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NACO DE PROSA

Incêndio ceifador de anjos

Irmã Ambrósia Sabatovycz nasceu no dia 02 de agosto de 1894, em Turynka, na Ucrânia Ocidental. Foi batizada e crismada na igreja local do rito oriental bizantino católico, recebendo o nome de Ana. Seus pais, como tantos outros lavradores ucranianos, forçados pela falta de terra para cultivar, juntaram-se aos grupos de imigrantes que saíam da Ucrânia em busca de melhores condições para viver, trabalhar e garantir o futuro dos filhos. Nicolau e Justina, pais de Ana, trazendo o primogênito João de 4 anos e Ana com um ano, após muitas dificuldades se estabeleceram, em setembro de 1895, nas imediações de Prudentópolis.
Atingindo a idade requerida, Ana foi admitida à Primeira Eucaristia, fato que marcou intensamente a sua alma. Aos poucos foi despertando e fazendo amadurecer nela a semente da graça da vocação religiosa.
No dia 28 de agosto de 1917, Ana com 22 anos, despediu-se de seus pais e irmãos e seguiu para o noviciado das Irmãs Servas de Maria Imaculada. Com a entrada no postulantado, Ana começou seriamente o importante trabalho da sua formação religiosa, sob a orientação da serva de Deus, então Mestra do Noviciado, Irmã Anatólia Bodnar. No dia 15 de fevereiro de 1918, ela vestiu o hábito religioso, adotando o nome religioso de Irmã Ambrósia, em honra do grande Santo Ambrósio. Estava sempre pronta para ser enviada em missão, trabalhou em diversas comunidades da Província. Humilde e modesta, passou a vida inteira trabalhando na cozinha e exercendo outros serviços domésticos. As crianças que estavam no internato ficavam sob a sua responsabilidade. Nos últimos dias de sua vida exerceu a função de enfermeira, medicando, fazendo curativos, até suturando pequenos cortes de acidentados, era especial no atendimento aos enfermos. Não havia médicos então ela se desdobrava para dar conta de todas as suas tarefas, era polivalente na comunidade. Irmã Ambrósia trabalhou seus últimos quatro anos de sua vida foi no Colégio Cristo Rei, em Rio das Antas, Cruz Machado,PR, que na época fazia parte do município de União da Vitória. Desenvolveu com sucesso um grande trabalho como enfermeira atendendo a todos com muito amor, espírito abnegado e com muito sacrifício. Era também a responsável pelas crianças. As irmãs mantinham um internato para crianças em idade escolar. Naquele ano os internos eram 5 meninos e 7 meninas. Ficavam internas devido à distância de suas casas, o que dificultava a sua frequência na escola. Há muitos depoimentos de crianças e jovens daquela época que guardam Irmã Ambrósia na memória.
Irmã Ambrósia se destacou na prática de todas as virtudes teologais, fé, esperança e caridade. Era de temperamento alegre, brincalhona, humilde, trabalhadora.
Sendo fiel às menores coisas, cresceu o seu espírito a ponto de entregar a vida pelo próximo, no fatídico incêndio em Cruz Machado, que na época fazia parte do município de União da Vitória.
Dia 22 de dezembro de 1925, data de sua Profissão Perpétua, de sua doação a Deus até à morte. Na noite fatídica, Irmã Ambrósia sentiu o cheiro de fumaça começou a gritar por socorro e, avisando que havia fogo, tentou socorrer as meninas, mas já era tarde. Percebendo que não havia mais tempo, gritou: “Irmãs, para a janela!”. Três Irmãs pularam de uma altura de seis metros e meio. Irmã Ambrósia ficou sozinha com as meninas lutando contra o fogo, mas não havia mais saída, tentou salvá-las, mas foi em vão. Foram consumidas pelo fogo, segurando a menor delas junto ao seu peito, foram encontradas nessa posição, carbonizadas. Os restos mortais das seis meninas e da Irmã Ambrósia repousam no cemitério de Rio das Antas (Município de Cruz Machado- PR), que se encontra próximo à igreja e da atual casa das Irmãs.
“Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida por seu irmão”.
Há um documentário que foi realizado ao longo de dois anos, com depoimentos que foram registrados com famílias em Cruz Machado, com roteiro e direção de Mariane Christine Boldori.
Este texto foi inspirado no livro A Serva que Amou até o Fim, da Irmã Josafata Pachechenik.

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NACO DE PROSA

Naqueles trilhos faltava ela

Ouço ao longe o apito do trem. Na minha adolescência o apito significava muitas coisas, a alegria da chegada de cargas, pessoas, correspondências, novidades de outros lugares.

Eu resido próximo à linha do trem, por isso, posso afirmar, que só quem ouviu vai entender esta onomatopeia: piui! piui!

O apito servia como um marcador de tempo ou até instrumento de aviso à população sobre alguma calamidade; como relógio, as pessoas sabiam de onde vinha o apito, e calculavam a hora do dia, e quando o último sibilar acontecia, todos sabiam que era tempo de silenciar e repousar. Interessante lembrar o poema de Manuel Bandeira, “ Trem de ferro”, o qual usei com um grupo de crianças para fazermos o barulho das rodas nos trilhos de ferro. A escolha das palavras e repetição do verso “café com pão”, “café com pão”, a sonoridade das palavras do verso, produziam uma sequência de sons que nos reportam ao barulho proveniente do deslocamento de uma locomotiva sobre os trilhos. O guarda-chaves manobrava os desvios, entroncamentos dos trilhos, trabalho importante de grande responsabilidade, e quando o trem se aproximava de um trilho com outro destino, a máquina de ferro simplesmente deslizava feito serpente, à outra linha. Um passado que voltou.

É ela voltou aos trilhos, ela que veio trazer alegria às famílias, principalmente às crianças. Pude observar o embarque, na estação, observei de perto cada rostinho, cada gesto, cada sorriso, todos mostravam sua felicidade de um momento de glória, viajar de trem.

Eu costumo dizer por aí, que tenho uma das vistas mais privilegiadas do mundo.

Não moro em um palácio nem no alto de uma colina, mas porque, daqui, exatamente onde estou, posso ver a fumaça da “Máquina 310” passando, e com ela, meus pensamentos seguem e volto a um tempo do qual, eu não queria ter saído.

Mas como não somos os donos do tempo, apenas aceitamos e seguimos, entre suspiros e algumas lágrimas que cismam em molhar nosso rosto.

Lembro do tempo em que meu pai se despedia, ainda na cozinha em que minha mãe preparava o café, para ir à estação e pegar o trem para o trabalho.

Eu o veria novamente, com muita sorte, daqui a uns dois ou três dias.

Quando eu tinha uns cinco anos, meus olhos mal conseguiam ultrapassar a altura da janela, eu ouvia de longe seu apito, e corria para ver se, de repente, meu pai não estaria do lado de fora, acenando para mim.

E os anos se passaram, meus pais hoje não estão mais aqui, o café já está frio sobre a mesa. A janela fechada. Cortinas cerradas.

Foi quando num salto achei que, enganada pelos meus cansados ouvidos, ele havia voltado. A cozinha foi invadida pelo cheiro do café forte, sempre três colheres bem cheias, minha mãe repetia em voz alta. Meu pai saia do quarto, afivelando o cinto, cabelos alinhados e o abraço mais terno e quente que havia.

Mas o tempo não havia voltado, não da forma que eu imaginei. Mas, sim, o tempo atual, que trouxe de volta uma parte da minha infância, a Locomotiva 310, nossa querida Maria Fumaça. Que fazia tremer os trilhos e nos afastava para longe devido ao perigo que havia quando ela passava apitando.

E quantas lembranças boas! Hoje, de volta aos trilhos, ela traz consigo um passado bom, um passado perdido no tempo, há muito tempo. E quando, após anos, volto a entrar em um dos seus vagões, segurando na barra da entrada para conseguir impulso, vejo aquela pequena menina, que aos pulinhos ia encontrar seu papai na estação. O pai abaixava, deixando a cesta de alimentos para me dar o abraço que eu esperava.

Seu apito entra direto em minha alma, e junto ao compasso do meu coração, traz novamente à minha rotina, a sinfonia de um lindo e distante passado, aquele que carrego em meus sonhos de menina.

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NACO DE PROSA

Fatos que nos surpreendem

Às vezes acontecem episódios, que achamos só coincidência, pura obra do acaso, porém, não é bem assim.
Sempre gostei de estar entre livros, poemas, bibliotecas, museus e sebos. Há um bom tempo pediram para eu escrever um poema para homenagear minha cidade, União da Vitória. Este poema foi apresentado em alguns eventos, quando eu o declamei. Meses depois soube que a presidente da Avipaf, em Curitiba o colocou em exposição junto a outros poemas, na biblioteca do Paraná, Curitiba. Eu estava na cidade e aproveitei para visitar a exposição, fui com minha filha.
Fiquei deslumbrada com tantos poemas maravilhosos. Fixei no meu. De repente, se aproximou um senhor, foi lendo vagarosamente cada um. De repente, ele falou ao celular com um amigo e disse: – Fulano, você não vai acreditar, estou na frente de uma exposição de poemas e, um é sobre União da Vitória. Ele estava empolgado. Olhei para minha filha com espanto, eu parecia uma poeta famosa.
Logo que ele desligou o celular, olhou para nós e falou:
Estou muito feliz, pois nasci em União da Vitória, morei por muitos anos lá, sinto muitas saudades, e agora venho aqui e encontro esta pérola.
Minha filha não conseguiu ficar calada e disse: -Foi minha mãe que escreveu este poema.
Ele arregalou os olhos, percebi que estava muito emocionado.
Quis conversar um pouco mais, acabamos trocando número de telefone, até hoje mantemos contato.
No entanto, não era a história que eu planejava escrever.
Curioso é que os fatos são similares.
Na semana que passou viajei a Curitiba, como gosto muito de livros procurei um lugar para quem sabe comprar algum título. Passei em frente a uma vitrine com muitos livros expostos, li na placa que era um Sebo de livros. Observei com calma os títulos que se mostravam para mim. Confesso que um era melhor que o outro. Quando resolvi entrar na loja, percebi pelo reflexo que atrás de mim, havia um senhor, que estava com o olhar fixo em um determinado livro.
Minha curiosidade aumentou, pois, o livro me chamara a atenção também, porém devido ao reflexo eu não conseguia ler o título. Olhei o senhor, que agora havia se aproximado da vitrine, quis perguntar a ele, mas desisti, deixei-o quieto, pois estava extasiado com o que via.
Era com certeza, um morador de rua, estava com roupas surradas e uma sacola, e não desviava o olhar daquele livro.
Resolvi indagá-lo.

  • O senhor é daqui?
    -Percebi que gosta de ler, pelo seu interesse. O livro, que o senhor gostou, eu também achei muito interessante a julgar pela capa.
    Eu me apresentei, falei de onde eu era, o que fazia ali, falei também o meu gosto pela literatura. Ele estendeu a mão, em um aperto firme, e também se apresentou.
    Disse que há muito tempo morava nas ruas e, que quando pode consegue com alguém um livro para ler, falava muito bem, possuía um excelente vocabulário.
    Perguntei-lhe de onde vinha o gosto pela leitura. Ele baixou os olhos e percebi que chorava, eu fiquei sem saber como agir, fiquei muito assustada.
    Ele se recuperou rápido e pediu desculpas pelo acontecido. E sem demora me contou que em um passado recente fora um escritor, e conseguia viver da venda dos livros, mas sua vida sofrera uma mudança muito grande, ele havia conquistado um nome respeitável, conseguiu abrir uma editora, onde ajudava os iniciantes a publicar seu livro. Porém, devido a uma injustiça, a qual tentou por muito tempo provar a verdade à sociedade, não houve tempo, ficou na miséria, sua casa, carros, enfim perdeu tudo, e ficou com muitas dívidas. Sua família envergonhada o deixou sozinho, foi embora do Brasil. Disse-me que ainda tenta reaver alguma coisa, mas sem condições. Os amigos se foram.
    Contou-me que já havia morado em vários lugares, mas sempre por pouco tempo. Hoje ele sente que está conformado com o que lhe aconteceu, e cansado de lutar sem esperança. Olhou seu livro de longe e chorou copiosamente.
    Eu não sabia como ajudar.
    Perguntei-lhe se estava com fome ou se precisava de algum dinheiro, me respondeu que não precisava de nada.
    Meu coração estava triste, pensei em uma solução.
    Entrei na loja e comprei o livro, senti o peso daquela obra.
    Voltei com uma caneta nas mãos e pedi seu autógrafo, ele muito surpreso falou:
    -Qual é o seu nome, querida?
    Eu respondi com engasgo na garganta:
    -Marli.

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NACO DE PROSA

A família que nunca fomos

 

O dia estava cinza, algumas gotas começaram a respingar na janela da sala. Não havia muito o que fazer em casa naquele momento, decidi sair antes que a chuva chegasse de vez.

A loja de venda de novos e usados ficava próxima da minha casa, resolvi ir até lá, sempre era possível encontrar algo que me agradasse por lá.
Abri a porta, a pequena sineta denunciou a minha entrada. Margot, uma senhora com seus 70 anos, cabelos grisalhos levantou seu rosto, ajeitou seus óculos para ver quem entrava. No instante em que me reconheceu abriu seu sorriso convidativo me oferecendo uma xícara de chá.

  • Tome, menina, logo vai esfriar e não queremos ninguém gripado, certo?
    Concordei tomando um bom gole, estava doce e morno, perfeito para uma tarde chuvosa.
  • O que traz você aqui hoje, além dessa tarde propícia para olhar antiguidades?
  • Dona Margot, é isso mesmo, em casa a monotonia gritante me fez reagir, e cá estou.
  • Fique à vontade, você sabe onde me encontrar se precisar de algo.
    Entre prateleiras, cadeiras e mesas muitos livros, brinquedos, roupas, quadros, vinis, fitas em vhs, aparelhos que os jovens hoje não saberiam nem por onde começar a ligar.
    Era um vislumbre para meus olhos que sempre buscavam em objetos do passado um alento para a saudade.
    Entre um livro e um vinil, um par de olhos me olhava fixamente, afastei ambos objetos e me deparei com uma pequena foto, um pouco marrom, ou seria um tom sépia, talvez. Passei os dedos sobre aquela imagem, uma mulher com seus vinte e poucos anos, com um vestido e chapéu e um homem, um pouco mais velho, com barba, smoking e cartola. Um casal elegante, atrás deles uma casa de dois andares, e muitos hectares de terra. Uma aconchegante varanda, e nada mais.
    Peguei a foto com delicadeza, não queria que ela se desfizesse entre meus dedos.
    Virei com cuidado, minha avó dizia: sempre há mais informações no verso.
    E ela tinha razão, mais uma vez. No verso daquela foto, um rabisco: “O primeiro passo para os nossos sonhos, com amor, Michael. Dezembro, 1940. ”
    Dedução mais assertiva, Philip era o elegante senhor, que mandou a foto para a sua amada, talvez a compra recente da casa?
  • Senhora Margot! Por favor, a senhora sabe algo sobre esta foto, encontrei apenas ela, embaixo de alguns objetos.
    No momento em que ela viu o que eu tinha em minhas mãos emudeceu, seu sorriso sempre tão presente, sumiu.
  • Onde estava essa foto? Indagou tirando ela das minhas mãos.
  • Naquela mesa.
  • Não, não. Que erro cometi. Esta foto não pertence a essa loja, nem pode estar aqui.
    Amassou a foto e descartou na lixeira. Naquele momento não insisti, percebi que ela havia ficado um pouco aflita. Antes de ir, dei mais umas olhadas em volta, e saí da loja.
    Eram quase sete horas da noite, a chuva continuava. Na tela em branco do computador, apenas o ponto de inserção de texto piscava me convidando para a escrita, mas naquele momento, minha cabeça estava naquela foto tão simples e tão enigmática ao mesmo tempo. Que segredo havia ali, e por que ela estava no “lugar errado”?
    Na manhã seguinte, sai para comprar alimentos.
    Quando ela me viu, acenou. Atravessei a rua.
  • Bom dia, dona Margot!
  • Bom dia, minha filha. Hoje teremos sol, é sempre assim, um dia nublado, outro de brilho e cores.
  • É verdade.
    Fiquei alguns segundos olhando para dentro da loja, como se eu fosse capaz com a minha visão de localizar a foto amassada.
  • O que você procura não está mais aqui.
  • Eu só não entendi a sua reação, era uma simples foto.
    Dona Margot tomou um bom gole de chá, suspirou e disse:
  • Nem sempre as coisas são apenas aquilo que estão mostrando ser. Principalmente uma foto, sempre há uma história, e não estou falando do rabisco do verso.
  • Eu entendo se a senhora não quiser falar, mas aquele casal, tão elegante, aquela casa, a data, não tem como passar despercebido.
  • Entendo, a sua curiosidade é válida. Mas acredite, há coisas que devemos deixar no passado, e nunca registrar.
    Com certeza a minha expressão me entregou, pois, dona Margot entrou na loja, me convidando para ir com ela.
    Passamos pelo balcão, ela repousou sua xícara ao lado de um livro de registros, ela apontou e disse: – veja o nome que aqui está registrado.
  • Michael Schmidt.
  • Isso, o senhor da foto. E ela, Amanda Baum. Eles estavam noivos quando esta foto foi tirada. A casa, grande, dois andares, com sua linda varanda, não passam de ruínas hoje.
  • Não estou entendendo.
  • A guerra chegou. Amanda era judia. Michael era coronel do exército alemão. Aquela guerra destruiu não apenas cidades, estados, dizimando muitas vidas, mas interrompeu também os sonhos de Michael e Amanda. Ele tentou. Fez o possível para evitar o inevitável. Mas quando ele percebeu que o nome de Amanda estava na lista, ele se desesperou, como ajudar o amor da sua vida sem trair seu país?
    Ele pegou o caderno com os nomes listados, fez o possível, o impossível, mas os soldados estavam sempre atentos. Nada passava por eles, e a última imagem de Michael, foi de sua Amanda sendo empurrada dentro de um vagão em um trem que sumiu na primeira curva. Após anos, ele teve informações de onde ela estava, na certeza de que ela estaria viva e bem, foi até lá. Vasculhou em cada canto, conversou com outras mulheres que lá estavam confinadas, e a última informação que ele teve, é que ela havia sumido, junto com seu bebê assim que ele nasceu. Ele não sabia que ela estava grávida, e naquele momento soube que nunca mais os encontraria. O desespero foi imenso, dizem por aí, que na época ele havia ficado louco, e andava dia e noite nas vielas chamando pela sua Amanda. Faleceu alguns anos depois, e esta foto estava dentro do seu bolso, antes de ser enterrado, uma alma caridosa, acredito, retirou-a do seu terno e ela veio, misteriosamente parar aqui.
    Eu não sabia o que falar de tudo aquilo, que história! Tão real, tão pungente, tão dolorosa. Mas o que ainda não dava para entender da senhora diante da foto.
  • Meus avós esconderam Amanda por um bom tempo. Quando ela deu à luz, eles permitiram que ela fosse para a enfermaria. Uma complicação, algo assim, e por uma ação divina, conseguiram tirar Amanda de lá, com seu bebê, cuidaram deles, até o menino completar dez anos. Essa casa que você viu, se transformou em ruínas após ser usada como hospital improvisado pelo exército alemão. Amanda infelizmente, não resistiu a uma tuberculose, enfraquecia dia após dia, e não havia recursos. Meus avós registraram o filho de Amanda, como deles, que se tornaria meu pai futuramente. E é essa a história. E essa pequena foto, que não deveria mais existir, me traz muitas lembranças ruins. Não era para ter sido assim, não era para ter esse ódio todo, sabe? Eles estavam felizes, com planos e da noite para o dia, tudo acabou, tudo.
    Ela olhou para frente, olhos marejados, ela sentia a dor que eles sentiram. A dor da separação, uma família que não pode existir.
    Ela se abaixou, pegou a foto do lixo, desamassou.
  • Tome, você é escritora, talvez a motive em alguma ideia, algumas linhas.
    Devolvi a foto para ela, agradecendo.
  • Algumas coisas, devem permanecer no passado, e nem mesmo serem registradas. São suas lembranças, não devem ser exploradas dessa forma. A foto deve ficar onde deve ficar.
    Ela consentiu com a cabeça, abri a porta, a sineta tocou, lá fora, o céu brilhava, eu ainda ia passar na padaria para o meu desjejum.

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