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BREVES HISTÓRIAS

A inextricável engrenagem do acaso

Minha neta Isabela está morando comigo. E na semana que antecedia a Páscoa, levei-a para passear de trenzinho. Ao entrarmos na fila ela me mostrou um menino que era seu colega de escola. Não demorou muito e ele veio falar com ela e logo saíram correndo, brincando na Praça.
Ao chegar em casa contei o acontecido e como Isabela tem facilidade em se adaptar a novos ambientes e fazer novos amigos.
Lembrei então de meus 9 anos, idade de Isabela. Eu estuava no Externato Santa Terezinha e durante os quatro anos que lá estive, nunca falei, uma única vez, com uma garota, exceto quando certo dia, derrubei minha mala de um banco e ela foi ajuntada por uma menininha de franjinha que eu já admirava a distância, achando-a a mais bonita da sala.
Consegui, a duras penas, agradecer. Ela também, tão tímida como eu, balbuciou, por nada.
Voltei a encontrá-la na terceira série do antigo ginásio, já no Túlio de França. Nunca conversamos.
Nos encontramos pelas redes sociais, quase 50 anos depois, relembramos o episódio da mala e hoje somos amigos.
Ainda no Túlio, após trocar a bola de futebol pelo interesse no sexo oposto, comecei a notar uma menina que acho que estudava umas duas séries depois de mim. Eu a via no recreio. Nossos olhares eram, imediatamente, atraídos. Eu gostei muito dela e creio que ela também de mim, pois ficamos mais de um ano apenas nessa troca de olhares, nunca conversamos.
Creio que isso ocorreu quando eu estava na quarta série do ginásio, quando eu e meu inseparável amigo, Nivaldo Camargo, subíamos, diariamente, a avenida cerca de uns 20 metros atrás da tal menina, que também caminhava sempre ao lado da mesma amiga. Num dia qualquer elas se viraram e vieram em nossa direção.
Com o coração na mão, perguntei a Nivaldo:

  • E agora? Ele respondeu:
  • Vamos entrar aqui.
    E entramos em uma pequena joalheria, ótica ou coisa assim. Fomos ao balcão e Nivaldo pediu para ver um relógio. Esses preciosos momentos serviram para que elas desistissem e voltassem ao seu caminho inicial.
    Desse dia em diante paramos de segui-las, mas continuamos apenas nos olhando, sem jamais mantermos contato verbal.
    Nos Jogos da Primavera de 1974, eu então com 16 anos e ao lado de outro inseparável amigo, Paulo Murara, avistamos duas garotas no lado oposto da arquibancada onde estávamos, duas meninas, que movidas pelo acaso, estavam naquele momento com um garoto que havia sido nosso vizinho.
    Como olhávamos insistentemente para elas e éramos correspondidos, decidimos chamar o antigo vizinho. Ele veio e perguntamos a ele quem elas eram. Ele nos disse que eram suas vizinhas e nos informou o nome delas. Eu então, movido sei lá por que repentina coragem, pedi ao antigo vizinho que perguntasse para a menina de cabelos castanhos, a outra era loura. Para quem de nós dois, ela estava olhando?
    O garoto foi lá e voltou dizendo que ela olhava para o de camisa listrada, que era eu.
    Mais uma vez, tomado sabe-se lá por que ousadia e talvez cansado de minha atroz timidez, pedi ao amigo comum, que dissesse a ela que eu gostaria de conhece-la. Mas como a ousadia não era assim tão grande, pedi para encontrá-la no dia seguinte. Lá foi o mensageiro que voltou com o endereço da menina.
    Até hoje penso que marquei para o dia seguinte temendo me acovardar e não ir.
    Não me acovardei. Ela tinha 14 anos, conversamos até com certa desenvoltura e dias depois a pedi em namoro. Ela aceitou. Ficamos juntos por mais de um ano. Fizemos plano de morar em Nova Iorque, indo para lá de moto, pelo Canal do Panamá. Isso já era um plano meu, de Nivaldo e Paulo. Ela topou, nem mesmo se surpreendeu pelo fato de nenhum de nós ter moto.
    Deixei de vê-la e em um ato pusilânime, nunca disse porquê.
    Eu havia começado a conversar por telefone com a irmã de um novo amigo que fizera recentemente. Ela gostava de música, tinha discos e ainda era dona de uma voz agradável.
    Nem era bonita e era vazia e ainda meu deu um belo de um fora.
    Um fora é sempre doído, mexe com nossa auto estima. Mas a chateação não durou nenhuma semana. Fui então estudar no Colégio São José, levado por um novo amigo e também meu vizinho.
    Fui para uma sala que havia mais meninas que meninos e eu não conhecia nenhuma delas, exceto uma morena que eu havia visto em um Chá de Debutantes, que eu com meu Alucinasom, havia sonorizado. Eu não sabia seu nome, mas a achava muito bonita. Foi uma de minhas primeiras amigas no colégio. Acabei fazendo amizade com outras três meninas e uma delas me convidou para estudar matemática em sua casa. Todos éramos péssimos na matéria. Acabamos namorando e ela foi sem nenhuma dúvida, uma das criaturas mais doces e delicadas que conheci.
    Ficamos pouco tempo juntos, até que a tal garota que eu havia avistado naquele chá viesse me dizer que uma outra garota sua amiga estava interessada em mim.
    Quase que ao mesmo tempo, uma outra amiga que eu já conhecia do Túlio, veio me dizer que uma prima sua estava a fim de mim. Escolhi a primeira que nem era bonita, enquanto a segunda bem mais bonita havia sido minha parceira de dança na festa de 15 anos de sua prima, aquela que havia me contado do interesse dela por mim. Escolhi mal, a tal garota era ainda mais sem conteúdo do que aquela que mencionei anteriormente.
    Escolhas erradas sempre dão maus resultados e tomei um fora da tal garota.
    Nem liguei e mais uma vez, com o acaso movendo as peças desse intrincado xadrez que é a vida, me aproximei da amiga que havia me trazido a notícia do interesse da tal garota.
    Ficamos muito amigos e daí nasceu uma recíproca atração. Nada dissemos. Ao mesmo tempo eu flertava com uma garota que vinha quase todo dia ao portão de minha casa e conversávamos rapidamente, pois ela tinha que devolver o carro ao pai.
    Ironicamente neste mesmo tempo as duas garotas que haviam me dispensado me procuraram para reatar o namoro. Disse a ambas, no jargão da época, que estava em outra. Disse o mesmo para a garota do carro. Contei tudo isso para a amiga de quem já estava gostando e sentia que o sentimento era recíproco.
    Mas nada aconteceu, até que em julho ela viajou para Salvador. Ficou uns 20 dias fora e me mandava cartas de cada cidade onde parava e me telefonou umas duas vezes.
    Quando ela voltou, fui esperar por ela na Praça Hercílio Luz. Eu estava diferente por dentro e por fora, pois havia cortado meus longos cabelos e estava agora com um cabelo curto.
    Ela desceu do ônibus, confraternizou com a família e foi em minha direção.
    A primeira frase que lhe disse foi:
  • Quer namorar comigo?
    Ela aceitou e quatro anos depois casamos.
    Como disse Vinícius de Morais, foi eterno enquanto durou e ainda como disse Marx, “ tudo que é sólido desmancha no ar”.
    Mais uma vez o acaso moveu sua intrincada engrenagem e após minha separação, retomei a amizade com aquela velha amiga, que de velha não tinha nada e de quebra continuava linda.
    Para entender melhor, essa amiga é aquela que foi me dizer que sua prima estava interessada em mim.
    Namoramos por quase três anos e já estamos casados há quase 26 anos.
    O primeiro namorado de minha mulher foi aquele meu amigo que me levou para o São José. Depois ela casou com outro grande amigo de minha adolescência. Já desfeito seu primeiro casamento, quase namorou com outro amigo e também meu vizinho e terminou casando comigo.
    Os crédulos e como tal, deterministas, após o término dessas mal traçadas linhas, dirão: Era para ser assim, estava escrito.
    Nada disso. Nada está escrito em lugar algum, são, simplesmente, nossas escolhas, com alguns empurrões, desse velho conhecido nosso: O acaso.

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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