Venenoso
Em uma coisa nosso atual Congresso é muito bom: em criar problemas!
Um exemplo recente disso é que deputados resolveram chamar para si a responsabilidade por algo de natureza absolutamente científica: o controle de produtos potencialmente prejudiciais à saúde. É a regulação de agrotóxicos, isto é, da aplicação química de venenos na produção de alimentos.
O Projeto de Lei 6299/2002 tenta mudar a nomenclatura de agrotóxicos para produtos fitossanitários e obriga o processo de liberação a ser feito exclusivamente pelo Ministério da Agricultura e a durar no máximo um ano. Atualmente, o parecer sobre um novo produto passa também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária criada para… controlar produtos com potencial de prejudicar nossa saúde e economia.
Querem os defensores dessa medida, apelidada por artistas e ativistas de ‘PL do Veneno’, também liberar mais substâncias proibidas lá fora. Nesse sentido, cria-se uma um Registro Temporário para aqueles agrotóxicos que não tiverem as solicitações avaliadas dentro dos prazos definidos pela nova lei. Nestes casos, os produtos serão automaticamente liberados, desde que estejam registrados para culturas similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O Brasil já tem uma legislação e uma fiscalização mais frouxa que seus competidores internacionais. Temos uma lei obrigando testes semestrais em corpos d’água analisando a presença de 27 agrotóxicos específicos. Dois terços dos municípios brasileiros não reportaram uma única vez. Dos dados de 2014, só 18% dos mais de 5.000 municípios fizeram os dois testes daquele ano. Isso quer dizer que a população do país não sabe o grau de contaminação a que está exposta. Técnicos do próprio ministério da agricultura dizem não existirem condições técnicas para a avaliação dos impactos de um novo produto no prazo proposto: seria necessário ter mais gente e recursos para descomplicar o sistema e alcançar tal prazo. Em tempos de crise fiscal, estamos infelizmente distantes disso.. Imagine então garantir que a fiscalização de tais novos produtos seja realizada de modo adequado.
Assim, na prática, o projeto de lei ‘libera geral’ o uso de venenos no campo, exatamente no sentido contrário do que acontece hoje no hemisfério norte e na China. Esse combo traz dificuldades em muitos sentidos – inclusive, pode dar argumento à criação de barreiras comerciais às commodities brasileiras.
O governo chinês começou a fiscalizar a sério a produção de agrotóxicos no país. A China também deixou de produzir 12 agrotóxicos potentes e deve retirá-los completamente do mercado nos próximos anos. O resultado é um aumento no preço destes venenos e, por isso, fabricantes já falam em produzi-los por aqui.
Parece uma boa oportunidade de negócio no curto prazo para nós – só que não. A China quer que as vendas de agrotóxicos parem de crescer a partir de 2020. Para isto, criou um programa de desenvolvimento e melhoria de biodefensivos e campanhas de divulgação e capacitação no seu uso.
Portanto, os agrotóxicos devem se tornar obsoletos muito em breve. Quem antecipar sua saída desse modelo de produção pode estar evitando perdas econômicas.
No nosso caso, já há técnicas de controle biológico de pragas e doenças testadas pela EMATER e aplicadas em propriedades rurais de referência. Temos a ciência e a técnica, portanto, ao nosso lado. Basta usá-las.
Quanto ao veneno, três contramedidas são necessárias: tirar do prato os alimentos com maior potencial de contaminação, substituindo-os por alimentos orgânicos ou produzidos com técnicas de controle biológico em vez de agrotóxico; sinalizar ao atual Congresso Nacional a necessidade de olhar as tendências globais de redução da produção e do consumo dessas substâncias, por meio de pressão da sociedade organizada e da mídia; e, por fim, como diria Bela Gil, você eleitor pode trocar um congressista pró-veneno e que cria problemas, por um candidato de renovação política comprometido com a proteção da saúde, do ambiente e da agricultura sustentável.
16 de junho de 2018 – Natalie Unterstell