Durante a nossa vida:
Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que,
Vêm, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar…
Charles Chaplin
Em 1980, eu era menino de tudo, ainda jogava meu futebol de rua, brincava com bolinhas de búlica, bets e mesmo não gostando muito, acompanhava meus amigos em banhos escondidos no ainda límpido e despoluído rio Vermelho. Os jogos do Iguaçu eram minha religião, embora tenha frequentado a catequese, com primeira comunhão e crisma concluídos, para alegria dos meus pais.
O Meu pai, Darcy, que imitava passarinhos, chegou até se apresentar em canais de TV na capital paranaense, também apreciava poesia. Daí a sua ligação com alguns intelectuais de nossas cidades.
Foi uma dessas amizades, que proporcionou a minha indicação para ocupar uma vaga no Caiçara Gráfica e Editora. Meu pai conhecia a Lulu, e ela precisava de um menino pra trabalhar como “cobrador” (ainda não se usava o termo office boy).
Lá fui eu. Fazia o básico. Cobrava os anunciantes, assinantes e aos sábados entregava a esperada edição do jornal, nas casas, comércio e empresas. Depois de uns meses fui promovido e comecei a trabalhar no parque gráfico. Conheci então a nossa gerente Cristina. A Cristina é irmã da Cláudia, casada com Bartimeu, o meu ídolo Belga, da Associação Atlética Iguaçu.
Incrível que hoje o Belga é meu companheiro na apresentação do programa Top Esporte, que vai ao ar diariamente às 13 horas na Educadora Uniguaçu FM. A mesma Educadora que trabalhei também em 1981.
A Cristina sempre foi rigorosa e exigente. Dificilmente eu tinha contato com a “dona do Jornal”. A Lulu tinha a rotina dela e me parecia sempre que ela era blindada pela Cristina e pela Sandra (secretária e assessora a época). Poucas as vezes que travei um diálogo com a Lulu. Existia uma relativa idolatria e assim eu passei a trata-la. Eu mais a ouvia e lia. Certa ocasião a Lulu estava parada na entrada do jornal e após eu a saudar com meu melhor “bom dia”, ela me perguntou se eu gostava de livros. Eu disse que sim. Era fervoroso frequentador da F.I.E.L., Feira Estudantil do Livro, além de colecionador de revistas em quadrinho (Mônica, Tio Patinhas, Zé Carioca) e sem esquecer as “Seleções de Readers Digest”. Confesso que tentei por várias vezes concluir “As veias abertas da América latina”, talvez não estivesse maduro pra isso. Eu tinha 15 anos.
Mas enfim, voltando à conversa com a Lulu, que não passou de 10 minutos, ela me incentivou a ler, mais e mais, pois ela precisava de um repórter esportivo. Fiquei feliz e aquilo mudou o rumo da minha vida. Meu objetivo era ser Jornalista, igual a Lulu e ao René. Não demorou muito pra que eu fosse chamado pra cobrir o futebol e o esporte em geral. Minha Coluna no Caiçara se chamava “Bola Viva”, por “imposição” do velho Darcy. Achei que ele merecia a deferência, por ter-me “arrumado” tão especial trabalho.
Por sua vez a Cristina, sentenciou: “pode escrever a tua coluna, mas depois de fazer o serviço na gráfica”. E assim foi feito durante meses.
A Lulu sempre foi muito respeitada e nos ensinava com sua postura de vanguarda. Incentivou e fomentou movimentos culturais e manifestações artísticas de todas as formas. Eu sou testemunha disso. O fortalecimento e manutenção histórica do periódico e tradicional Jornal Caiçara têm muita relação com a garra e determinação dela.
Entendo que o prefeito Bachir, corroborado de forma unanime pelo Poder Legislativo, ao tomar a iniciativa de nominar “Travessa Jornalista Lulu Augusto”, uma via central e histórica do nosso quadro urbano, eterniza não só o nome da pessoa, Maria Daluz Augusto, mas sim de um legado, uma entidade.
Ao ver os amigos Delbrai e Margarete, felizes, sorridentes e orgulhosos com tamanha honraria, eu também me sinto assim, pois tive o privilégio de conviver e aprender tanto, sempre com valores bondosos, dignidade e valentia de uma mulher a frente do seu tempo. Quem sabe em breve espaço de tempo poderemos nos encontrar, na Travessa Lulu Augusto, pra ler um livro, tomar um café ou assistir uma apresentação artística.
Com a devida “vênia”, permitam, Delbrai e Marga, garimpar um trecho de uma crônica da Lulu, dos idos de 1958:
“Será que à força de tanto realismo estamos nos metendo no paradoxo de realizar, de tornar palpável e visível o que na Mitologia não passa de engenhosa fabulação? Por quê? Perguntará o ouvinte. E eu respondo: porque, apesar de não existir no planeta nenhum jardim com árvores extraordinárias como aquela do horto das filhas de Atlas existe pomos de ouro nas mercearias de nossas cidades. São as maçãs! Vejam só!”
Assentava ela sobre “As maçãs e o jardim das hespérides”.
A mulher realmente estava em outro patamar, uma prateleira acima da cultura e da postura social.
Um salve a Lulu e todas as pessoas que vem e que ficam, e também aquelas que, vem e passam.
“Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar…”
18 de dezembro de 2021 – Carlos Alberto Senkiv