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Estamos incomodando. Isso é um bom sinal

Na última semana, uma coisa me chamou muita atenção.

Chocou-me a fala do atual presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Carlos Lupi, de que os movimentos de renovação política são “grupos clandestinos”.

A fala do político da velhíssima guarda que responde a inquérito na Justiça Federal de SP por peculato e lavagem de dinheiro, e também é réu na 6ª Vara de Brasília por improbidade administrativa, deu-se no contexto de discussão sobre afiliados que votaram contra a orientação partidária.

Independente do mérito e dos personagens envolvidos, o que Lupi vociferou foi aquilo que todos nós estamos carecas de saber: os partidos políticos querem ter e manter a primazia e o monopólio da nossa política.

Houve uma época em que se fazia política clandestina no Brasil. Esse período foi encerrado em 1988. Desde então, com a Carta Cidadã, todos podemos agir politicamente. Nos partidos políticos e também na sociedade civil. A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu artigo 5°, inciso XVII, garante que é plena a liberdade de associação para fins lícitos.

Como os leitores talvez saibam, eu sou co-fundadora de um movimento cívico e participei como bolsista de uma das iniciativas mais interessantes de inovação política do mundo, o RenovaBR. Foram eles que me encorajaram a participar nas eleições de 2018, experiência gratificante e de alto aprendizado. Tive de me filiar a um partido, já que o Brasil está entre poucos países que barram candidatos avulsos.

O que estamos vendo nos últimos cinco anos, pelo menos, é uma resposta da sociedade a esse princípio constitucional e ao crescente distanciamento da política tradicional em relação às pessoas. Movimentos de renovação política são lícitos, legais e necessários. Possuem registro, sede e propósitos.

A maior parte da população brasileira demonstrou isso nas urnas em 2018, quando a renovação no Congresso Nacional foi a maior de todo o período democrático. A propósito, o Senado teve 85% de renovação.  Infelizmente, vimos menos disso no Paraná. Oxalá esse movimento se aprofunde por aqui e a capacidade da sociedade de chacoalhar a política se torne ainda mais determinante.

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Empreender, para quando?

Abri minha primeira empresa própria no ano passado. E, falando com outros empreendedores, confesso que abrir empresa no Brasil continua sendo quase como conquistar um troféu. A gente comemora: Consegui! Wohooo! Aleluia!
Sinceramente, não parei pra pensar em quantos dias demoraria. O empreendedorismo de oportunidade, isto é, de realizar nossos sonhos, permite que a gente vá em frente e “enfrente” o excesso de burocracia brasileira, como eu fiz.
Já quem empreende por necessidade, ou seja, aquele cara que precisa fazer renda rápido, por razões variadas, fica travado pela mora e pelos muitos procedimentos. Quando não pode “se dar ao luxo” de cumprir tantos requisitos para tirar seu negócio do papel, ele é empurrado para o trabalho informal.
Do ponto de vista agregado, precisamos de um ambiente de negócios em que empresas mais competitivas consigam ocupar mais espaço. E isso depende que o excesso de burocracia seja eliminado, junto com a proteção a empresas ineficientes.
Segundo pesquisa da Endeavor, no Brasil são cerca de 8 procedimentos para abrir uma empresa. O prazo varia de 64 (no setor de serviços) a 110 dias (na indústria). O que mais pesa no tempo é conseguir alvará do corpo de bombeiros.
Alguns municípios do país estão avançando a passos largos e se tornando “cidades empreendedoras”. Curitiba impõe apenas 1 procedimento e toma 4 dias para liberar a abertura da empresa.
Mas o trabalho de desburocratizar tem que ser contínuo — Porto Alegre teve um programa de simplificação que reduziu muito o tempo de abertura de empresas. Com uma mudança no poder público municipal, a cidade caiu 8 posições no ranking de cidades empreendedoras, em 1 ano.
Pra abrir, tem dificuldade. E pra fechar? Um dado citado pela Endeavor é que cerca de 82% das empresas com baixa ou nenhuma atividade no país hoje tem pendências com a Receita Federal. Isso significa que muito dos empreendedores não conseguem fechar suas empresas e talvez nem saibam que essas “zumbis” estão irregulares.
Tenho escutado muitos empreendedores e eles me dizem que o que mais dói é o tributo. Não só o naco tirado do negócio, mas também:
1. a complexidade do sistema (muitos tributos, muita papelada) e
2. a instabilidade (toda hora tem governo atualizando alíquota).
O Rio Grande do Sul é o estado campeão em mudança da alíquota do ICMS: fez 558 alterações entre 2013 e 2017. O Paraná é bronze! (3º). Já Santa Catarina é o estado que está melhor nisso — ainda assim, atualizou o ICMS por 54 vezes no período. É muita coisa!
E ainda existem as obrigações acessórias.
Havia esperança que o mundo digital acabaria com elas. Mas na verdade, o número tem aumentado: com as ferramentas digitais, o Estado se tornou mais capaz de pedir mais obrigações. Isso torna ainda mais difícil a vida do empreendedor.
Por fim, uma reflexão sobre o SIMPLES. Foi criado para ajudar os micro e pequenos empresários a se estruturarem. No entanto, já há questionamentos sobre ele. Há evidências, por exemplo, de que as empresas que saem do SIMPLES se tornam inviáveis. Quando o governo expande os limites do SIMPLES, ele expande uma regra de exceção para alguns. Mas o problema em si é que o sistema tributário é complexo e pesado, e aplicado a todos.
A mensagem final é: precisamos atacar o problema na raiz, via reformas tributárias. Remendos poderão intensificar a complexidade e a instabilidade da nossa burocracia tributária.

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Não existe botão mágico

Você se lembra em quais candidatos a deputado estadual e federal votou nas últimas eleições? Será que eles foram eleitos?
A maioria dos brasileiros aperta o botão da urna e depois esquece.

Ao mesmo tempo, fica com a impressão de que apertou um botão mágico, que faz com o que o representante escolhido faça automaticamente as melhores decisões pelo bem de todos.

Isso é tão falso que hoje 96% de nós brasileiros não nos sentimos representados pelos políticos no poder. E apenas 6% aprovam o governo do atual presidente da República. Em uma sala com 10 pessoas, essa porcentagem não representaria nem 1 pessoa inteira.

Se você é da turma que anulou o voto, pior ainda. Se 99% da população anular o voto, ainda vai ganhar a eleição quem tiver a maioria dos votos válidos dentro do 1% de eleitorado presente. Quem anula, dá para quem vota o direito de escolher. É a terceirização da responsabilidade.

Sete de outubro está cada vez mais próximo. Que tal pensar com calma em quem vai votar? E como pretende acompanhar o trabalho desse cidadão por você escolhido, nos próximos 4 anos?

Pois bem, nós somos uma sociedade da era Google. Somos 116 milhões de brasileiros conectados à internet, segundo o IBGE. Por isso, é fundamental usar a tecnologia para nos ajudar também a participar da política.

Estão surgindo iniciativas promissoras como o aplicativo Tem Meu Voto, que ajuda o eleitor a encontrar o candidato ou a candidata a deputado estadual, deputado federal e senador com quem mais se identifica. É uma plataforma fácil, rápida e confiável. As informações são oficiais, logo obtidas do Tribunal Superior Eleitoral.
No Tem Meu Voto, o eleitor responde até 7 perguntas e, com base em suas respostas, terá acesso a uma lista dos candidatos alinhados com sua visão de mundo. O objetivo é oferecer a chance de fazer uma leitura final nos dados de cada um e escolher com mais segurança o candidato que melhor o representa. Quanto mais cidadãos engajados e atentos em como nosso dinheiro está sendo aplicado, menores as chances de casos de corrupção e desvio de recursos. Vai dar até para escolher se o candidato pode ou não ter processos na Justiça.
Há também o Vote Nelas, um site que promove a candidatura de mulheres de todo país. Nele, você pode conhecer candidatas comprometidas com a meta de que 50% do Congresso Nacional seja feminino.
São exemplos concretos de como podemos usar a tecnologia para participar da política no Brasil. Não como espectadores, mas como seres políticos que fazem escolhas conscientes.

Mas vale lembrar que, neste ano, não elegeremos um computador para presidente, mas sim um político. Não elegeremos uma “App Store”, mas um Congresso. Não votaremos em uma marca de smartphone, mas em um partido.

Os representantes públicos escolhidos terão um árduo trabalho adiante. Não vai ser o botão da urna eletrônica que fará um passe de mágica para que a situação do Brasil melhore.
Por isso, a necessidade de lembrar, quando fizer a sua escolha, que o seu representante no Congresso Nacional, na Assembléia Estadual e no Senado deve ter compromisso com uma agenda conectada com a realidade cotidiana, com o fim dos privilégios da classe política e saber do potencial do uso de governo digital para melhorar os serviços públicos.
E que você acompanhe o trabalho de quem escolher, nos próximos 4 anos. Quanto mais cidadãos engajados e atentos em como nosso dinheiro está sendo aplicado, menores as chances de corrupção e desvio de recursos.

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Antártida

A euforia cresceu no salão do navio Ushuaia na manhã de sexta-feira, 18 de janeiro de 2019. Todas as 80 participantes da expedição, só de mulheres à Antártida tinham algo a dizer sobre as últimas horas de travessia pela temida Passagem de Drake, onde as águas do Atlântico e dos mares do sul se encontram.

Ondas de doze metros de altura lavaram o navio. Ventos com rajadas de até 70 nós nos chacoalharam de um lado para outro. Algumas ouviram alarmes soarem durante a noite – eu mesma corri pra pegar meu colete salva-vidas e checar se havia emergência. Eram apenas sensores de combustível ficando loucos com a inclinação do barco. Outras pessoas viram as cadeiras voando dos quartos para o corredor.

Medo? Não.
Sabíamos que enfrentar o mar agitado era apenas um pequeno preço a pagar pela experiência extraordinária de conhecer esta “outra parte do planeta”. Estávamos preparadas e nosso navio era forte. Havíamos feito a passagem na ida e agora ela nos trazia de volta.

Confesso que na primeira perna, de 31 de dezembro a 2 de janeiro, eu estava tão ansiosa com a passagem de Drake que me coloquei no modo “dormir” por 2 dias. E dá-lhe Dramin, adesivo e pulseira anti-enjoo, além de erguer uma proteção de ferro na cabine para evitar que eu rolasse da cama pro chão. O mar não se revoltou tanto quanto o esperado.

Acordei em águas calmas com uma bruma dominando o convés. A primeira visão da Antártida é algo que nunca vou esquecer: um iceberg gigante despontava em frente ao navio. No horizonte, a camada de montanhas de gelo se unia às nuvens, formando um paredão de brancura. Foi certamente a sensação mais mágica que experimentei na vida – e que durou 21 dias.

A majestade da Antártida se fazia a cada pouso em terra ou em gelo, a cada passeio de bote pra “caçar icebergs”, a cada vez que examinávamos o horizonte tentando encontrar vida selvagem. Os primeiros pinguins, as primeiras baleias, as primeiras orcas. Os dez dias iniciais foram de descobertas e lágrimas de alegria. Que privilégio o meu estar aqui e viver isso.
Na metade da viagem, bateu uma ponta de desespero: já havíamos visto tantas coisas incríveis. Não achei que seria possível extrapolar e temi o tédio. A líder da nossa expedição – uma alemã-argentina – me disse: calma que agora vem a melhor parte.
E ela tinha razão: quando os pinguins deixaram de ser “estranhos” e passamos a visitar canais mais estreitos e mais ao sul da Peninsula Antártida, o que vi foi assustadoramente bonito. Muito mais bonito.

A experiência de “ver pela primeira vez” foi substituída pelo “apreciar a natureza em seu estado de natureza”, como o dia em que cerca de 20 orcas vieram até nós. Foi uma emoção difícil de conter. Ou o dia em que uma baleia jubarte dançou em frente a uma montanha que havíamos escalado, como querendo dar algum recado. Ou quando dei um mergulho em águas gélidas e meu corpo demorou 4 horas para se estabilizar.

Os dias foram passando e eu percebi que essa exploração era de um tipo diferente – de navegar por um espaço que a humanidade se esforça para reservar para a ciência e para a paz. Essa missão não é fácil: há um esforço ativo e consciente de manter a Antártida “viva” e inclusive de reparar os danos passados, como vazamentos de contaminantes.
Havia um paralelo disso com a minha própria experiência a bordo, convivendo com 80 mulheres até então desconhecidas, por um longo período, sem chance de fugir em caso de briga ou tédio.

Eu tive que fazer um esforço consciente para cultivar comportamentos construtivos nesta jornada. E todas as demais também se comprometeram com esse mesmo desafio.
Conseguimos criar um ambiente colaborativo, em que houve 0 brigas, 0 drama, 0 problemas não resolvidos.
Foi gratuito? Não. Foi forçado? Não. Teve fofocas? Poucas.
Houve um esforço constante de calibrar respeito, confiança, julgamentos e aprendizados.
Talvez pela primeira vez na vida, eu experimentei um ambiente tão construtivo quanto esse.

E o que vou levar daqui? O que outros podem aprender?
Lição 1: Reconhecer limites. Quanto mais claras as nossas “barreiras”, maior o nível de empatia e compaixão de uns pelos outros. Se alguém botava o fone de ouvido na viagem, era a senha para não chegar perto. Qual o meu espaço? Qual o do outro? Como eu respeito os meus limites e o dos outros? O que eu não vou fazer porque sei que vai aborrecer os outros?
Lição 2: Ser íntegra. Você não vive uma grande aventura se estiver despreparada. Construir confiança em si mesma é um pré-requisito para enfrentar o deserto ou a maravilha com outras pessoas. Como ser coerente e confiável para si mesma? Como cumprir com aquilo que eu prometo para os outros e para mim?
Lição 3: Pedir ajuda e pedir desculpas. Fácil, né? O silêncio é um grande aliado. O que funcionou para mim nesta viagem foi afastar-me da minha inclinação natural para conduzir conversas e ouvir ativamente as pessoas ao redor. Confiar que eu poderia assumir esse papel foi fundamental para perceber quando eu precisava dos outros. E quando eu havia errado, como poderia consertar.
Lição 4: Não julgar. Acreditar na boa fé. Se nós estigmatizamos pessoas ou as classificamos em isto ou aquilo, criamos divisão. Nós também perdemos a confiança delas.
Lição 5: Dizer aos outros o que se pensa sobre eles, sim. De qualquer jeito, não. Em tempos de polarização, é preciso se esforçar ativamente para suspender o julgamento, melhorar o tom de voz e aumentar a humanidade; não o contrário. Não é fácil nem natural, mas é absolutamente possível e gratificante.

Finalmente, como o mundo pode se tornar um lugar melhor depois dessa viagem?
Há uma missão maior agora.
Muito poucas pessoas neste planeta terão o privilégio de conhecer diretamente a Antártida em suas vidas. Ainda assim, aqueles de nós que tiveram, ou terão essa honra, têm a responsabilidade de conectar os demais à importância da Antártida para os bens comuns globais e para os climas locais e globais.
Aqueles que foram à Antártida várias vezes, como Amyr Klink, costumavam dizer que a paisagem mudava pouco de uma expedição para outra e que o clima é que era extremo e abrupto. Isso não é mais verdade. A mudança tem sido rápida e intensa na paisagem e no clima.
Seis graus Celsius foi o aumento da temperatura média registrado nos últimos 50 anos na estação de pesquisa americana (Palmer). Isso explica em parte que vários dos glaciares antárticos estejam recuando, ano a ano, com o efeito do aquecimento.
Quanto mais fundo íamos em nossa jornada física; mais profundamente eu reconheci que estávamos lá, em 80 mulheres, para agir intencionalmente em prol de uma cultura de paz e de respeito.
Não me refiro só à natureza, ainda que esta esteja clamando por isso.
E sim à nós, humanos.

Natalie Unterstell,
Viajou a bordo da expedição australiana Homeward Bound, como parte de um programa de desenvolvimento de lideranças femininas pela melhoria de vida das pessoas e do planeta

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