, razão pela qual “anarcocapitalismo” é uma contradição em termos”. Javier Eduardo Milei, nesse contexto, pertence a essa lógica liberal, neoliberal, uma espécie de “urubu” que se alimenta desde uma personalidade sociopática, principalmente, da ingenuidade do povo que despreza a Política e espera que seus mitos e messias autoritários, resolvam pelo viés da brutalidade e da violência os problemas de que a sociedade padece. Ainda, para Aguilar Gil: “Assim como a maioria dos libertários, Javier Milei na verdade ama o Estado e sua forte força repressora para impor a ditadura do mercado. Ele ama as fronteiras do Estado para expulsar os migrantes que considera indesejáveis. Milei ama o Estado argentino, ao qual ele não pretende fazer desaparecer em um internacionalismo capitalista, mas sim fortalecer, transformando-o em uma potência global. Milei e outros como ele sonham em conquistar o poder do Estado, se apropriar de seus símbolos e envolver suas pretensões com discursos nacionalistas. O aparente Estado ultramagro que desejam construir é na verdade um Estado ultrapesado que esmaga o bem comum”. O Estado mínimo, é a ideia mais estúpida que a direita como um todo defende em nome de um liberalismo cego e antidemocrático.
A extrema direita em sua cruzada autoritária se apoderou da algoritmização da vida. Para a graduada em Jornalismo pela Unisinos e licenciada em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano, Márcia Rosane Junges: “A sombra do neofascismo se esgueira pelas frestas democráticas. Não se trata da mesma configuração autoritária da primeira metade do século XX, baseada em golpes militares e em sangrentas tomadas do poder. A espetacularização da política e a algoritimização da vida são elementos que ajudam a dar outros contornos ao fenômeno no século XXI e a torná-lo palatável à opinião pública, sob as vestes de liberdade de expressão e uma autonomia que carece de fundamentação crítica. Eleições democráticas livres têm o intercurso da proliferação de fake news capazes de mudar a rota dos votos”.
Certamente, o século XXI será o campo de batalha em que o confronto já começou, por um lado, o processo civilizatório em agonia, por outro, o processo anticivilizatório e barbárico em crescimento. Este fenômeno está em disputa, graças a pluralidade que somente a democracia pode proporcionar. Junges, ressalta que: “Essas “ditaduras eleitorais”, de acordo com o filósofo norte-americano Jason Stanley, florescem graças a elementos de política fascista, que recorrem a expedientes como o apelo ao “passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público” para se mostrarem como preferíveis frente àqueles candidatos com propostas sociais que são etiquetados como “comunistas”. A desumanização de segmentos da população que adere a esse tipo de racionalidade termina por validar decisões equivocadas de seus líderes políticos, fragmentando a sociedade e disseminando um sentimento difuso de injustiça, medo e fragmentação que encontram suporte através de dispositivos controlados por algoritmos, convenientemente programados”. Os cavaleiros do apocalipse representam de forma acentuada um perigo constante e iminente ao processo civilizatório em curso. A política tornou-se o caminho e a arma letal que a extrema direita encontrou para naturalizar todo tipo de barbárie e anti-humanismo.

  • As fontes de referências e consultas deste artigo encontram-se em: www.ihu.unisinos.br

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