Lançado em junho deste ano nos cinemas, já chegou a Amazon Prime o filme de terror Hereditário. Considerado por muitos críticos o melhor filme do gênero em 2018 (que ainda nem acabou), Hereditário narra a história da família Graham lidando com o luto logo após o falecimento da matriarca. Ao não conseguir se comunicar muito bem entre si, o casal e seus dois filhos reagem de formas diversas a perda. Até que outro evento trágico desencadeia uma série de acontecimentos mais sombrios e estranhos
Escrito e dirigido por Ari Aster, um desconhecido até então, o filme tem duas horas que diferem muito entre si, apesar da atmosfera escura, com iluminação parca, que predomina do início ao fim. A primeira hora é estritamente sobre luto e perda, um terror emocional e drama de relações humanas. O terror fica por conta da tensão entre os membros restantes da família que não conseguem dialogar ou expressar seus sentimentos. Até que as coisas explodem em discursos intempestivos e que geram arrependimentos imediatos.
A segunda hora flerta com o sobrenatural, que pode ser negado quase que até o último minuto da película, quando não sobram dúvidas de que não se trata de um sentimento humano a assombrar os Graham. Ainda assim, mesmo com as aparições, os cadáveres e a magia que toma conta da casa, o que fica de mais potente é o que o filme explora sem metáforas em sua primeira hora. O terror palpável da perda e do luto, a experiência em que todos podemos nos reconhecer. Ou se não podemos reconhece-la, por certo a tememos. O ponto alto de Hereditário se encontra no que de mais humano existe na estória. É claro que o diretor explora muito bem luz e sombra (a última meia hora do filme é uma penumbra quase impossível de decifrar), utilizando os cantos da tela e passagens rápidas de seres sobrenaturais para gerar sobressaltos no público, que não confia plenamente em seus olhos, assim como os pobres personagens atormentados na tela.
A impressão principal é que a segunda hora não inova na atmosfera e abusa de alguns mecanismos já batidos, enquanto a primeira hora nos mostra o que de verdade é o horror. Sustos são legais às vezes, mas depois de sobreviver a uma hora e meia da mais pura tensão psicológica eles soam um tanto vazios e cansativos. O que segura o filme até o fim é o sólido elenco encabeçado por Toni Colette como a mãe que acaba de perder a própria mãe e parece estar presa em um espiral de loucura, a atriz tem mudanças de expressão e tom que deveriam lhe valer um Oscar; e Gabriel Byrne, como o pai,figura antagonista da mãe, muito mais frio e que parece entender pouco o luto da esposa, até que ela começa a enlouquecer e ele entra em desespero. Os atores que interpretam os filhos também se saem bem, Alex Wolff leva seu Peter numa toada parecida com a de Colette, seus personagens são complementares; e a jovem revelação Milly Shapiro, como Charlie, possivelmente a personagem mais esquisita do filme, interpretada como tal.
Uma dica: a primeira hora vale o tempo investido na segunda, mas não se frustre se o final não lhe agradar tanto. Perder alguém que amamos é a sinopse mais forte que um filme de terror poderia ter, lidar com o luto é um forte ponto de viradas dramatúrgicas. A metáfora é compreensível, mas o literal, ainda que não dito, triunfa.
16 de novembro de 2018 – Nina Rosa Sá