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BREVES HISTÓRIAS

No tempo das Discotecas

A professora e pesquisadora Ivanira Tereza Dias Olbertz, que em 2013 lançou o livro, Entrevistando a arte, um vasto panorama das artes plásticas em União da Vitória, Porto União e região, está preparando novo trabalho que será sobre a história da dança nas cidades.
Conversando com ela por telefone há alguns dias, fiquei sabendo que ela dedicará um capítulo sobre a história e trajetória dos DJs locais. Prestei algumas informações a respeito dos primeiros DJs da década de 70. Não sei se existiram esses animadores antes dos anos 70, deixando a pergunta para nosso notório memorialista, Irapuan Caesar da Costa, também colunista aqui de Caiçara.
Na década de 70, o primeiro DJ de que tenho notícia, foi Fernando Boni, que animava bailes e festas por estas plagas e também mantinha uma boate em Balneário Camboriú, a Kizumba. Como já contei por aqui, meu primeiro baile foi animado por Boni. Refiro-me ao Baile dos Jogos da Primavera de 1974. Para quem não sabe, os Jogos da Primavera foram criados nos anos 60, pelo nosso grande mestre Isael Pastuch e reuniam não apenas os colégios locais, como colégios de Palmas, Lapa e o mais tradicional rival do Túlio de França, o Regente Feijó, de Ponta Grossa. Também passaram por esses memoráveis jogos a PUC de Porto Alegre e colégios de Joinville e Blumenau, se a memória não me trai.
Mas voltando a meu primeiro baile, comandado por Boni nos pick ups, a efeméride aconteceu em setembro de 1974 e lotou o Clube Aliança. Eu cheguei ao clube com meu inseparável amigo, Nivaldo Camargo, no exato momento em que Boni largava a bela e, para mim, mais que emblemática balada Do you love, com Paul Anka, que juntava os diversos corações que haviam se apaixonado durante as disputas. Como não poderia deixar de ser, ficamos embasbacados, perplexos pela excelente qualidade dos amplificadores Kenwood, dos pick ups Sansuy e das caixas acústicas que o próprio Boni montava. Isso sem falar das luzes profissionais daquele formidável técnico de som. Enquanto rolavam as baladas, Boni atacava com um imenso globo espelhado, iluminado por um, poderoso canhão de luz. Desligado o globo ou mesmo com ele ainda ligado, era acionada a luz negra, que dava a sensação de que nos drinks como Gin tônica, a luz emanasse dos copos. Outra luz fantástica que Boni utilizava e que no ano seguinte criaríamos uma de forma caseira, era a Submarina, que consistia na projeção nas paredes ou teto de enormes bolhas coloridas que se expandiam, estouravam e criavam novas imagens psicodélicas, evocando atmosferas lisérgicas que rolavam soltas naqueles loucos anos. Também havia a Cadavérica, que como o nome diz , dava aos presentes uma coloração de imensa palidez, exacerbada pela estroboscópíca que ao piscar em altíssima velocidade, dava aos dançarinos uma impressão de que seus movimentos estavam em câmera lenta.
Eu e Nivaldo demos algumas voltas pelo salão e subimos ao palco para ver as coisas lá de cima, que ficavam ainda mais fantásticas. Boni possuía um equipamento formidável, mas não investia muito em discos e daí eu emprestava vários vinis para ele, como por exemplo, o disco de Roberta Flack, que continha, Feel like making love, um dos grandes hits da época. Como também já contei por aqui, foi naquela noite que eu e Nivaldo ao voltarmos para casa, imersos em elucubrações, decidimos que iríamos montar um sistema de som. O que fizemos no ano seguinte.
Mas antes de montarmos a nossa equipe de som, outro grande DJ nos antecederia, Orlando Millis Filho, conhecido até hoje como Juba, que com seu sócio Curcio criariam o Curtisom. Juba e seu sócio também possuíam um equipamento de primeira qualidade, sendo as caixas acústicas também montadas pelo próprio Juba, que como Boni também era um gênio da eletrônica, tanto que seriam eles que montariam toda a estrutura de som e luzes da discoteca do Clube Aliança.
Em 1975, eu já com uma discoteca considerável, criaria com Nivaldo Camargo, Paulinho Rochemback e Rubiomar Savi, o Pran Som, junção das iniciais de Paulinho, Rubio, Augusto e Nivaldo. Não gostamos do nome e começamos a pensar em outros, até que minha prima Lenita Augusto que passava férias em minha casa sugeriu Alucinasom. Gostamos na hora e nascia a equipe de som que mais tocaria festas de aniversário de 15 anos, casamentos e festas que nós mesmos promovíamos em 75,76 e 77.
No início de 76, Nivaldo partia para Brasília, onde prestaria o serviço militar. Foi aí que nos juntaríamos a Celsinho Passos e seu Unisom.
Tocaríamos, praticamente, todas as festas de 15 anos realizadas naquele período, no Concórdia, Apolo e Círculo Militar. Nunca tocamos no Aliança que era muito grande para nosso equipamento. Sendo assim, quem lá reinava soberano era Juba Millis, pois Boni já se dedicava, exclusivamente, à sua Kizumba.
Não tínhamos em Juba um concorrente e sim um parceiro, que em não raras vezes nos socorreu com cabos e microfones. Ainda no início de 76 firmamos mais uma bela parceria, desta feita com Gilmar Yared, filho de seu Jorge Yared, então gerente da Rádio União. Era Gilmar que gravava nos estúdios da União, os spots que usávamos na abertura e encerramento dos eventos, além de fazer propaganda gratuita para nós, que é claro retribuíamos nas festas que tocávamos. Nosso spot de abertura, com a voz possante de Gilmar, dizia: Alucinasom, Unisom e Rádio União, de mãos dadas abrem esse evento. Nosso prefixo era a música Overture, do The Miracles. Vale salientar que adotamos esse prefixo muito antes da TV Globo o utilizar na abertura das transmissões esportivas.
Nossa discoteca, mais os discos de Celsinho e Irian Passos, ultrapassavam longe a casa dos mil.
Lançamos moda, como o hustle, que fomos os primeiros a tocar, como a música que dá nome ao movimento Disco, The hustle, de Van Mccoy. Lançaríamos as divas da Disco Music, como Donna Summer, já em seu primeiro disco, Love to love baby, mas, especialmente, seu segundo trabalho, A love trilogy, onde estava o mega hit, Try me, I knowm we can make it, que como diria Big Boy, para mim foi o maior DJ do Brasil, levantava até sarcófagos. Lançamos Ritchie Family, Tina Charles, KC and the Sunshine Band, Tavares, Chic, Kool & the Gang, The Sister Sledge, Gloria Gaynor, The Pointer Sisters, The Tramps, The Spinnres, The O´Jays entre tantos outros. Fomos os primeiros a tocar o antológico disco de Stevie Wonder, Songs in the key of life, Hurricane, de Bob Dylan, Hotel Califórnia dos Eagles entre tantos que não daria para nominar aqui nesta página.
Eu, Celsinho e Irian promoveríamos em 1976, provavelmente, a maior festa da década de 70, The 60´s Dancing Night, lotando o Concórdia.
Eu, Celsinho e Irian ainda faríamos uma festa que, praticamente, lançaria o DJ que nos sucederia Álvaro Moreira, o conhecido Belau, que logo em seguida se notabilizaria como o principal DJ da cidade, uma vez que eu e Baca (Celsinho) penduraríamos as chuteiras, ou melhor, os pick ups.
Vivemos e fizemos aqui nas cidades a era de ouro do movimento Disco.
Quem viveu viu. Good times.

14 de abril de 2021 – Delbrai Augusto Sá

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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