Bom, como domingo o grandiloquente filme de terror que pode se tornar este país tem grande chance de se concretizar, nada melhor do que falar de horror de fato, aproveitando os últimos meses de democracia e liberdade de expressão aqui na República das Bananas.
Quer dizer, talvez aproveitando meus últimos momentos por aqui, já que se for eleito, o Bozo promete varrer a ameaça comunista (???) do país. Eu não acho que eu deveria explicar pra ninguém em pleno 2018 que a ameaça comunista não existiu nem lá em 64, quem dirá hoje em dia. Mas parece que tem muita gente precisando, então fica a dica: não existe ameaça comunista. O PT não é nem meio socialista, pra decepção de muitos de nós, e o pobrezinho do Psol se chegasse lá teria que se render ao sistema vigente, mas claro que pensando no viés social, que é o carro chefe deles e grande preocupação de quem tem um mínimo de empatia nesse mundo.
Quero dizer também que essa história de meio ambiente não é brincadeira e muito menos piada e que todo mundo deveria levar mais a sério quando algum candidato diz que não vai assinar tratados que busquem preservação ambiental. Não dá pra querer comparar a República das Bananas com o país mais poderoso do globo. O bozo deles não assinar tratado gera pouco backlash porque eles, quando e se tomam sanções respondem com mais sanções. O Brasil, bem, vai tomar naquele lugar mesmo. Então, se empatia não te convence, fica aqui o apelo para economia. Vai ferrar tudo. E aí só nos resta um filme de terror cercado de desespero econômico e social.
Mas como eu disse, não vamos falar desse filme de terror até que ele se concretize. A trama em que a vida humana importa muito pouco, apesar de séculos de discurso humanista, é de outro tipo de filme. Talvez o paralelo seja aplicável se estivermos discutindo a série The Purge (coloquei o nome aqui em inglês porque no Brasil fizeram uma salada mista doida com a tradução e os filmes tem uns três nomes diferentes). Estamos falando de outro tipo de terror, um tipo bem batido (como deveria ser o discurso anticomunista), mas que encontra ecos de novidade ao apostar num drama de personagem bem construído (ao contrário do discurso anticomunista). Estou falando dessa série nova da Netflix que aposta seriamente no subgênero casa mal assombrada, The Haunting of the Hill House.
O terror fica meio diluído em dez episódios, mas quem gosta de sustos não precisa se preocupar, pois tem vários, seja com aparições fantasmagóricas surpreendentes ou na trilha e efeitos sonoros que oscilam de volume. A narrativa brinca com diversas possiblidades para o, digamos assim, assombramento da casa e da família que lá vivia. E arrasta a resolução de todo o conflito por dez episódios sem se tornar maçante justamente por isso. A residência Hill pode mesmo ser mal assombrada, ou a família pode ter um sério histórico de doenças mentais, ou ainda sei lá, mofo preto. A história se passa em dois tempos distintos, que se desdobram em outros. Mas essencialmente a história se divide entre passado e presente (os desdobramentos se dão por meses ou semanas mostrados de forma não cronológica). No passado a família Crain vai passar o verão morando e reformando a residência Hill para depois vende-la por um preço exorbitante. A família é formada pelo casal e seus cinco filhos, em ordem de idade do maior para o menos: Steve, Shirley, Theo e os gêmeos Luke e Nell. Os gêmeos são constantemente assombrados por figuras fantasmagóricas, como a Moça do Pescoço Torto e o Homem do Chapéu. Theo tem uma espécie de dom em que desvenda sentimentos e a história de coisas e pessoas quando as toca. Shirley fala dormindo e ouve barulhos estranhos. O único alheio a tudo isso é Steve, justamente aquele que na vida adulta escreve um livro de terror sobre a casa assombrada em que cresceram. Quanto mais tempo passam na casa, mais estranhas as coisas vão ficando para a família, com pesadelos, aparições e um descida desenfreada ao inferno da loucura. Isso tudo vale mais pra mãe e pros gêmeos. Some-se a isso o casal de zeladores que ajudam na reforma da casa e sua estranha presença.
A narrativa do passado é mais tensa, até porque coloca crianças em situação de risco, seja pela ação dos fantasmas ou pela loucura crescente da mãe. Na parte do presente vemos cinco adultos desajustados tentando lidar com uma infância traumática que culminou com o suicídio da mãe (não é spoiler, a narrativa fragmentada revela isso logo no início). Luke é viciado em heroína, Nell tem problemas emocionais e talvez distúrbios psicológicos, Shirley precisa ser perfeita, Theo não se envolve emocionalmente com nada nem ninguém e Steven acaba de se separar da mulher. Praticamente nenhum deles fala com o pai.
Mas a história aqui é que eles precisam resolver suas questões familiares pra poder resolver o grande trauma do passado e tentar entender o que aconteceu com a família naquele fatídico verão que culminou numa noite trágica. E aí que a série cresce, investindo no drama familiar, calcado em personagens traumatizadas tentando fazer o melhor que podem com uma situação terrível: no final do primeiro episódio descobrimos que a irmã mais nova voltou à casa da infância e acaba de se suicidar. O que restou da família precisa entender o que aconteceu e como lidar, tanto com o passado quanto com o presente. Os dois últimos episódios trazem o tão esperado desfecho, mas perdem em carga emocional para os outros. Destaque para o episódio cinco, de longe o melhor da temporada, com um importante ponto de virada.
Pra quem gosta de terror e de dramas familiares a série está mais do que recomendada. Pra quem gosta de roteiros bem amarrados em pontos de virada inesperados também!
26 de outubro de 2018 – Nina Rosa Sá