PSICOLOGIA PARA HOJE

A Psicoterapia e o nosso manual de instruções.


Sempre que compramos um aparelho elétrico ou eletrônico, por mais simples que ele seja, vem acompanhado por um manual de instruções. Em geral, conhecemos um pouco do funcionamento do aparelho que adquirimos e passamos a usá-los imediatamente e só recorremos ao manual em caso de alguma dúvida. Ler o manual nem sempre é fácil. Ele é claro, mas não óbvio, pelo menos para nós, comuns, não iniciados em eletrônica ou informática. Até encontrarmos alguém que tenha paciência de ler ou que compreenda os termos do manual, passamos por vários momentos de chateação, de frustração por não podermos obter de nosso aparelho aquilo que ele pode proporcionar.
Não poucas vezes ouvimos e comentamos que seria bom se, como os aparelhos eletrônicos, viéssemos ou se nossos filhos viessem com manual de instruções. Isso facilitaria nossa forma de entendê-los, de educá-los, tudo seria mais fácil. Cada vez mais se ouve da falta que faz um manual de instruções para a condução da vida. Mas… será mesmo que não trazemos conosco um manual de instruções? Observando a vida animal percebe-se que os bichos vivem suas vidas, cumprem sua função, seguem sua determinação genética e não há dúvidas sobre o que devem e o que não devem fazer. Como seres irracionais, não passam pelas vicissitudes humanas de questionamentos e dúvidas sobre o caminho a seguir, que comportamento manifestar. Fácil seria seguir os instintos e dar vazão aos impulsos primários que trazemos em nós, como qualquer animal. No entanto, a condição de vida racional e em sociedade, com todas as suas implicações, não permite aos seres humanos essa linearidade. E aí começam as complicações.
Todos os dias nos deparamos com inúmeras situações, sensações, sentimentos, pensamentos que pedem uma ação. Mas qual a melhor, a mais acertada? Em geral não paramos muito para pensar e tomamos atitudes tranquilamente, sem maiores consequências. Mas nem tudo e nem sempre é assim tão tranquilo. Ao longo da vida, surgem situações às quais respondemos com repetições frustrantes e nem sempre percebemos, nem sempre paramos para refletir sobre elas. Atribuímos à vida… a vida nem sempre é como a gente quer… E os resultados disso vão aparecendo. Alguns bons, satisfatórios, alguns nem tanto, alguns desafiadores, que exigem mais de nós. E tem também aqueles objetivos que não são atingidos. É nessa hora que lembramos de como seria bom ter em mãos um manual de instruções. Mas onde ele está? Será que veio comigo quando nasci? Quem dera ele existisse, nos perguntamos…
A boa notícia é que ele existe e está ao nosso alcance. A má notícia é que, como nos aparelhos eletrônicos, ele é claro, mas não óbvio. É preciso aprender a ler e entender seus termos, as chaves para que funcionem de modo que levem aos objetivos pretendidos. Às vezes precisamos de um técnico que nos ajude a decifrá-lo. E a palavra é essa mesma: decifrar. Tal como declarou a esfinge, se não o deciframos, somos devorados, destruídos. Quando não destruídos, no mínimo funcionamos mal, abaixo de nossas possibilidades, insatisfatoriamente e… o sofrimento vem. A pressa e o imediatismo da sociedade acelerada em que vivemos atrapalham e até impedem a leitura de nosso manual. “Não há tempo!” Após sucessivas frustrações passamos a nos acostumar com as limitações, comprometendo nossa qualidade de vida e até mesmo nossa saúde.
“Mas… já que não encontro as respostas em meu manual, cadê o técnico que me ajude a entendê-lo?” E aí, as alternativas saudáveis que surgem se configuram quando recorremos aos amigos, aos oráculos, à auto-observação, à auto-análise, à análise, à psicoterapia. Cada um desses recursos tem uma função, um alcance, trazem luz ao “indecifrável”. No caso da psicoterapia, o técnico é o psicólogo e o alcance é a descoberta de que o manual está à mão e é auto-explicativo. À cada emergência de uma solicitação interna, seja por meio de um sentimento, de um pensamento, de um sofrimento, de um desejo, de uma dúvida, há uma resposta, bem dentro de nós, em alguma página de nosso manual de instruções.
Em muitos anos de prática em psicoterapia com pessoas de todas as idades, nunca recebi em meu consultório uma só pessoa que não trouxesse consigo o seu manual de instruções, com as respostas e os encaminhamentos adequados às suas necessidades. Em sua busca por acompanhamento psicológico, apenas solicitavam ajuda na leitura desse manual. Cada um deles, cada um com sua complexidade, foi lido juntamente com seu proprietário, que, aos poucos, em seu ritmo, foi aprendendo a fazer sua própria leitura, construindo sua autonomia e passando também a compreender um pouco mais o “manual” dos outros.
Esse manual, muitas vezes, transformou-se em fina literatura, às vezes em pintura, revelando que, por trás das instruções estavam inspirações artísticas, histórias de vida belíssimas, comoventes, dignas de figurar nas mais célebres galerias de arte e literatura, obras sublimes da realização humana. Agradeço a cada uma dessas pessoas pelo compartilhamento da beleza de suas almas e também agradeço por não precisarem mais de mim, pois, com a ajuda para aprenderem a ler seus manuais, conquistaram autonomia e hoje conhecem os caminhos para chagarem, por si mesmos, às páginas que precisam ler para saberem como agir consigo e com os outros.

Por Maris Stela da Luz
Stelmachuk
Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu. Ocupa a Cadeira 16, cujo patrono é
Alvir Riesemberg.

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