COISAS DA BOLA

O homem como ele não deveria ser

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

 

Naquela sexta-feira, 30 de dezembro de 2023, o dia já ia para o final da tarde, perto das cinco horas. Sentado na sombra, bem em frente da porta de correr da sua loja de materiais de construção, aquele pequeno empresário contemplava o movimento das pessoas que seguidamente entravam e saíam na bodega localizada do outro lado da rua, quase à frente de seu estabelecimento comercial.

Entre apreciar o movimento das pessoas e dar uma olhadela no pernil de um carneiro que assava no forno lá no fundo do pátio, pois na noite receberia os seus colaboradores, os seus irmãos e amigos para um encontro de confraternização, aquele pequeno empresário contemplava o gramado alto do passeio que não tivera tempo de providenciar o corte.

Por pura sorte ou por estar escrito nas linhas do destino, um vivente que passava por ali carregando em sua bicicleta uma pequena roçadeira, lhe perguntou, se queria empreitar para aparar aquele mato. Disse-lhe o cortador de grama, que por R$ 10,00 faria aquele serviço que duraria praticamente cinco minutos. Contrapondo, o dono da empresa ofereceu R$ 30,00 para que fosse cortado e ajuntado, também, a grama da frente da casa do vizinho ao lado, pois ele estava viajando. Feito o acerto no fio do bigode, enquanto o vivente iniciava a poda, o empresário foi na bodega em frente para buscar as tradicionais “louras geladas” que regariam os bofes antes do rango naquela noite.

  

Muito atento, principalmente, quanto ao corte e tirada dos matinhos nos cantos do passeio, absorto em pensamentos sobre o ano que logo daria os últimos suspiros, o cortador de grama sentiu que alguém lhe cutucava no ombro. Desligou a roçadeira e retirou os óculos de proteção para dar atenção àquele fulano desconhecido. Notou que ele tinha e abanava em sua mão direita uma nota de dez reais e foi logo lhe dizendo:

– Toma aqui peão, pegue esses dez reais. Para você é muito. Para mim não faz falta.
Estranhando o palavreado e atitude do desconhecido, o cortador de grama respondeu:
– Desculpe, meu senhor, eu não preciso de dinheiro dado. Vivo do meu trabalho.
Forçando a barra, o fulano desconhecido insistiu:
– Não se faça de rogado e metido a sebo. Pegue essa gorja para comprar um martelinho de pinga. Você não tem onde cair morto cara!
Pelo “conversê” ofensivo do estranho, os olhos do grameiro cintilaram já como labaredas, mas sem perder a cancha, pediu que o fulano se retirasse porque ele estava empatando o seu trabalho.
Diante da negativa do cortador de grama em aceitar os dez reais, possesso, o fulano desandou em falar mais barbaridades:
– Pegue esse dinheiro, quem você pensa que é? Se não pegar vou arruinar a tua vida. Eu tenho poder para isso, sou professor e maçônico. Vou mexer com os pauzinhos para te ferrar.
Vendo aquela negativa do roçador em aceitar o dinheiro, o dito “professor e maçônico” colocou a nota sobre o pequeno muro na frente do passeio onde era cortada a grama. Foi embora esperneando e nos seus resmungos podia-se ouvir, “duvido que esse orelha seca não pegue o dinheiro”.

  

Terminado o corte da grama que, diga-se, foi um serviço bem feito, ao pagar pelo trabalho executado, o empresário notou uma certa tristeza na feição do cortador de grama. Perguntando sobre o porquê de estar aborrecido, ficou a par do acontecido. Inclusive viu a nota de dez reais deixada sobre o muro. Indignado ao saber em detalhes do fato, curioso em querer ver o focinho do intitulado “professor maçônico”, o empresário verificou a câmera de vigilância e ficou conhecendo o fulano.
Na semana seguinte, o empresário percebeu que por cinco dias, pela manhã e à tarde, aquele fulano passava pela frente do dinheiro, olhava aquela nota, dava uns resmungos e escafedia-se dali. Até que um dia, ele parou em frente do muro, pegou a nota de dez reais e a fez em picadinhos e, fungando de brabeza armou a capa dando chutes ao ar.

Perto de um final de tarde, sentado em frente do seu estabelecimento antes de baixar as portas, aquele empresário vislumbrou uma cena hilária. Falando sozinho e gesticulando, andando como se fosse pisar em ovos, na ponta dos pés, com o peito estufado, tendo o cabelo pintado na cor de um bugio e usando óculos de sol, eis que pinta por ali o “professor e maçônico”. Ao ver o indivíduo adentrar na loja, o empresário já predisposto a atropelar o fulano, pensou: vou tirar uma com esse cara. E, antes mesmo dos cumprimentos já foi perguntando:

– O que você quer aqui peão? Está precisando de dinheiro? Pega esta nota de dez reais. Para você é muito. Para mim não faz falta. Pegue essa gorja para comprar um martelinho de pinga. E, por favor! Se mande daqui, já.
Olhando aquela nota de dez reais, colada pedacinho por pedacinho com Durex, estranhando a rudeza com que foi recebido, o “professor maçônico” reagiu já na brabeza, perguntando ao empresário:
– Qual é a tua? Porque toda essa grosseria?
Com o cabo de uma picareta nas mãos, respondeu o empresário:
– Estou te tratando do mesmo jeito que você se dirigiu ao cortador de grama quando ele estava trabalhando para mim. Você não percebeu ainda, que esta nota de dez reais toda colada com durex é a mesma que você estava obrigando ele a aceitar? Você está pagando com a mesma moeda. Azule o pé daqui senão te meto este cabo de picareta no lombo. Na correria o fulano picou a mula dali.
Nas vezes em que aquele fulano transita pela frente daquela empresa, ele passa pelo outro lado da rua, e de revesgueio, olha lá para dentro da loja e sente um arrepio pelo lombo ao notar, que sobre o balcão está aquele cabo de picareta.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

Clique para comentar
Sair da versão mobile