MEMORIA E DISCURSO
O caminho satânico da religião (II): A “teologia coaching” e a “teologia da prosperidade”.

Nada mais perverso que instrumentalizar a religião para construir um caminho satânico. A chamada “teologia coaching”, realiza esta tarefa de forma proposital e perversa. Esta teologia satânica muito presente nas igrejas evangélicas e católica, está produzindo um dano gigantesco na visão cristã contemporânea.
Em uma recente entrevista para Ihu-Unisinos, Ranieri Vicente da Costa, Pastor evangélico, graduado em teologia e jornalismo, doutorando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba e mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, analisa a teologia coaching, suas perspectivas e consequências, é coautor do livro: “Projeto de poder: A participação dos evangélicos na política desde o final da ditadura militar no Brasil”. Neste artigo, compartilharemos com nossos leitores alguns pontos da entrevista. Vejamos a seguir:
- Falar sobre “teologia coaching” é um desafio. Nos últimos anos, o cristianismo se tornou um palco de “espetáculo”, mais do que uma verdadeira busca sobre Deus. Os influenciadores digitais religiosos, tem incutido no imaginário cristão a visão nefasta de um Deus que vive para receber gorjeta, e que uma vida sem “sucesso” é uma maldição divina. Neste sentido, a análise feita pelo Pastor Ranieri Vicente da Costa, nos ajuda a compreender a manipulação construída desde o caminho satânico da religião. Ainda destaca que: “A teologia coaching é, de maneira bem objetiva, uma evolução da teologia da prosperidade. O método coaching, muito banalizado nos últimos anos por influenciadores digitais, foca especialmente no desenvolvimento pessoal e no alcance de uma alta performance para todas as áreas da vida. O discurso que classifico como teologia coaching é aquele que faz uso dessas técnicas de treinamento, com uma estética religiosa, repleto de elementos de sincretismo religioso, abraçado a promessas de prosperidade imediata e ininterrupta. A prosperidade no discurso da teologia coaching é algo inescapável para todos que estiverem fazendo a mentalização correta. O problema é que para isso, você vai precisar sair comprando um curso atrás do outro, uma palestra após a outra, num looping infinito e quem acaba enriquecendo de verdade é o emissor desta mensagem que é uma completa perversão do Evangelho”.
- A banalização do discurso cristão por pseudos cristãos, feitos por influenciadores e fundamentalistas religiosos sejam eles desde o campo evangélico ou católico, tem criado uma verdadeira “escola do caos teológico”, que é perceptível desde discursos religiosos e homílias vazias, na qual, parece e dá a sensação de que o cristianismo mudou de face e de conteúdo. A teologia do coaching, encontrou na fonte “maldita da teologia da prosperidade”, uma luz para construir um cristianismo de mercado, um cristianismo que visa o “sucesso pessoal” e que silencia por completo e de forma abjeta a dimensão da “teologia da cruz”. Neste sentido o Pastor da Costa ressalta a proximidade existente entre a teologia do coaching e a teologia da prosperidade: “As semelhanças são óbvias, sendo a principal: a pregação de uma mensagem que promete enriquecimento financeiro como sinal da bênção de Deus. No que tange às diferenças, menciono duas mais latentes: a) A teologia da prosperidade era analógica, já a teologia coaching, é digital, com isso a velocidade e o potencial do alcance e a influência exercida com a ajuda dos algoritmos são completamente diferentes da mensagem que se difundia tradicionalmente na TV e no rádio. b) A teologia da prosperidade barganhava com Deus, ou seja, para prosperar era necessário, naquela lógica discursiva, ser generoso e constante nos dízimos e ofertas feitas para a igreja, obedecer ao pastor, não esconder nenhum pecado etc. Dessa forma, Deus ainda era o agente abençoador do fiel. A benção estava condicionada, é verdade, mas ainda assim, o poder da benção da prosperidade emanava de Deus. Já a teologia coaching faz um caminho bem diferente, afinal, em seu discurso, tudo o que o sujeito precisa para prosperar e atingir o sucesso está dentro dele. Ele é tudo de que ele mesmo precisa. Os sujeitos da teologia coaching são deuses de si. Narcísicos. E o Deus bíblico é apenas um amuleto, alguém que assiste a alta performance deste sujeito que tem toda sua fé depositada apenas em si”.
- Por sua vez, os influenciadores digitais religiosos, que por sua natureza básica adotaram como instrumento mercadológico a fé, continuamente, buscam construir um caminho perverso e satânico da religião, alimentando a perversa ideia de um deus amante do sucesso e do dinheiro. Aliás, eles se alimentam justamente desta dimensão ou brecha que a religião oferece, aquela dualidade que mistura poder com o sagrado. A teologia do Coaching, traça seu caminho satânico quando insiste na ideia de que somente o sucesso importa. O fracasso é visto como perversão. Neste sentido, o cristianismo será uma religião somente de vitórias e de vitoriosos. Ao negar, o mistério da cruz, e o “aparente fracasso” de Jesus na cruz, os coaching religiosos contemporâneos trilham um caminho satânico em que somente o sucesso é o caminho condizente com o cristianismo. O fracasso é espúrio e repugnante. Neste sentido, Ranieri Vicente da Costa, destaca o quanto é nefasto e perigoso acreditar que o cristianismo somente valoriza o sucesso: “Ela é perigosa porque visa convencer as pessoas que a derrota, a perda, a dor, a fraqueza, é algo que pode ser superado apenas com o poder da mente. Ela é absolutamente delirante e vazia de qualquer base teológica bíblica minimamente racional e coerente. É um completo delírio considerar que a vitória, a prosperidade e o sucesso é algo inescapável para a existência humana. Pregar isso é uma imensurável crueldade. A base da fé cristã está na vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus que, em nenhum momento ensinou sobre enriquecer, mentalizar positivamente, atingir o sucesso ou qualquer outra imbecilidade destas, ao contrário, seus ensinos, bem como dos profetas que o antecederam e dos apóstolos que propagaram sua mensagem, apontam para a realidade de que desejar acumular riquezas na terra é, além de algo que leva a loucura, também pecado”.
- Quando insistimos em utilizar o título “o caminho satânico da religião”, é justamente para chamar a reflexão crítica do leitor. É preciso questionar as teologias ou os discursos religiosos que buscam desde uma dimensão mercadológica criar e naturalizar um imaginário perverso nesta realidade. Quando pastores e padres em suas homílias, utilizam conceitos que inspiram somente sucesso e prosperidade é preciso compreender que esse discurso por sua natureza intrínseca é anticristão. O cristianismo não tem e nunca teve como fundamento o sucesso e a prosperidade. Neste sentido, é importante alertar ao leitor, que o discurso da teologia coaching e da teologia da prosperidade, se organizam a partir de uma dinâmica de violência, uma violência reprodutora de uma religião que busca “escravizar”. Aliás, a dimensão satânica da religião, é justamente escravocrata, por esse motivo, que se tornou tão atrativo, fascinante e perverso na linguagem conservadora e fascista na atualidade falar em nome de Deus, Pátria e Família. Neste sentido o pastor da Costa, mostra que: “Byung-Chul Han vai dizer que a sociedade do desempenho é estimulada uma experiência de positividade excessiva que a faz rejeitar toda e qualquer negatividade da existência humana e projetar sobre si uma descomunal cobrança para que se atinja o tal desempenho que leva ao sucesso. Pois bem, a teologia coaching é violenta porque, em sua lógica discursiva, o sujeito que não alcança o sucesso é o único culpado pelo seu fracasso, desconsiderando todos os fatores sociais, emocionais e políticos que cercam este mesmo sujeito, além de ignorar que a mensagem entregue para ele é mentirosa. Dessa forma, primeiro o emissor desse discurso (o pregador coaching) comete violência em exigir um desempenho “trabalhe enquanto eles dormem” de seu mentorado e, por fim, o próprio aluno violenta a si mesmo, quando passa a aplicar essa cobrança, que desconsidera todas as negatividades e impedimentos naturais da vida humana. Ou seja, estas pessoas primeiro são vítimas do pregador/palestrante/influencer e posteriormente são algozes de si mesmo. O final disso é uma sobrecarga de culpa descomunal que aumenta ainda mais o ciclo de violência”.
- É preciso, distinguir com urgência, cristianismo e evangelho para não cair na armadilha da “teologia coaching” e da “teologia da prosperidade”, e esta torna-se tarefa urgente. Neste sentido Da Costa ressalta que: “A de se distinguir a diferença entre cristianismo e Evangelho. Uma coisa é a religião do império, a outra é a lógica do Reino de Deus a partir dos ensinos de Jesus. O discurso destes sujeitos perverte e ofende o Evangelho. Eles tentam estabelecer um novo modelo de vida cristã, que é aquele vivido essencialmente longe da comunidade religiosa; sem a leitura e interpretação do texto sagrado, portanto vazio de hermenêutica; tentam incutir na mente das pessoas que viver o Evangelho é acumular e ostentar patrimônio financeiro aqui na terra, nada mais distante dos ensinos de Jesus do que isso. Viver uma vida na lógica comunitária do Evangelho de Jesus, desconectado da comunhão, do exercício contínuo do estudo das escrituras e do serviço que promove justiça social no mundo, buscando apenas enriquecer é impossível e é isso que eles pregam”.
Finalmente, é preciso destacar e lembrar a brutalidade e a violência discursiva imaginária que exercem a “teologia coaching” e a “teologia da prosperidade” no seio do cristianismo contemporâneo, um olhar atento aos discursos religiosos contemporâneos que circulam em nossa cidade, será possível compreender com maior amplitude estes dois fenômenos horrorosos. Os cristãos que ainda não foram domesticados por estas doenças cognitivas precisam estar atentos para não alimentar e nem cair na armadilha de endossar o caminho satânico da religião que estes modelos teológicos perversos e tão atrativos aos ouvidos de uma multidão de pseudocristãos na atualidade. O pseudocristianismo, devagar, vai capturando o imaginário popular ao se manifestar nestas teologias de cunho oportunista e simplório e de forma corrosiva vai desmoralizando o Cristianismo real, humanista e verdadeiro. Até a próxima!
A entrevista completa encontra-se em:
https://www.ihu.unisinos.br/645236-a-teologia-coaching-vende-a-ilusao-do-sucesso-a-sociedade-do-desempenho-adoecida-entrevista-especial-com-ranieri-costa