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BREVES HISTÓRIAS

A música e o acaso ou All about love

No final de 1975, Cícero então com 17 anos, namorava Sofia, que tinha 15 anos. Cícero era o primeiro namorado de Sofia, assim como ela era sua primeira namorada. Por volta de outubro daquele ano, Cícero havia conhecido Ciro, com quem passara a trocar discos e fitas gravadas em gravadores de rolo. Em uma manhã de dezembro, Cícero ligou para a casa do novo amigo e foi atendido por uma voz feminina, que perguntou quem queria falar com Ciro. Cícero se identificou e a interlocutora disse que seu nome era Doris e que era irmã de Ciro. A conversa foi agradável e o assunto principal foi a música. Passaram a falar, diariamente, por telefone, sem, no entanto encontrarem-se. Decorridas umas duas semanas, Doris disse que iria ao dentista e pediu para Cícero ir encontrá-la. Ele foi e recebeu dela de presente o disco Broken home, do Whispers. O presente o deixou impressionado, afinal havia encontrado uma menina que gostava tanto de música quanto ele e ainda mais, gostava de soul music, como ele.
Começaram um tímido e cauteloso pré-namoro, se é que isso existe, pois Cícero ainda namorava Sofia.
Nessa mesma época, ou seja, início de dezembro, Cícero conheceria Rosa Maria, que também era irmã de outro amigo que também mexia com equipamento de som como ele, Cícero ao ir à casa de Laércio, foi atendido por Rosa Maria, que disse que o irmão não estava, mas mesmo assim o convidou para entrar, levando-o a uma sala nos fundos da casa, onde estava o equipamento de som do irmão. Para nova surpresa de Cícero, Rosa Maria também gostava de música, tinha muitos discos e como ele, também amava a soul music. Incertos são os caminhos do acaso. Cícero passou a ir quase que, diariamente, na casa de Rosa Maria. Levava discos que eles ouviam no magnífico equipamento de som de Laércio. Com Doris ele continuava a falar apenas por telefone e já a alguns dias não via Sofia.
No início de janeiro de 1976, foi convidado por Doris e também por Rosa Maria, para dançar a valsa na festa de 15 anos de Glaci. Polidamente, recusou o convite dizendo que não poderia se ausentar da cabine de som, pois seria ele o responsável pela sonorização da festa. Naquela noite não falou com nenhuma delas, pouco saindo da cabine de som.
Passados alguns dias, recebeu um telefonema de Doris, dizendo que não poderia mais falar com ele, pois havia começado a namorar Eloir, amigo de Cícero, que também acabou não mais encontrando Rosa Maria. Ela morava no chamado Morro do Vitinho e ele sempre ia até casa dela com a moto de seu amigo Eugenio, que havia se acidentado e inutilizado a moto.
Por algum inexplicável motivo, Cícero também não encontrou mais Sofia, garota que namorava há cerca de um ano e meio. Estranhos são os caminhos do acaso.
Cícero mudou de colégio e decidiu ficar um tempo sem namorada. Em abril daquele ano pediu empestado o carro de sua irmã e foi esperar Sofia na saída do colégio onde estudava. Ela relutou, mas aceitou a carona. Cícero quis reatar o namoro, mas ela jogou duro e disse que precisava pensar. Cícero foi embora e em mais uma atitude canalha, não voltou a vê-la. Em meados daquele ano Cícero acabaria sendo contratado pelo pai de Marilene, melhor amiga de Rosa Maria, para tocar na festa de 15 anos da garota e que seria realizada na casa dela. Cícero mais uma vez pouco saiu da improvisada cabine de som. Já no finalzinho da festa, Nelson, parceiro e amigo de Cícero, assumiu os pick-ups e Cícero tirou Rosa Maria para dançar. Dançaram várias músicas, incluindo aí Side show, do Blue Magic, primeira música que eles haviam escutado juntos na casa de Rosa Maria. Ao final da sessão dançante, despediram-se com um contido beijo no canto da boca.
Após essa noite eles não mais se encontrariam, exceto quando ela passava em frente ao colégio que ele estudava, uma vez que o colégio onde ela estudava era próximo ao dele. Nessas ocasiões trocavam olhares, nada além disso.
Uma coisa é certa, a música, como o acaso, pode aproximar pessoas, como também pode afastá-las e as coisas do coração, quase sempre são insondáveis e inexplicáveis para nós mesmos.
Resta-nos então ouvir as canções que falam do amor, como a belíssima All about love, do Earth, Wind and Fire e Cícero certamente, para justificar suas escolhas erradas, evoca a icônica canção, Blame it on my yuth, ou seja, culpa sua juventude por tais escolhas erradas.

Uma lágrima
Para a morte do poeta Lawrence Ferlinghetti, em 22 de fevereiro de 2021, aos 101 anos de idade, em San Francisco, Califórnia.
Ferlinghetti foi o fundador da lendária livraria City Lights em San Francisco. Nas três vezes que estive em Frisco, como era chamada San Francisco pelos beats, fui a City Lights, que fica em North Beach, a menos de 20 metros do Beat Museum.
Ferlinghetti fundou a City Lights em 1953, tornando-a também uma editora que publicaria entre outros, o livro Uivo, de Allen Ginsberg, o que custaria a Ferlinghetti uma temporada na prisão. Os conservadores americanos acharam obscena a poesia de Ginsberg e decidiram por sua apreensão, até que um juiz progressista liberasse a obra e mandasse soltar Ferlinghetti.
No Brasil foi a extinta Editora Brasisiliense a publicar pela primeira vez um livro de Ferlinghetti, uma antologia poética, Vida sem fim, em meados da década de 80. Uivo, por sua vez sairia no Brasil em 1982, em bela tradução do poeta Cláudio Willer, pela Editora LP&M.
A editora City Lights, que nos anos 60 era freqüentada por importantes nomes da beat generation, como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Gregory Corso, vai continuar em atividade, o que foi confirmado pelo filho e colaboradores de Ferlinghetti.
Um dos mais belos poemas de Ferlinghetti, O renascimento do espanto, me inspirou a escrever nos anos 80 o poema, E Ferlinghetti já sabia. O poema foi publicado em 2014, em meu Livro, Meus caros amigos, em crônica em que presto homenagem as minhas queridas amigas, Silvana Carvalho do Prado e Suzane Carvalho do Prado.

Mais uma lágrima
Para os cinco anos de falecimento neste, 13 de março, de nossa eterna diretora e fundadora do Jornal Caiçara, Lulu Augusto. Com sua pena vibrante e corajosa, Tia Lulu fez história no jornalismo local, onde foi precursora. Caiçara foi criado em 1953, em uma época em que o jornalismo era, essencialmente, dominado pela classe masculina, o que nunca amedrontou ou intimidou nossa Tia Lulu, que dirigiu Caiçara até os últimos dias de sua vida.
Tia Lulu nos inspira e vai ser nossa inspiradora por todo o sempre.
A imensa lacuna e a enorme saudade que ela deixa, somente são suportáveis pelas belíssimas lembranças que temos dela.

26 de março de 2021 – Delbrai Augusto Sá

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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